26 Abril 2016
Foi em tom de desdém que a Folha de S. Paulo anunciou: “É previsível que entre a intelligentsia as visões contrárias ao impedimento prevaleçam”. Reduz-se a isto a “análise” da matéria de 10 de abril, intitulada A favor ou contra o impeachment? Intelectuais respondem enquete. O levantamento, que poderia ser a sua principal notícia do dia, a capa do jornal impresso, e ter ampla divulgação e análises, acabou sendo deixado como uma espécie de “banco de dados”. O leitor simplesmente seleciona os arquivos em um menu.
O artigo é de Ednei de Genaro, mestre em Sociologia Política, doutor em Comunicação e Robson Gabioneta, mestre em Filosofia, publicado por Outras Palavras, 25-04-2016.
A contribuição deste artigo é, pois, tentar fazer aquilo que o jornal renunciou. E comecemos pelos números e demais explicações bem gerais, que também não foram divulgadas. Foram 31 intelectuais entrevistados, ou melhor, encurralados a responder se são contra ou a favor do impeachment. Cada um entregando seu breve texto a Folha. O resultado? “Vitória”, de lavada, dos contra: 20 a 8 – com 3 ficando “em cima do muro”.
A favor
Roberto Damatta (79, antropólogo), Jean Marcel Carvalho França (49, historiador), Ferreira Gullar (85, poeta, crítico), Boris Fausto (85, historiador), Eduardo Gianetti da Fonseca (59, economista), Fernando Henrique Cardozo (84, sociólogo e político), Carlos Pereira (51, cientista político), Bolívar Lamounier (72, cientista político).
Em cima do muro
José Murilo de Carvalho (76, cientista política e historiador), Joaquim Falcão (72, professor de direito), José Eli da Veiga (67, professor sênior do Instituto de Energia e Ambiente da USP).
Contra
Zé Celso (79, diretor de teatro), Walter Sales (59, cineasta), Roberto Schwarz (77, crítico literário), Ricardo Antunes (63, sociólogo), Paulo Sérgio Pinheiro (72, cientista político), Paul Singer (84, economista), Nuno Ramos (56, artista plástico), Maria Rita Kehl (64, psicanalista), Luiz Gonzaga Belluzo (73, economista), Luiz Felipe de Alencastro (70, historiador), Laura de Mello e Souza (63, historiadora), José Miguel Wisnik (67, compositor, ensaísta, professor de literatura), Jessé Souza (56, sociólogo), Fernando Morais (69, jornalista e escritor), Fernando Limongi (58, cientista político), Delfim Netto (87, economista), Antônio Risério (62, antropólogo, poeta, ensaísta), Antônio Cândido (97, sociólogo e crítico literário), Ângela Alonso (46, socióloga), Alcir Pécora (61, crítico literário).
Ora, não houve um jogão Fla-Flu, de que a Folha gostaria [1]. Veremos que não foi nem exatamente um jogo que ocorreu. Mesmo tendo escolhido os próprios jogadores, o jornal não conseguiu sequer montar um time a favor. (O elenco geral, no entanto, foi, digamos, incrivelmente experiente: idade média de 70 anos!). Ao jornal, restou então o desdém, tentando, além de não analisar, deixar pra lá a divulgação. Não vimos a edição impressa. Quem vê hoje mesmo? Mas, na edição digital, já sabemos bem os “truques”: primeiro uma divulgação tímida, “lá embaixo”; depois, ela se transformando em signos de “vitória” do time com 8, tendo Boris Fausto estampado como o capitão da manchete, e, ao lado, na lista também dos intelectuais velhos colunistas do jornal, Ferreira Gullar.
Lembremos, antes de irmos aos lances mais importantes deste referido jogo. A Folha parece desatinada. Pouco antes, ela publicara seu já histórico editorial (Nem Dilma nem Temer, de 02/04/2016), expressando seu tom melancólico fatalista-golpista a partir de três argumentos-chave: 1. A governabilidade impossível: Dilma “perdeu as condições de governar o país”; ela é “o” obstáculo “à recuperação do país”; 2. A maioria quer impeachment: “Formou-se imensa maioria favorável a seu impeachment” (Aqui, o verbo formar é interessante, e soa como um triunfo das corporações de mídias, com sua dose cavalar do sedativo “imobilista”, e da guerra diária contra o governo); 3. Deve haver no país, a começar por este jornal, respeito pleno à imparcialidade e à pluralidade: “Esta Folha continuará empenhando-se em publicar um resumo equilibrado dos fatos e um espectro plural de opiniões, mas passa a se incluir entre os que preferem a renúncia à deposição constitucional”. A situação do jornal não poderia ser mais problemática, e descreditada. Ora, não estando disposta – por motivos evidentes – a declarar apoio ao impeachment por meio do artifício “pedaladas”, faz contudo suas manobras para que ele de fato aconteça. Entre um dos incontáveis casos problemáticos, está o desprezo que acabou expressando com os intelectuais que ela entrevistou – como se pretendesse “arquivá-los” antes mesmo deles terem um protagonismo por meio do principal jornal do país.
Observando as declarações dos intelectuais, podemos pensar que aquele “pesar” do jornal de que “o impeachment tenderá a deixar um rastro de ressentimento”, não vem definitivamente apenas de que uma “minoria expressiva” de partidários do PT se sentirá desta maneira. Ora, não é nem realmente o “ressentimento” que vai a campo – mas o sentimento de luta, alegre e corajoso, pela democracia. Descobrimos então que o time dos contra não joga para defender (ou destruir) uma camisa, um partido, mas pela democracia comum. O jogão Fla-Flu vem a ser, na verdade, impossível.
O desatino da grande imprensa faria qualquer termômetro explodir. (Quem lê a página pessoal de Wilson Bueno no Facebook, por exemplo, pode acompanhar a marcação diária das diferentes gradações de loucura). Após o Advogado Geral da União, José Eduardo Cardozo, desmontar, com uma hábil oratória que surpreendeu a todos, o dossiê político excessivamente anódino de Janaina Pascoal e Hélio Bicudo na Câmara, o que restou a Folha? “Pedaladas” jornalísticas? Por que o tema central em pauta, o que mais importante no momento, não vai ser a procedência ou não do dossiê político? Vejamos prontamente uma análise de Fernando Limongi: “O pedido assinado por Hélio Bicudo e outros juristas é, para dizer o mínimo, bem fraco e inconsistente. Cita mais Lula que Dilma e foi remendado na última hora, seguindo o pragmatismo de Eduardo Cunha que notou que 1) pedaladas, e não corrupção, deveriam ser o motivo do pedido e 2) que ele tinha que se referir ao mandato atual. O resultado é pífio, inconsistente – eu recomendo a leitura do pedido –, é uma colcha de retalhos. Argumentação e motivo não fecham”. E, seguindo tais circunstância, Nuno Ramos tem toda razão, ao dizer que, ao escancararmos a corrupção, “estamos assistindo, ao vivo e em cores, àquele circuito fechado que Raymundo Faoro”, e, do mesmo modo, “estamos também perdendo qualquer chance de enxergar neutralidade nos meios de comunicação, que parecem obviamente escolher quais destes híbridos alimentam, quais atacam. Nada disto é novidade, mas a explicitação contínua e crescente deste circuito é nova”.
A situação de polarização bipolar, doentia, epidêmica, foi então lançada aos entrevistados. Mas tal enquete bipolar não deu certo. Praticamente todos os 21 contrários não se posicionaram essencialmente em defesa do governo Dilma, do PT etc., mas sim em defesa da democracia, da constituição, do respeito ao voto, às eleições. A crise é estrutural, advertiu Alcir Pécora, e completou: “Não acho que a saída da presidente seja uma questão de opinião, mas sim de caracterização de algum crime previsto em lei para a justa aplicação da pena”. Enquanto Walter Salles, observando o cenário político, rememorou o roteiro de um livro-filme clássico: “Algo deve mudar para que tudo permaneça como está’, sugere Tomasi di Lampedusa em O Leopardo”.
Vejamos portanto qual poderiam ser os traços gerais de uma sociologia dos intelectuais com o “material bruto” deixado pela Folha.
Comecemos pelos a favor. Não há dúvida de que – também entre os intelectuais – a questão do impeachment transparecesse profundamente de forma política, sendo apregoada, pelos favoráveis, por intelectuais reconhecidamente de direita, e, no mais das vezes, conservadores. Qualquer argumentação ou justificação democrática, jurídico-constitucional, fica completamente esvaziada nos a favor. São a favor, e pronto. A favor, por via de um discurso abertamente ou tendencialmente moralista (Roberto Damatta, Jean Marcel Carvalho França, Ferreira Gullar, Boris Fausto). Damatta parece estufar o peito para dizer: “Sou favorável ao impeachment por motivos morais e éticos, indignado que estou com tanta mentira, incompetência e roubalheira. É indesculpável o que o governo lulo-petista fez com o povo brasileiro. Minha decepção é com o PT e com essa mistificação inventada por Lula chamada Dilma Rousseff, incapaz de agregar pessoas e ideias […]. É preciso coragem”. Ou a favor, por parecer desejar uma “limpeza moralizadora” –: Carvalho França: “Creio que o impeachment, diante da situação que estamos vivendo, é necessário para que o país possa se recompor econômica, social e moralmente – o que não será uma tarefa nem simples nem rápida de ser realizada […]. O nacionalismo cego e excludente, para além de ser o ‘último reduto dos canalhas’, é uma enorme tragédia para o desenvolvimento do país”. Há ainda aquele que lamenta a falta de “líderes” para assumir o “novo país” que viria depois do golpe –: Gullar: “não há ninguém com calibre moral para governar”. Boris Fausto é mais precavido, esquivando de explicitar diretamente discurso moral; porém, veja, ele já sentenciou Dilma culpada pela crise “social e econômica”, e quer que a sua sentença seja cumprida: “Sou a favor do impeachment, por duas razões básicas: pelo seu fundamento constitucional e por abrir um caminho para que o país saia de uma situação social e econômica calamitosa a que vem sendo submetido”.
Entre os a favor – explicitaremos aqui todos – há também aqueles que, de uma maneira ou de outra, reproduzem a sinfonia melancólica do golpe da Folha (Eduardo Gianetti da Fonseca, Carlos Pereira, Fernando Henrique Cardozo, Bolívar Lamounier): ‘ora, o ideal seria a renúncia, mas a mulher não larga o osso, então, infelizmente, tem que ser assim…’. Fonseca: “Seria melhor para o país que ela saísse”. Pereira: “A renúncia seria menos traumática, mas menos pedagógica. O impeachment é mais custoso, mas geraria um legado, traria maior conscientização às instituições de que há um Estado impessoal que não compactua com desvios”. O resultado disso seria a oportunidade de o Brasil caminhar verdadeiramente rumo a uma “democracia liberal, rompendo com o componente iliberal de nossa democracia: o compadrio”. FHC declara – é sempre curioso ele – ser motivo de impeachment o ato que ele praticou e ajudou a disseminar: “Infelizmente tenho que ser a favor do impeachment. O impeachment é uma disposição constitucional e legal. No caso em discussão, não só o caso das chamadas pedaladas fiscais é crime de responsabilidade, a reiteração de uso de recursos não orçamentados, gastos para uso em programas sociais e sobretudo empresariais, é caso de impeachment”. Lamounier, parece estar em transe apocalíptico: “Sou a favor da saída do atual governo, mas prefiro o caminho da renúncia, porque seria o processo mais rápido e menos traumático para o sistema político e para a sociedade. Estamos numa contagem regressiva, num tique-taque cada vez mais nervoso e apressado, rumo a um grande desastre”.
Os em cima do muro parecem ser aqueles que gostariam de dizer com todas as letras “sim ao golpe!”, mas, enfim, se sentiram muito acuados com a saia justa do jornal, abortando exposição pública e/ou problemas profissionais (José Eli da Veiga, Joaquim Falcão, José Murilo de Carvalho). Veiga gostaria que Dilma renunciasse, lamentando o fato de não haver como “fazer o imprescindível recall, como ocorreu recentemente na Califórnia”. Ele tem medo do Brasil “venezuelar”, e deseja que só os Supremos resolvam a questão. Falcão (professor de direito), diz categoricamente: “O processo do impeachment é um fato. Continua. Não se sabe onde vai parar”. Na Câmara e Senado, a questão é política. No Supremo, não: “é diferente”, mas, admite, este “está fragmentado e individualizado. Vítima do próprio excesso de recursos, agravos e liminares. O Supremo é o gestor da incerteza constitucional”. Conclui: pode haver “insegurança jurídica”. Carvalho, é o mais ambíguo: “[…] a meu ver, se não surgir clara evidência de violação da lei pela presidente em crime de responsabilidade, sou contra a aprovação da medida. Aprovação sem essa condição daria margem ao aumento da gritaria de que foi golpe”. À princípio, um intelectual contra o golpe. Contudo, logo após, vem o discurso conservador e outras coisas mais. Está preocupado com a plebe gritando “golpe”. Tem medo do caos nas ruas. E, tentando fazer as equações conjunturais, lembra a dificuldade de encontrar a ‘melhor saída’ e solta: “O problema são os prazos”.
