11 Agosto 2018
"Há também os aspectos mais desafiadores da espiritualidade inaciana e do Exame que convidam alguém a explorar dimensões da história e da vida pessoal difíceis de confrontar. Esses aspectos nos convidam a deixar que Cristo toque nossas feridas e nos traga a cura", diz William M. Watson, S.J., em entrevista concedida a Sean Salai, S.J., publicada por America, 06-08-2018. A tradução é de Victor D. Thiesen.
William M. Watson, S.J., é presidente do Sacred Story Institute em Seattle, uma ação colaborativa que promove pesquisas e iniciativas de um programa na espiritualidade inaciana. Seus livros, que variam de recursos catequéticos a guias de oração, incluem “Sacred Story: An Ignatian Examen for the Third Millennium” (História Sagrada: Um Exame Inaciano para o Terceiro Milênio) e "Inviting God Into Your Life: A Practical Guide to Prayer" (Convidando Deus para a Sua Vida: Um Guia Prático para a Oração).
Recentemente, entrevistei o Padre Watson por e-mail sobre o cruzamento da narrativa pessoal com a espiritualidade inaciana.
Que papel a narrativa de histórias desempenha na vida espiritual?
Esta questão merece um livro completo para fazer justiça, mas primeiro vou me concentrar na importância e no poder de uma história no Antigo e no Novo Testamento.
Em 2 Samuel, o profeta Natã conta uma história ao rei Davi sobre o homem rico que rouba, mata e prepara para seu convidado como jantar a cordeirinha de um homem pobre, “que a considerava uma filha”. Davi estava enfurecido com a injustiça feita ao pobre homem e diz que a morte é uma sentença merecedora do crime cometido.
A história confronta Davi com seu próprio pecado, fazendo-o ver e sentir a gravidade de suas ações com Bate-Seba contra Urias. E em Lucas 10, um advogado cheio de si procura pelo significado da palavra “vizinho”, usada por Jesus no Grande Mandamento (para responder à pergunta do advogado sobre o que é essencial e merecer a vida eterna).
A história de Jesus do Bom Samaritano não apenas ajuda o advogado a responder a sua própria pergunta, mas o força a admitir que o dever de caridade se estende a todos, não apenas àqueles em nossos grupos de afinidade. O poder de uma história é único na medida em como ela pode destravar a mente e o coração para reconhecer a verdade.
Que percepções psicológicas você vê na espiritualidade de Santo Inácio de Loyola?
Eu gosto de afirmar que Santo Inácio é o primeiro praticante da Terapia Comportamental Cognitiva. Por que eu digo isso? Em C.B.T (sigla da Terapia em inglês), processos de pensamento prejudiciais são direcionados e desafiados com uma nova narrativa para ajudar a aliviar padrões emocionais e comportamentais que alimentam a depressão e outras formas de doença mental. Agora, vale lembrar que na Autobiografia a primeira crise pós-conversão de Inácio, quando ele está indo para Montserrat, tem elementos espirituais, psicológicos e fisiológicos, e ele resolve isso com um método como C.B.T. Resumidamente, aqui está o pano de fundo da crise e sua resolução.
Santo Inácio, que estava contemplando uma vida de abstinência e ascetismo para superar a intensa matriz espiritual e psicológica de arrogância pecaminosa, paixões e vícios típicos de seus primeiros 30 anos, ficou paralisado de medo. À luz dessa história problemática e de uma fé frágil, mas madura, Inácio é tentado por “um pensamento bastante perturbador, representando a dificuldade da vida que ele estava levando”.
Inácio ouviu a “voz do inimigo” o insultando, causando medo e pavor ao pensamento de sofrer por “setenta anos” sem os prazeres e vícios ilícitos de sua juventude. Ele confrontou essa ameaça: “Sua pobre criatura! Você acha que pode me prometer de morte?” Usando uma abordagem cognitiva, Inácio desafia o “pensamento perturbador” e supera a tentação. Ele proclama a “verdade” em voz alta, dizendo que as tentações são miragens que apenas prometem a vida, mas não podem satisfazer sua autêntica natureza humana. Nisso ele recupera a sanidade, clareza e paz.
Essa percepção espiritual tem muitas implicações psicológicas e fisiológicas. Podemos dizer que os pensamentos, positivos ou negativos, têm implicações espirituais, psicológicas e fisiológicas para a alma e o corpo. A visão privilegiada de Inácio para desafiar essas falsas narrativas internas e “o inimigo da natureza humana”, fez uma contribuição duradoura à espiritualidade cristã e às técnicas de discernimento.
Por que a espiritualidade inaciana ainda é relevante para nós no século 21?
