05 Setembro 2018
Os artesãos da grande mídia acompanham o trabalho dos trogloditas e esmeram-se nos misteres de desinformar.
O artigo é de Luiz Gonzaga Belluzzo, economista, publicado por CartaCapital, 04-09-2018.
Na eleição de 1989, Fernando Collor, o Caçador de Marajás, saiu do quase anonimato para ser promovido como mercadoria nova, produzida nas retortas dos marqueteiros e exposta nas vitrines da mídia de resultados, sob os aplausos e a chuva de grana despejada pelo patriciado nativo.
Logo depois, acertaram na mosca. Convocaram o professor de sociologia, com renome e passado nas esquerdas, fala macia e promessas de empurrar definitivamente o País para a modernidade. Com esses ingredientes, foi montado o mais sólido arranjo conservador que o Brasil teve de suportar em tempos de normalidade institucional. Nesse pacto juntaram-se os cosmopolitas da finança e dos negócios, uma fração majoritária das classes médias – ilustrada, semi-ilustrada e deslustrada –, as velhas oligarquias regionais e a cambada da tripa forra que quer sempre se locupletar sem esforço. Juntos produziram o “enxugamento” da economia brasileira. Destruíram empresas, amofinaram a indústria, tudo em nome da modernidade e da globalização. Os resultados, todos sabem: o desemprego, a deterioração das grandes cidades, a violência, que não para de aumentar, a falência do exercício pelo Estado do monopólio da força.
Na política brasileira, nada mais velho do que o novo. Há um empenho edificante na troca de máscaras, enquanto o rosto do poder real permanece esculpido em sua pétrea solidez. Os disfarces de maior sucesso no momento são confeccionados por toscas mãos que manejam os teclados e algoritmos das redes sociais. Nos tempos da supremacia da civilidade, os Instagrams, Facebooks, Twitters seriam considerados simplesmente fábricas de narcisismo e exibicionismo, mentirosos e grotescos. O grotesco, dizia Machado de Assis, é o ridículo tomado a sério.
Os artesãos da grande mídia acompanham o trabalho dos trogloditas e se esmeram nos misteres de desinformar o distinto público. Nas entrevistas com os candidatos, os jornalistas da imprensa escrita e televisionada (diriam os eleitores de Bolsonaro) entregam-se ao protagonismo, cutucam o desditado com picuinhas e caganifâncias. Altamente qualificados nos ofícios da mesmice, esses escultores das máscaras do poder se empenham em encaixar a mesma persona, sem ajustes nem atritos, no rosto de todos os candidatos. O eleitor fica na mão entre a desinformação, o riso e a perplexidade.
Espremidos nos cubículos da fofoca e da provocação irrelevante, os candidatos com neurônios em ordem não conseguem expor os programas de governo concebidos para enfrentar os problemas que vêm constrangendo a economia e a sociedade de Pindorama.
O método de inquirição favorece os candidatos do status quo disfarçados com as máscaras da novidade, em detrimento dos que adotam programas de governo mais críticos e articulados. Indagado sobre questões da economia e da sociedade, o líder nas pesquisas de intenção de voto, sem Lula, pede asilo no Posto Ipiranga. Os que conhecem esse posto, sabem que a gasolina colhida de suas bombas pode danificar irremediavelmente o motor afogado da economia brasileira. Mais do mesmo. Pior, a turma do Posto Ipiranga não tem o monopólio da gasolina estragada. É fácil fazer planos gerais, estabelecer metas, apresentar cifras. Em um país marcado pela exclusão social e por forte concentração de renda e de poder nas mãos dos “incluídos”, é difícil aglutinar forças e recompor interesses em torno de uma política econômica concebida para atender aos reclamos dos excluídos.
Os ideólogos das propostas liberais mais simplórias que simplistas podem arrepiar carreira quando tiverem de encarar o tamanho da encrenca a ser armada pelas sabedorias do mercado diante do caráter fragmentário e contraditório dos interesses em jogo. Há muito tempo as relações de poder entre a mídia e o Estado estão de cabeça para baixo, ou melhor, foram colocadas de cabeça para cima pelo monopólio da opinião e da informação. Os partidos, os governos e os fatos políticos só existem através dos meios de comunicação. O poder real de há muito migrou para os cérebros e mãos dos donos da informação que se entregam aos trabalhos de “orientação” das massas desarvoradas. O eleitor pode mudar de partido, o espectador de canal e tudo continua na mesma.
Os amigos dos Reis da Cocada costumam contra-atacar, argumentando que é ridículo supor uma conspiração entre a mídia, os governos e os negócios. Têm toda a razão: o pior é que não há mesmo nenhuma maquinação. São apenas consensos produzidos pelo andamento normal dos negócios.
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Entrevistando os candidatos - Instituto Humanitas Unisinos - IHU