25 Julho 2018
“O objetivo de qualquer economista ou político deveria ser basicamente tornar compatível os direitos das pessoas com a realidade finita dos ecossistemas (e de nossa interdependência com eles). No novo vocabulário econômico, político e cidadão, deveríamos falar cada vez mais de qualidade em vez de quantidade, aumento de sustentabilidade em vez de aumento de produtividade, políticas de autolimitação em vez de políticas expansivas e de novos indicadores de riqueza socioambientais para além do já incompleto PIB”, escreve o eurodeputado e ativista ambiental francês Florent Marcellesi, em artigo publicado por Ctxt, 18-07-2018. A tradução é do Cepat.
O crescimento já não é um valor de futuro. Como até o próprio FMI reconhece, a estagnação da economia tende a ser a nova normalidade. Por mais que alguns digam que vão arrancar alguns décimos do PIB com os dentes e que outros inventem todos os tipos de adjetivos para salvar o crescimento – seja de modo inteligente, inclusivo, verde, etc. -, ninguém pode garantir uma volta ao crescimento, e ainda menos suas bondades, em médio e longo prazo.
Neste cenário, propor uma prosperidade sem crescimento já não é uma abordagem teórica e ideológica. Ao contrário, é um exercício de realismo frente a uma dinâmica objetiva e empírica: os países ocidentais, incluindo a União Europeia e a Espanha, saíram do breve período de sua história – que chegou a seu paroxismo após a Segunda Guerra Mundial – em que seu modelo econômico, a paz social e o progresso se baseavam em um aumento contínuo das quantidades produzidas e consumidas. É que também, seja onde for que se olhe, é impossível, ao mesmo tempo, seguir crescendo e lutar contra a mudança climática ou a depredação dos recursos naturais.
Enquanto a maioria dos economistas e políticos das correntes dominantes vive de forma traumática e na defensiva a este novo estado de coisas, seria mais conveniente adotar uma atitude mais proativa. Se a economia do século XXI terá um crescimento baixo, nulo ou negativo e, além disso, não nos permite enfrentar a crise ecológica, enfoquemos coletivamente na resolução de problemas que esta estagnação e esta mudança de paradigma geram. Se já não é possível basear uma economia e uma sociedade no crescimento perpétuo, busquemos alternativas viáveis e ao mesmo tempo atrativas.
Para isso, mudemos primeiro o imaginário coletivo, ou sentido comum majoritário, hoje dominado pelo fetichismo do crescimento (do PIB). A ideia teria que ser tão básica como afirmar que, independente se houver crescimento ou não do PIB, isto é totalmente secundário: o prioritário é cobrir as necessidades reais da população, respeitando os limites biofísicos do planeta. O objetivo de qualquer economista ou político deveria ser basicamente tornar compatível os direitos das pessoas com a realidade finita dos ecossistemas (e de nossa interdependência com eles). No novo vocabulário econômico, político e cidadão, deveríamos falar cada vez mais de qualidade em vez de quantidade, aumento de sustentabilidade em vez de aumento de produtividade, políticas de autolimitação em vez de políticas expansivas e de novos indicadores de riqueza socioambientais para além do já incompleto PIB.
Este novo caminho implica reestruturar, reciclar e otimizar o existente, repartir as riquezas econômicas, ecológicas e sociais, reduzir o supérfluo, inútil e insustentável, cuidar das pessoas, do entorno e das coisas, inovar no sustentável, circular e compartilhado, assim como desmercantilizar nossas mentes, corpos e sociedades. Implica também colocar a questão dos limites, por baixo e por cima – com a renda básica e máxima por exemplo –, no centro de atenção: tanto em nível legislativo e socioeconômico, como em nível cultural. Dito de outra maneira, trata-se de iniciar uma Grande Transição socioecológica.
Mas, podem estas ideias ser as prioridades e chaves de um partido político e de um governo? É o que penso firmemente pelas seguintes razões. Primeiro, fazer isso e transmitir um relato conectado com a realidade incontestável do “não há planeta B” é o mais responsável frente a garantir no curto, médio e longo prazo os direitos das pessoas, a justiça social e ambiental, bem como um futuro sadio e salvo para nossos filhos e netos. Como já disse a confederação sindical europeia: não há emprego em um planeta morto.
Segundo, planejar e governar com respostas relacionadas a esta “nova normalidade” é social e economicamente mais eficiente para sair da crise e o melhor antídoto para evitar a frustração social. Por um lado, o futuro do emprego está nos setores verdes que somam milhões de empregos a mais que os setores marrons e insustentáveis. E por outro lado, as respostas demagogas, excludentes e xenófobas se aproveitam das promessas de crescimento impossíveis de se cumprir. Ao nos despojar de velhas miragens de crescimento, também damos menos espaço à extrema-direita e ao desdobramento identitário.
Terceiro, estas ideias são muito mais aceitas na sociedade do que pensamos: mais de 20% dos espanhóis já pensam que o crescimento econômico não deveria ser um objetivo em si mesmo e quase 15% propõem abandonar a perseguição ao crescimento econômico. Além disso, segundo este estudo recente, no caso da crise ecológica, 85% das pessoas de seis países industrializados aceitariam o uso de objetos mais duradouros, 76% concordariam em consumir menos, 75% estariam dispostas a reduzir seus deslocamentos, privilegiar a proximidade e comprar produtos de origem local. A sociedade já caminha um passo à frente do mainstream político e econômico.
Quarto, os conflitos socioecológicos, como são as migrações climáticas, estruturarão o século XXI. Portanto, serão o novo cimento teórico e prático que moverão e unirão os movimentos sociais, políticos e culturais. Os primeiros a pensar, prever e se adaptar a esta nova normalidade serão os que liderarão o mundo de amanhã.
Por todas estas razões, vários eurodeputados de diferentes grupos políticos e países levamos o debate do pós-crescimento ao Parlamento Europeu. De 17 a 20 de setembro deste ano, especialistas do movimento decrescentista e sindical, do mundo econômico ou das instituições europeias vão se reunir para confrontar ideias sem atalhos, nem respostas pré-estabelecidas e imaginar o mundo fora do beco sem saída existente.
O velho mundo baseado no crescimento morre. No novo mundo, há vida após o crescimento.
Vamos nos preparar para isso!
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Há vida após o crescimento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU