13 Outubro 2018
O Vaticano anunciou ao meio dia (horário de Roma), neste 12 de outubro, que Francisco aceitou a renúncia do Cardeal Donald Wuerl, arcebispo de Washington, DC. Ao mesmo tempo, a Arquidiocese de Washington divulgou uma carta do Papa ao cardeal, em que ele lhe pediu para permanecer como "administrador apostólico" da arquidiocese até que seu sucessor seja nomeado. Também tornou pública uma declaração do cardeal após o ocorrido.
A reportagem é de Gerard O'Connell, publicada por America, 12-10-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
Em uma carta de duas páginas, Francisco demonstra apoio e seu carinho pelo cardeal.
O pontífice ainda lembrou que em 21 de setembro o cardeal solicitou à ele sua renúncia. Francisco respondeu: “Desfrute de tudo que marcou e continua a marcar seu ministério. Busque a glória de Deus e o bem das pessoas que confiaram em seus cuidados”.
O Papa Francisco disse que reconheceu, no pedido do cardeal, “o coração do pastor, ampliando sua visão para reconhecer um bem maior que pode beneficiar a todos, para priorizar ações que apoiem, estimulem e estabeleçam a unidade e a missão da Igreja crescerem acima de todo tipo de divisão estéril semeada pelo pai das mentiras que, tentando ferir o pastor, não quer nada além das ovelhas dispersas (cf. Mt 26-31)”.
Isso aparenta ser uma referência ao relatório do júri da Pensilvânia que culpou Wuerl pela forma como lidou com alguns casos de abuso quando era bispo de Pittsburgh (1988-2006).
Francisco responde ao cardeal desconstruindo essa hipótese: “Você tem elementos suficientes para ‘justificar’ suas ações e distinguir entre o que significa encobrir ou não lidar com problemas, e cometer alguns erros”.
Em outras palavras, o Papa deixou claro que ele considera as ações do cardeal como "erros", e não um encobrimento ou negligenciamento com problemas de abuso. Reconheceu que o cardeal poderia ter se defendido nesse campo.
Ele elogiou excessivamente o cardeal por não fazer uma autodefesa e disse: “Sua nobreza o levou a não escolher o caminho da defesa. Por isso, estou orgulhoso. Obrigado”.
“Desta forma, você deixa clara a intenção de colocar o projeto de Deus em primeiro lugar, antes de qualquer tipo de projeto pessoal, incluindo o que poderia ser considerado para o bem da Igreja”, disse o pontífice.
“Sua renúncia é um sinal da sua disponibilidade e simpatia ao Espírito que continua a agir na Igreja”, acrescentou.
O Papa Francisco concluiu sua carta confiando o cardeal aos cuidados da Virgem Maria e rezou para que o Espírito Santo "lhe dê a graça de saber como continuar a servi-lo neste novo tempo que o Senhor lhe reserva".
O cardeal Wuerl emitiu uma breve declaração em resposta à carta do Papa, que dizia:
"Nosso Santo Padre, o Papa Francisco, aceitou a renúncia oferecida pela primeira vez em 12 de novembro de 2015, quando eu completei 75 anos. Sou profundamente grato por seu compromisso dedicado com o bem-estar da Arquidiocese de Washington e também profundamente tocado por suas graciosas palavras de compreensão.
A decisão do Santo Padre de fornecer nova liderança à Arquidiocese pode permitir que todos os fiéis, padres, religiosos e leigos, se concentrem na cura e no futuro permite que esta Igreja local avance. Mais uma vez, por qualquer erro ou julgamento precipitado, peço desculpas. Minha renúncia é uma maneira de expressar meu grande e permanente amor por vocês, o povo da Igreja de Washington."
Francisco pediu ao Cardeal Wuerl para servir como administrador da diocese até a nomeação de um novo arcebispo. Fontes dizem que não deve demorar muito.
Por muitos anos, o Cardeal Wuerl exerceu grande influência na Conferência dos Bispos dos Estados Unidos e nas Igrejas locais, bem como no Vaticano, onde foi considerado um ‘guerreiro’ moderado e não cultural. Nascido em Pittsburg em 12 de novembro de 1940, estudou na Universidade Católica da América e na Universidade Gregoriana de Roma. Foi ordenado sacerdote em 1966 e serviu como secretário do bispo de Pittsburgh, John Wright, que logo foi chamado para trabalhar no Vaticano e se tornou cardeal em 1969. O cardeal Wuerl trabalhou com ele em Roma até sua morte em 1979. Como padre novato, Wuerl participou do conclave de 1978 que elegeu João Paulo II, onde foi assistente do cardeal Wright, que recém havia passado por uma cirurgia.
São João Paulo II ordenou o cardeal Wuerl bispo na Basílica de São Pedro em 1985, mas o enviou primeiro como auxiliar da arquidiocese de Seattle. Só em 1988 se tornou bispo de Pittsburgh. Wuerl desempenhou um papel importante na elaboração da "Carta para a Proteção de Crianças e Jovens" dos bispos dos EUA, conhecida como Carta de Dallas. Naqueles anos ele estava entre os líderes na hierarquia dos EUA e na luta contra o abuso sexual de menores perpetrados por padres.
Em maio de 2006, Bento XVI o nomeou arcebispo de Washington, D.C., sucessor do arcebispo Theodore McCarrick, onde em 2010 se tornou cardeal. O Papa Bento XVI o indicou para várias congregações do Vaticano e lhe atribuiu o importante papel de relator geral no sínodo de 2012 sobre a nova evangelização.
Ele votou no conclave de 2013 que elegeu o Papa Francisco. Desde então, fez contribuições significativas para a Igreja universal como membro da Congregação para a Doutrina da Fé e da Congregação para os Bispos, e muito mais. Foi responsável em dar as boas-vindas a Bento XVI em 2008 e a Francisco em 2015 em Washington, onde os acompanhou até a Casa Branca para encontrar os presidente, George W. Bush (2008) e Barack Obama (2015).
A renúncia do Cardeal Wuerl vem na sequência de três eventos que levantaram questões sobre como ele lidou com casos de abuso: o caso de seu antecessor, Arcebispo McCarrick, que apareceu pela primeira vez em junho e sua posterior remoção do Colégio Cardinalício em julho; O relatório do grande júri da Pensilvânia em 14 de agosto; E a primeira carta do ex-núncio nos Estados Unidos, Carlo Maria Viganò, em 25 de agosto.
O relatório do grande júri da Pensilvânia acusou o cardeal de não lidar com alguns casos de abuso na diocese de Pittsburgh, onde foi bispo de 1988 a 2006, mas ao mesmo tempo reconheceu que havia feito muito para combater o abuso sexual.
Inicialmente, o cardeal Wuerl procurou defender seu próprio registro em Pittsburgh, apontando para o fato de que ele confrontou alegações de abuso infantil contra 32 padres, 13 dos quais estavam mortos ou foram removidos do ministério antes de ele chegar.
Posteriormente, retirou 18 sacerdotes do ministério e permitiu que os mesmos voltassem, porque a acusação contra eles não era considerada credível. De fato, em 1988 ele foi um dos primeiros bispos nos Estados Unidos a entrar em contato com as vítimas e estava à frente da maioria de seus irmãos bispos na luta contra o abuso.
Wuerl criou uma junta de revisão de proteção à criança em 1988 para operar sobre todos os casos de abuso infantil. Em 1993, adotou uma posição de defesa de sobreviventes para ajudá-los e cooperou com as agências policiais e outros profissionais neste campo. Também reconheceu que não lidou bem com algumas causas - o que chamou de "erros de julgamento", visto pelos padrões de hoje. Ele pediu perdão por essas falhas.
Onze dias após o relatório da Pensilvânia, o arcebispo Viganò, ex-núncio nos Estados Unidos, publicou um longo depoimento escrito acusando altos funcionários do Vaticano e o Papa Francisco de encobrir o abuso de seminaristas pelo arcebispo McCarrick, antecessor do cardeal Wuerl em Washington. Viganò também alegou que ele havia informado Wuerl sobre isso, mas que o cardeal preferiu não tomar conhecimento.
Wuerl negou categoricamente a alegação de Viganò e afirmou que nunca soube do abuso de seminaristas por McCarrick antes que o caso se tornasse público no início do verão, embora nem todos acreditaram nele.
Esses três eventos - o caso McCarrick, o relatório do grande júri da Pensilvânia e a carta Viganò - criaram o que um prelado dos EUA descreveu para mim como “uma tempestade perfeita” na qual o cardeal Wuerl foi atingido.
Sobreviventes de abuso e seus defensores pediram sua renúncia, o acusando de encobrimento. Seus adversários na frente política, econômica e teológica, que já eram fortemente críticos de seu total apoio ao ensino do Papa Francisco sobre a família em Amoris Laetitia e sobre o meio ambiente na encíclica Laudato Si', também viram sua oportunidade e se juntaram à briga.
O cardeal Wuerl, que completará 78 anos em 12 de novembro, entregou pela primeira vez sua carta de renúncia, como todos os bispos devem fazer, ao atingir a idade de 75 anos.
Quando a tempestade aumentou, ele foi à Roma pedir sua renúncia, no final de agosto. Francisco o aconselhou primeiro a consultar seu clero e discernir com eles o melhor caminho a seguir.
Ele o fez em 3 de setembro, quando muitos o apoiaram a continuar, mas outros acharam que seria melhor para a arquidiocese sua renúncia.
O cardeal concluiu que sua posição como arcebispo era insustentável, então ele retornou a Roma no final de setembro para relatar sua decisão e pedir ao Papa para aceitar sua renúncia. Francisco fez isso, anunciando sua decisão no dia 12 de outubro.
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Papa Francisco aceita a renúncia de Cardeal Wuerl - Instituto Humanitas Unisinos - IHU