21 Novembro 2018
O Brasil vive a crise econômica, social e institucional mais grave desde o pós-guerra. E ela parece não ter fim.
O artigo é de Fernanda Graziella Cardoso e Cristina Fróes de Borja Reis, professoras dos bacharelados de Ciências Econômicas e de Relações Internacionais da UFABC. Fernanda é atualmente coordenadora do bacharelado de Ciências Econômicas da UFABC e vice-coordenadora do Núcleo de Estudos Estratégicos em Democracia, Desenvolvimento e Sustentabilidade (NEEDDS) e do grupo de pesquisas em Cadeias Globais de Valor da UFABC (CGV). Cristina realiza pós-doutorado na Technische Universtitat Berlim/ EU Marie Curie IPODI (International Post-doc Initiative) e coordena o grupo CGV, publicado por CartaCapital, 20-11-2018.
Caríssimo professor, não há boas notícias.
Gostaríamos de lhe mandar boas notícias do Brasil; nos perdoe, por favor, pelo pessimismo que nesse momento nos toma. Você sempre nos inspirou a acreditar no desenvolvimento, uma fantasia organizada, apesar de nossa pesada e ingrata herança de formação econômica e social. Caro amigo Furtado*, do mesmo modo, não pretendemos lhe provocar, mas saiba que os motivos que historicamente nos aprisionaram na armadilha do subdesenvolvimento parecem estar, nesse momento, ainda mais evidentes. Desde a primarização da pauta de exportações e o baixo dinamismo da estrutura produtiva, passando pelas débeis instituições políticas e jurídicas, até a brutal desigualdade de terras e de riqueza, com aprisionamento cultural e o luxo perdulário das elites. O Brasil vive a crise econômica, social e institucional mais grave desde o pós-guerra, que parece não ter fim, tampouco solução diante do novo governo eleito. As perspectivas para os próximos anos vão no sentido oposto ao que você indicou para o desenvolvimento. Deveria se investir na diversificação e complexificação da estrutura produtiva, inserção externa requalificada, valorização da educação e da cultura, distribuição de renda e inclusão, garantindo os direitos dos cidadãos.
Para tal, seria preciso, no entanto, um Estado verdadeiramente democrático, comprometido com as causas populares, com o incentivo do investimento produtivo para gerar emprego, renda e a provisão de bens públicos, eliminando a espiral negativa da pobreza e nossas históricas desigualdades regionais. Seria preciso levantar a cabeça diante do capital externo, ao invés da subordinação imperialista da periferia ao centro.
Caro amigo, pra você ficar a par de tudo que se passa, saiba que até houve uma tentativa de ensaio novo-desenvolvimentista. Desde o golpe de 2016 houve, porém, uma nova reversão de rota, que mais parece uma contramão. Para acrescentar, o novo governo eleito declara que irá aprofundar a toada liberalizante, em um claro movimento de enfraquecimento do Estado em benefício dos interesses do grande capital.
Além de tudo, o novo governo parece preferir a violência à paz, a ponto de enaltecer a ditadura e suas práticas. Foram sucessivas declarações para dividir os cidadãos, atiçando o ódio contra nordestinos, feministas, negros, índios, LGBT+, ambientalistas, ativistas de modo geral e, até mesmo, professores. Aproveite e conte para o querido Paulo Freire que querem uma tal Escola sem Partido. Um projeto que pretende acabar com o pensamento crítico.
Aqui na sua terra ainda estão jogando futebol, tem muito samba, muito choro e rock n’roll. Uns dias chove, noutros dias bate sol. Mas o que queremos lhe dizer é que, por hora, a fantasia está desfeita.
Caro amigo, a gente está engolindo cada sapo no caminho. Mesmo assim, a gente vai se amando e se apoiando que, também, sem um carinho, ninguém segura esse rojão. Um beijo para você, mandamos lembranças. Adeus.
*Celso Furtado faleceu em 20 de novembro de 2004. Autor de livros como Formação Econômica do Brasil (1959), A Fantasia Organizada (1985) e A Fantasia Desfeita (1989). Foi o primeiro Ministro do Planejamento (1962-63) e também Ministro da Cultura (1986-88).
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Caro Celso Furtado, a fantasia está desfeita - Instituto Humanitas Unisinos - IHU