Um caso efetivo pode ser constatado a partir de que a espiritualidade inaciana é mais popular na tradição católica, usada por mais indivíduos na Igreja e em outras profissões cristãs do que qualquer outra espiritualidade isolada. Qual é a razão para essa relevância contínua, mesmo em no século 21? Creio que uma razão é que Deus usou a disfunção de Santo Inácio para descobrir um caminho à santidade que, em sua essência, é simplesmente o do Evangelho para a conversão, condensado em um método eficaz e pragmático. Por isso, mantém sua relevância e popularidade, porque é uma resposta autêntica ao chamado do Evangelho para o arrependimento.
Também autêntica para o Evangelho, a espiritualidade inaciana não se concentra em coagir um indivíduo a se conformar às regras e leis, mas orienta sobre como se aproximar de Deus, que o levará à liberdade. Desta vez, Santo Inácio foi um observador astuto da condição humana. Ele entendeu que a evangelização efetiva repousa sobre o indivíduo, pessoalmente e livremente, e que irá encontrar o Senhor quando estiver necessitado, para experimentar a misericórdia de Deus. As pessoas que encontrei nos meus mais de 40 anos de retiro e direção espiritual, apreciam este método não coercitivo que os leva ao Senhor da Vida.
Que aspectos da espiritualidade inaciana parecem funcionar melhor para as pessoas hoje em dia?
Com essa pergunta, eu faria uma distinção entre o que as pessoas mais gostam, ou o que é mais popular sobre a espiritualidade inaciana, e quais dimensões da espiritualidade inaciana podem funcionar melhor para o crescimento espiritual sustentado. A pessoa encontra muitas dimensões populares da espiritualidade inaciana em sites ou em aplicações do Exame para vários níveis de idade, especialmente no ensino secundário jesuíta.
Outra expressão popular da espiritualidade inaciana está na prática pastoral aplicada ou método que é capturado na frase cura personalis - tão comum no ensino superior Jesuíta. As impressões aqui do que é central para a espiritualidade inaciana ou o que “funciona melhor”, são o foco na gratidão, agradecimento, liberdade do indivíduo e o cuidado com sua singularidade ao “encontrar Deus em tudo”.
Há também os aspectos mais desafiadores da espiritualidade inaciana e do Exame que convidam alguém a explorar dimensões da história e da vida pessoal difíceis de confrontar. Esses aspectos nos convidam a deixar que Cristo toque nossas feridas e nos traga a cura.
O que é distintivo em sua própria abordagem da espiritualidade inaciana?
A abordagem distintiva que eu tomo para a espiritualidade inaciana é a minha convicção de que o poder dos Exercícios não precisa ser administrado por profissionais numa casa de retiro ou em um programa SEEL (sigla em inglês para Exercícios Espirituais na Vida Cotidiana), mas pode ser tanto experienciado quanto conduzido por leigos em qualquer paróquia. Para esse fim, o Sacred Story Institute pesquisa novos métodos para realizar os Exercícios Espirituais e desenvolve um conjunto completo de recursos para paróquias e comunidades religiosas. Com cinco anos de experiência, temos evidências suficientes de que essas novas aplicações dos Exercícios funcionam muito bem, capacitando os leigos a serem evangelizadores em suas comunidades.
Quais são algumas das graças que você experimentou em sua própria prática da espiritualidade inaciana?
Durante um retiro de 30 dias em minha Terceira Provação na Irlanda do Norte, entre 1993 e 1994, tive uma epifania, ou, se você quiser, uma experiência de conversão. Pouco antes dos estudos teológicos, desisti da prática do exame de consciência que ocorria duas vezes ao dia. Eu não achava que precisava disso, e caíra na armadilha de me considerar um especialista e um profissional da espiritualidade inaciana que não precisava mais dessa aplicação que Inácio prescrevia aos jesuítas. Durante o retiro de 30 dias, recebi a graça de encontrar minha pecaminosidade e tive a convicção de que eu realmente precisava dessa disciplina reintroduzida em meu regime espiritual diário. Posso dizer que o Exame praticado dessa forma me salvou inúmeras vezes e me preservou em minha vocação sacerdotal e religiosa.
Quais são alguns dos desafios que você enfrentou?
O principal desafio que enfrento é permanecer fiel a uma prática do Exame duas vezes ao dia. O que me ajuda é o fato de eu ter o mesmo diretor espiritual / confessor por 12 anos, e me confessar mensalmente com ele. O Exame me dá a substância para conversas sobre o que está acontecendo comigo espiritualmente e mantém meu coração focado no que eu preciso confessar. Como tenho 4 horas para cada uma dessas reuniões mensais, não posso me dar ao luxo de não me preparar com o Exame.
Qual é o seu conselho para alguém que queira experimentar a espiritualidade inaciana pela primeira vez?
O melhor conselho que posso dar é que alguém encontre um método autêntico do Exame inaciano e comece a fazê-lo por cinco minutos ao dia.
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Os insights psicológicos de Santo Inácio de Loyola - Instituto Humanitas Unisinos - IHU