01 Agosto 2018
O livro ‘Gigantes da Educação’ percorre o mundo em busca das histórias pessoais de professores e escolas.
A reportagem é de Lola García-Ajofrín, publicada por El País, 23-07-2018.
Uma professora que dava aulas às escondidas para meninas em Cabul, durante o regime do Taliban, o professor de uma hagwon (curso extraescolar) sul-coreana de quem os pais cobram mais deveres. Robótica na Estônia. Os alunos que acabaram com as escolas segregadas nos Estados Unidos. Poesia com o celular no Bronx. Violinos em Caracas. Boxe no Rio do Janeiro. Skates em Adis Abeba. Ferramentas diversas para tirar as crianças da rua. E do sofá. Suas histórias não aparecem em nenhum ranking educacional.
O livro Gigantes de la Educación. Lo Que No Dicen los Rankings (Gigantes da Educação, o que não dizem os rankings, Fundación Telefónica, 2017) nasceu com o objetivo de dar rosto, nome e contexto às cifras sobre educação internacional. Reúne reportagens e entrevistas sobre educação no terreno com professores, pais, alunos, acadêmicos e políticos, em contextos tão diversos como Cuba, Coreia do Sul, Hong Kong, Singapura, Afeganistão, Venezuela, Brasil, EUA, Estônia e Etiópia, junto a entrevistas à distância ou na Espanha com especialistas de outros sistemas e enfoques de ensino, como o de Ontário (Canadá), Reggio Emilia (Itália) e a aclamada Finlândia. O prólogo é do educador britânico Richard Gerver, que, sob o título Afinal, tudo tem a ver com gente, lança uma mensagem aos fanáticos pelas avaliações: “Os porcos não engordam por pesá-los”. Estes são alguns desses rostos, nomes e contextos… que há por trás das cifras.
“Eu sou vulnerável ao canto das sereias”, concluiu a aluna de 14 anos, taxativa, e fez-se um silêncio incômodo. Era sua interpretação após ler A Odisseia, de Homero, durante uma reunião literária promovida numa escola situada em uma das comunidades mais violentas do Rio de Janeiro, a Pavuna.
Eloisa Mesquita, gerente do Ginásio Experimental Carioca, uma rede de inovação pedagógica integrada por 28 escolas do Rio, conta a história para ilustrar o alcance das reuniões literárias dentro das chamadas comunidades de aprendizagem, às que se uniram. Através desses saraus, pretendem fazer toda a comunidade se envolver com a escola. Participam professores, famílias, alunos, moradores e voluntários. Também no Rio, em outra comunidade, Lecimar e Antonio Gibi utilizam o boxe para tirar os adolescentes do sofá.
O Gigantes da Educação visitou o Brasil em 2014, num momento de descontentamento popular em que a ruas se enchiam de manifestantes aos gritos de “O Brasil acordou!”. Luiz Cláudio Costa, presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (INEP), disse em entrevista que “se você olhar os dados da última década, verá que o Brasil não estava dormido”. Menciona os programas como a Bolsa Família e Brasil Sem Miséria, com os quais mais de 36 milhões de pessoas superaram a pobreza extrema nos anos anteriores; os cinco milhões de jovens que se matricularam na escola entre 1991 e 2012, e quase três milhões no ensino superior.
Seguindo a pista das avaliações internacionais, uma das primeiras viagens do Gigantes da Educação foi a três potências educacionais asiáticas: Coreia do Sul, Hong Kong e Singapura. Desde que saiu o primeiro Relatório do Programa Internacional para a Avaliação de Estudantes da OCDE (PISA), que desde 2000 avalia trienalmente alunos de 15 anos em matemática, ciências e leitura), Governos e imprensa olham o ranking como se fosse a classificação de um campeonato de futebol. E, no bolão de apostas, os asiáticos ganham de goleada. Sete dos dez melhores sistemas das últimas avaliações PISA (2012 e 2015) foram asiáticos. Singapura (1º), Japão (2º), Taiwan (4º), Macau (6º), Vietnã (8º), Hong Kong (9º) e as quatro províncias chinesas que participaram – Pequim, Shanghai, Jiangsu, Guangdong (10º) –, junto com Estônia (3º), Finlândia (5º) e Canadá (7º). Além do mais, diz a OCDE, os estudantes mais desfavorecidos de Macau e Vietnã superam os alunos mais favorecidos de 20 países (PISA em 2015).
Resultados à parte, nos sistemas da Ásia Oriental os desafios são comuns: as crianças estudam muitas horas, e o sistema é muito rígido e muito focado numa prova. As virtudes também se assemelham: a importância da educação e o respeito pelos professores. Para o professor Kaim-ming Cheng, da Universidade de Educação de Hong Kong, mesmo deixando de lado os estereótipos que simplificam os resultados asiáticos existe uma base cultural nas que denomina “sociedades dos palitos”, que são as sociedades que compartilham dois ingredientes: comem com palitos e durante séculos enfrentaram o Exame Civil – Coreia, Japão, China continental, Taiwan, Hong Kong, Macau e Vietnã.
O Exame Civil foi uma espécie de concurso para funcionário imperial, à qual qualquer homem, sem distinção de origem, poderia se apresentar. Foi uma prática arraigada nesses países por mais de 1.300 anos. Passar no exame significava tirar toda a família da pobreza, o que fez a meritocracia se impregnar profundamente, mas também assentou a ideia de que exame e educação são a mesma coisa.
Ásia esquecida: as lutadoras de Cabul Se a educação do Afeganistão se reduz a cifras, pode-se concluir que 60% das meninas do Afeganistão estão fora do colégio, segundo dados de 2018 do Unicef. Se os números forem substituídos por pessoas, a educação no Afeganistão é a história da professora Sahila, das deputadas Farida Hamidi e Fawzia Koffi, das universitárias Mursal, Sadaf, Nagina, Lina e Manizha e das pugilistas Sadaf, Shabnam, Farzana e Fátima e demais integrantes da equipe de boxe feminino do Afeganistão.
Quando o Taliban chegou ao poder, em 2001, a filha da professora Sahila teria que ter começado o colégio. O ensino foi proibido para as mulheres a partir dos oito anos, e ela decidiu dar aulas às escondidas para a sua filha e as meninas de outros vizinhos: “Se tivessem me descoberto teriam me matado”. A deputada Farida Hamidi também foi ameaçada quando abriu a primeira escola para meninas de Nimruz, depois do período Taliban. A luta de Sadaf, Shabnam, Farzana e Fátima é literal: aos socos.
O professor venezuelano José Antonio Abreu acreditava na arte como direito universal. Estava convencido de que a beleza transformava a alma de uma criança para torná-la mais feliz, mais completa e, portanto, uma melhor cidadã. Defendia que era possível vencer a pobreza material com riqueza espiritual e que por isso, quando entregava um instrumento a uma criança de um entorno marginal, estava lhe dando uma arma para sair da pobreza. Com esse propósito, em 1975 Abreu criou o Sistema Nacional de Orquestras e Coros Juvenis e Infantis da Venezuela, uma rede de orquestras infanto-juvenis espalhada por todo o país. Em Los Chorros, um dos núcleos do Sistema em Caracas, há crianças e adolescentes trabalhando com afinco em seus violinos e contrabaixos, e de repente, quando interpretam a Sinfonia Número 8 de Beethoven, são algo grande, são artistas. “O Sistema se ocupa de tirar as crianças da rua quando não estão na escola e lhes ensina habilidades, como a disciplina, a tolerância e a compreensão, que muitos infelizmente não aprendem em casa”, explica o diretor do Núcleo de Los Chorros, Lennar Acosta. Sabe disso porque foi um desses meninos. Fala sem rodeios: “Se não tivesse me dedicado à música, estaria morto”.
Em um povoado da Virgínia tão remoto como sugere seu nome, Farmville (“vila fazenda”), algumas crianças mudaram a história de seu país, os Estados Unidos, embora não apareçam nos livros didáticos. Em 2014, celebrou-se o 60º aniversário do fim da doutrina “separados, mas iguais”, uma política aprovada em 1896 pela Suprema Corte dos EUA que sustentava que se as instalações separadas para brancos e negros fossem iguais a segregação não violava a Lei. O Gigantes da Educação visitou os ex-alunos do colégio para crianças negras em que se forjou uma greve estudantil que pôs fim a essa lei. Dessa escola provinham 70% dos autores da ação judicial chamada “Brown versus Topeka”, que acabou com as salas de aula segregadas.
A entrevista ocorre na escola onde tudo aconteceu, hoje transformada num modesto museu. Os ex-estudantes são setuagenários. Dizem que nunca pensaram em fazer história; eram crianças, só queriam uma escola melhor. “Eu tinha 10 anos, então realmente não pensava nas consequências. Acho que a única coisa que me dava medo era que meus avós me dessem uma bronca por faltar à aula”, recorda Joy Speakes, uma das alunas que participaram dos protestos. Conta que seu colégio havia sido pensado para 180 crianças, mas tinha 450, “então o condado construiu três galinheiros para nos colocar. Quando chovia, a água penetrava pelo teto e tínhamos que segurar o guarda-chuva durante toda a aula para não nos molharmos, nada a ver com o colégio para crianças brancas, a poucas quadras, com cantina e ginásio”.
Aqueles meninos e meninas, com o apoio de seus pais e depois da organização de Direitos Civis NAACP, foram a julgamento e ganharam. Em 17 de maio de 1954, a Suprema Corte declarou que as instalações educativas separadas eram “inerentemente desiguais”. Mas na Virgínia a batalha durou mais. Como o Governo estadual não estava disposto a permitir que crianças brancas e negras estudassem juntas, fechou as escolas durante cinco anos quando a sentença foi publicada. Muitos afro-americanos dessa idade não puderam voltar a estudar. Mickie Garrington, de 65 anos, foi uma das alunas afetadas pelo fechamento: “Quando meus pais me contaram, me senti muito mal (…). A decisão não fazia sentido para uma menina de 10 anos” ‘Você não pode ir ao colégio porque a gente branca acredita que não merece ir à aula com eles’, isso para uma menina não faz sentido”
Sentada no chão da sala de aula, cercada por pequenos robôs, a professora Birgy Lorenz conta que há três anos nos colégios da Estônia os temas são trabalhados de maneira transversal, porque a vida “não se baseia em disciplinas”. Na Estônia, um país onde se vota nas eleições pelo smarthphone, onde bastam alguns minutos e cliques para abrir uma empresa, e até órgãos são doados vias Internet, a tecnologia deu um salto nos últimos anos também no âmbito educacional. Duas iniciativas se destacam nesta área, uma chamada E-School, uma plataforma lançada em 2002 para colocar em contato pais, professores e alunos, e outra que é o ensino de programação, que a Estônia oferece em seus colégios desde 2012, a partir dos sete anos de idade.
Lorenz ganhou o Prêmio Microsoft em 2009, foi eleita a professora mais inovadora da Europa em 2010 e professora do ano da Estônia, em 2011. Diz que ensinar robótica a crianças também muda a forma de dar aula: “Antes acreditava-se que uma boa educação era com todos sentados em silêncio, e quando você ensina robótica pela primeira vez as crianças fazem muito barulho, mas é que a aprendizagem faz barulho e é um barulho bom!”.
O primeiro dia em que Izzy deslizou de skate pela íngreme ladeira do bairro de Shiromeda, em Adis Abeba (Etiópia), uma multidão de crianças o acompanhou boquiaberta, entre risinhos. Aquele artefato trotava divertido pelos morros de Ontoto, entre motocicletas, burros e alunos de uniforme que saíam das escolas.
“Onde cresci não há nada que inspire a juventude, uso o skate como ferramenta para empoderá-los”, diz o artista, que criou com esse objetivo o projeto Megabiskate, Love in Action, para ajudar os meninos do bairro, a maioria envolvidos na venda ambulante. “Acredite em alguém, e essa pessoa será capaz de fazer algo”.
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Robótica, skate e ativismo: o que os rankings educacionais não dizem - Instituto Humanitas Unisinos - IHU