Chegamos aos 21 contra. Tentemos aqui restringir o escopo, destacando aquilo que mais marcaram suas (breves, ou mesmo brevíssimas) declarações. Primeiro, o maior grupo, aqueles que se centraram no argumento de respeito constitucional democrático: Luiz Gonzaga Belluzo, Luiz Felipe de Alencastro, Laura de Mello e Souza, José Miguel Wisnik, Maria Rita Kehl, Fernando Morais, Fernando Limongi, Delfim Netto, Ângela Alonso, Alcir Pécora. (Todos os contra poderiam, na verdade, estar incluídos aqui, mas estamos notando aqueles que se centram nisto). Lembramos algumas declarações destes, que fazem quase um coro. Belluzo: “Dilma recebeu o mandato pelo sufrágio universal. Presidente não pode ser tratado como técnico de futebol: se a galera não está gostando, ‘a gente trocamos’”. Alencastro: “Dilma foi eleita, tem que cumprir o mandato. Não há delitos claramente imputáveis. Há um encarniçamento, uma obstinação”. Mello e Souza: “Sou contra. No meu entender o delito alegado não justifica o pedido, e sobre ele não há consenso” (Ela lembra ainda o machismo encravado no processo: “E, como mulher, não posso deixar de registrar uma convicção: essa crise seria diferente se a Presidência, no momento, fosse ocupada por um homem”). Limongi (e Wisnik) descaracteriza a tentativa de aplicar o dispositivo não previsto – em nenhum lugar do mundo – de recall governamental: “O processo de impedimento da atual presidente se transformou em peça política, em uma espécie de recall. Derrubar ou mudar governos desta forma não está dado em lugar nenhum do mundo”. Sérgio Pinheiro, por fim, lembra bem a inversão de ordem das coisas: “O que vemos hoje é uma busca sôfrega de um fato ou de uma interpretação jurídica para justificar o impeachment. Neste, os fatos devem guiar investigação e o processo; no caso atual o processo é que guia (e procura) os fatos”.
Zé Celso, Roberto Schwarz e Jessé Souza foram os que aproveitaram para questionar o comportamento golpista das corporações de mídias. Zé Celso faz paródia ao escrever sobre a “crise Fake” da mídia: “Em 1964 o golpe nos pegou desprevenidos. Hoje não; sabemos de tudo, principalmente se não formos capturados pela novela que a ‘midiona’ não para de tentar empurrar, pra nos capturar para seu velho sistema enferrujado desejoso de repetir a história pra cair na Farsa da doida que quer acabar com as Cobras: a Histérica Mor: Janaina Paschoal”. Schwarz salienta o confronto “grande mídia versus internet”: “A Folha e O Estado de S. Paulo acabam de publicar um manifesto assinado por talvez 500 associações empresariais, exigindo o impeachment já e afirmando que ‘chega de pagar o pato’ […]. De outro lado, está na internet um manifesto das ‘Periferias Contra o Golpe’, assinado por cerca de 400 associações culturais”. Jessé Souza, por fim, nos lembra que o golpe em curso tem um “braço midiático”, “[…] de combate seletivo à corrupção, que é a senha da manipulação de um público desinformado, e atende a necessidades econômicas do andar de cima. Mesmo um reformismo fraco é muito para o Brasil”.
Salientamos também aqueles que criticam o PT, a Dilma, mas nem por isso vê o golpe como bem-vindo, absolutamente: Ricardo Antunes, Nuno Ramos e Antônio Risério. O primeiro nos diz sobre o caráter horripilante, para os trabalhadores, do governo Dilma, deixando-nos uma hipótese interpretativa do atual momento: “as engrenagens da dominação brasileira, ao longo de nossa República, têm dois mecanismos essenciais para preservar-se no poder. A conciliação e o golpe. Os governos Dilma e Lula primaram pela conciliação. Agora é a vez do golpe”. Nuno Ramos, indica a miséria que se transformou o PT: “de partido que revolucionaria a inércia político-institucional brasileira para transformar-se nessa inércia”. E Antônio Risério, em declaração mais sarcástica, escreve: “[…] sou contra o impeachment porque penso que este não é o melhor caminho para o país […]. Contudo, “infelizmente, não temos, na legislação brasileira, um mecanismo para ejetar imediatamente do cargo o candidato que cometesse crime contra a democracia, vencendo as eleições com um programa – e, depois de tomar posse, fazendo o contrário do que tinha assegurado aos eleitores”.
Haveria ainda um último pequeno grupo, o dos defensores “incondicionais” do PT: Paul Singer e Antonio Cândido. “Sou contra o impeachment por violentar os princípios básicos de nossa democracia. Não creio que Dilma Rousseff precise recuperar a governabilidade porque não a perdeu” (Singer); “Sou totalmente contra o impedimento da íntegra e destemida presidente da República. Os motivos alegados não me convencem e o impedimento provavelmente só agravaria a dificílima situação política e econômica do país” (Cândido).
Num sábado (09/04/2016), Demétrio Magnoli escreveu, em sua coluna na Folha, o artigo intitulado E agora, Folha? Neste, cobrou o juízo desencorajado contido no editorial Nem Dilma nem Temer. “Todo o poder ao povo!, escreve ele, […] se o jornal quer mesmo que o povo decida, tem o dever de apoiar o impeachment – para, em seguida, solicitar a renúncia de Temer. A única alternativa é o túnel da anomia: Dilma até 2017, sucedida por um presidente escolhido pelo Congresso. E agora, Folha?”.
Para nós, a questão mais difícil e inquietante é esta: que povo é este que se formou a favor do golpe? Quem poderia responder àquilo que agora faz gritar o conservador Demétrio Magnoli? … Quiçá esta seja uma das questões fundamentais para os teóricos políticos contemporâneos debaterem.
Ao visitarmos o “banco de dados” da Folha, uma coisa é certa: compreendendo que livros são escritos por intelectuais, o processo de impeachment de Dilma em 2016 será lembrado, no melhor dos casos, como tentativa de golpe, ou como um golpe de Estado, liderado pelas oligarquias política, empresarial e a grande imprensa. Sim, o nome certo na história é este: “golpe”. Reiteremos, então: não parece ser caso de Fla-Flu. Porém, no agora, é a maquinação da grande mídia que predomina: e com ela, “o povo quer o impeachment”; e “já não há mais saída”; e “é urgente”, e também “é um dever moral”… No Brasil, jornais não “conversam”, ou nunca se entendem, com os intelectuais. Enquanto a história não vem, parece ser assim os jornais que “conversam”, no agora, com o povo.
Poderíamos imaginar o que a Folha teria feito com seu “banco de dados” caso o “placar” fosse o inverso, ou se pelo menos tivesse ocorrido um Fla-Flu. De nossa parte, imaginamos a sua imediata pretensão de advogar aquela disposição liberal de Stuart Mill, um dos patronos do liberalismo, na qual os votos das elites culturais, “os intelectuais”, deveriam valer mais na “verdadeira democracia” (algo que desde Gramsci, pelo menos, foi muito bem contestado). Ou seja, o voto dos intelectuais valendo “mais do que 1”, pois este estariam “mais além” da divisão maior entre os capitalistas e proletários, como era explícito no século XIX… Na atual conjuntura, no entanto, o jornal não pode evocar a alma liberal à la Stuart Mill. Na verdade, tal jornal parece desejar escrever, num próximo domingo, um outro editorial, intitulado: Os intelectuais estão tortos…
Notas
[1] Fazemos referência ao nome do novo programa de debates da TV Folha, estreado na última sexta-feira (08-04-2016), que expõe diametralmente duas personalidades com ideias opostas.
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A velha mídia, o golpe e o Fla-Flu que não houve - Instituto Humanitas Unisinos - IHU