01 Novembro 2018
A Suprema Corte do Paquistão reverteu uma sentença de morte determinada por instâncias inferiores, por enforcamento, contra uma mulher cristã acusada de blasfêmia. Trata-se de um caso que polariza o país há anos.
A reportagem é publicada por BBC Brasil, 31-10-2018.
Asia Bibi foi condenada em 2010, acusada de insultar o profeta Maomé durante uma briga com vizinhas.
Ela sempre alegou sua inocência, mas passou a maior parte dos últimos oito anos em uma cela solitária.
A impactante decisão já despertou protestos violentos, perpetrados por defensores radicais de leis contra a blasfêmia.
Manifestações foram registradas em Karachi, Lahore, Peshawar e Multan e incluíram conflitos com a polícia.
A zona vermelha na capital de Islamabad, em que fica a Suprema Corte e outros órgãos oficiais, foi cercada por policiais. Forças paramilitares também foram acionadas para distanciar os manifestantes do tribunal.
O juiz Saqib Nisar, que leu a decisão, disse que Asia Bibi poderia sair imediatamente da prisão na cidade de Sheikupura, perto de Lahore, caso não responda por outras ações.
A mulher não estava no tribunal para ouvir a decisão, mas reagiu ao veredicto da prisão com aparente descrença.
"Não posso acreditar no que estou ouvindo, vou sair agora? Vão me deixar sair, sério?", teria dito Bibi por telefone segundo a agência de notícias AFP.
A ação deriva de uma briga que Asia Bibi, cujo nome completo é Asia Noreen, teve com um grupo de mulheres em junho de 2009.
Elas estavam colhendo frutas quando uma briga começou por conta de um recipiente de água. Após beber no objeto, a cristã foi acusada pelas outras mulheres de ter tornado o item impuro, fazendo com que não pudessem mais tocá-lo.
Segundo promotores, o grupo de camponesas alegaram que, por conta de seu ato, Bibi deveria se converter ao islamismo. A cristã, então, teria respondido com três comentários ofensivos ao profeta Maomé.
Depois, ela foi espancada em sua casa, momento em que, segundo acusadores, ela teria confessado a blasfêmia. Depois de um inquérito policial, Bibi foi presa.
Durante o domínio do Império britânico na região da Índia, em 1860, foram promulgadas leis que tornaram crime pertubar reuniões religiosas, invadir cemitérios, insultar crenças ou intencionalmente destruir ou contaminar um local ou objeto de adoração. Estas infrações previam até 10 anos de prisão.
Várias outras cláusulas foram acrescentadas na década de 1980 pelo ditador militar Gen Zia ul-Haq:
• 1980 - Até três anos de prisão por comentários depreciativos contra ícones islâmicos
• 1982 - Prisão perpétua por profanação "intencional" do Alcorão
• 1986 - "Morte ou prisão perpétua" por blasfêmia contra o profeta Maomé
Os juízes disseram que os promotores "falharam categoricamente em provar o caso além da dúvida razoável".
O tribunal considerou que a acusação foi baseada em evidências frágeis e que os procedimentos adequados não foram seguidos. A alegada confissão de blasfêmia por Asia Bibi foi feita em frente a uma multidão "ameaçando matá-la".
A decisão referiu-se fortemente ao Alcorão e à história do islamismo. A sessão terminou com uma citação atribuída ao profeta Maomé, clamando pelo tratamento gentil aos não-muçulmanos.
O Islã é a religião nacional do Paquistão e base de seu sistema legal. O apoio público às rigorosas leis de blasfêmia é forte - em parte por isso, muitos políticos linha-dura apoiaram severas punições.
Mas os críticos dizem que as leis costumam ser usadas como vingança em disputas pessoais e que as condenações são baseadas em evidências frágeis.
A grande maioria dos condenados são muçulmanos ou membros da comunidade Ahmadi, mas desde a década de 90, dezenas de cristãos também já foram condenados. Eles representam apenas 1,6% da população.
A comunidade cristã tem sido alvo de numerosos ataques nos anos recentes.
Muitos dos ataques são motivados por acusações de blasfêmia, mas outros vêm em reação à guerra liderada pelos EUA no Afeganistão.
Ninguém jamais foi executado sob tais leis, mas algumas pessoas acusadas desta ofensa foram linchadas ou assassinadas.
Asia Bibi, que nasceu em 1971 e tem quatro filhos, foi a primeira mulher já condenada à morte sob estas leis.
Internacionalmente, sua condenação foi amplamente classificada como uma violação dos direitos humanos.
Há receios de que possa haver uma reação violenta à sua absolvição.
Como em julgamentos anteriores do caso, grandes multidões se reuniram em frente à corte em Islamabad na quarta-feira exigindo sua condenação e execução.
Ela recebeu oferta de asilo de vários países e deve deixar o país.
Sua filha Eisham Ashiq havia dito à agência AFP com reagiria a uma eventual libertação da mãe: "Vou abraçá-la, vou chorar e agradecer a Deus".
Mas a família teme pela segurança da mulher e provavelmente terá que deixar o Paquistão.
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Cristã acusada de blasfêmia escapa de pena de morte e divide o Paquistão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU