06 Junho 2018
"A produção de motos, carros, caminhões e ônibus elétricos não será uma solução para o curto prazo, mas o Brasil precisaria estar preparado para o novo cenário de 2030, quando a transição para a energia renovável e a transição para os veículos elétricos já estiver muito avançada em boa parte do mundo. É claro também que a energia renovável e os veículos elétricos não são uma panaceia para todos os problemas do mundo. Existem muitas incertezas e grandes ameaças ambientais nos cenários para as próximas décadas", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 04-06-2018.
A greve dos caminhoneiros parou o Brasil na segunda quinzena de maio de 2018 e mostrou o poder de uma categoria que tem a capacidade de desabastecer o país, sumir com os alimentos e provocar bilhões de reais de prejuízo em toda a cadeia produtiva. O estopim da greve foram os aumentos diários do preço do diesel e dos demais derivados do petróleo, mostrando que o Brasil, além de depender da via única dos caminhões e das rodovias, é altamente viciado nos combustíveis fósseis.
A Petrobras, que poderia ser uma empresa eficiente na satisfação dos consumidores e na busca de preços baixos para os combustíveis, tem sido utilizada como joguete dos interesses das forças políticas que ocupam o Palácio do Planalto. No passado recente, os preços dos combustíveis foram utilizados como mecanismo de freio da inflação, o que contribuiu para o endividamento da empresa. No presente, a política de preços visava repassar todos os custos da energia para os consumidores, inclusive o custo de diminuir a dívida financeira da Petrobras (a petroleira mais endividada do mundo).
Sem dúvida, a economia brasileira estagnada e fragilizada demanda preços módicos para a gasolina, o gás e o diesel. Mas o aumento do preço internacional do petróleo e a desvalorização cambial torna distante o sonho da energia barata. O acordo feito para frear a greve dos caminhoneiros favoreceu alguns poucos setores e corporações em detrimento da maioria da população que vai pagar a conta, via corte de gastos públicos nas áreas sociais ou via aumento de impostos. A crise fiscal vai se agravar e a capacidade de investimento do governo vai diminuir. Desta forma, a economia continuará sua trajetória de baixo crescimento, com baixa geração de emprego e renda. Embora o “precariado” do setor de transporte tenha razão e motivos para protestar, o subsídio ao diesel foi uma rendição do atual governo que ficou refém dos caminhoneiros e das empresas de transporte. O acordo feito não é a melhor solução para o futuro do país, nem em termos econômicos e muito menos em termo ambiental.
Em vez de soluções parciais e pontuais, o que o Brasil precisa é de um projeto de nação reconfigurando todo o processo de desenvolvimento adotado até aqui. De imediato, precisa estabelecer ousados objetivos estratégicos na área de energia e de transporte. O país necessita soberania energética, democratização da produção e acesso à energia moderna para romper com a dependência do petróleo e não ficar sujeito à volatilidade dos preços internacionais dos combustíveis fósseis, que além de caros, são poluidores e responsáveis pela aceleração do aquecimento global. Na área de transporte, o país precisa investir em ferrovias e hidrovias, diminuir a prevalência das rodovias, mas também revolucionar os veículos rodoviários.
Existe uma solução que já está sendo adotada em outras partes do mundo. Trata-se da transição da energia fóssil e da indústria dos veículos movidos por motores de combustão interna para a produção de energia renovável e a produção de veículos elétricos. As condições técnicas existem. Países que possuem capacidade de investimento já estão adiantados no caminho da “revolução elétrica”. Mas o Brasil que possui baixas taxas de poupança e de formação de capital fixo está muito atrasado neste processo. E o pior, um governo fraco e com baixa legitimidade faz políticas emergenciais para atender interesses corporativos ocasionais, em detrimento do interesse geral e da execução de um projeto de conversão produtiva, holística e de longo prazo.
As forças populistas e os representantes do nacionalismo retrógrado querem fazer da Petrobras uma gigante monopolista do petróleo (especialmente do pré-sal) capaz de centralizar todas as fontes de recursos energéticos para financiar e subsidiar um idealizado desenvolvimento industrial, educacional e cultural do país. Acontece que o desenvolvimento do século XXI não é mais aquele baseado na produção fordista e fóssil. A 4ª Revolução Industrial tem como base a produção flexível e descentralizada das empresas de tecnologia, a sociedade digital e do conhecimento, os motores elétricos e as energias renováveis.
Apostar todas as fichas nos hidrocarbonetos é repetir o fracasso da Venezuela que ficou presa à “maldição do petróleo” e não conseguiu diversificar sua economia. O Brasil já errou demais promovendo uma “especialização regressiva” e se rendendo a uma desindustrialização precoce, apoiada no crescimento econômico fundado na produção de commodities minerais, fósseis e do agronegócio.
A revolução energética em curso no mundo, em sintonia com a 4ª Revolução Industrial, tem como insumo básico o sol, o vento e a água, todos recursos renováveis e de baixa emissão de carbono. O Brasil, no conjunto do seu território, é o país mais rico nestas três fontes da matriz energética do futuro. Mas em vez de olhar para a frente e para cima, a vanguarda do atraso do patriotismo tacanho fica repetindo o chavão do “petróleo é nosso” e olhando para as profundezas abissais do pré-sal, encantada com o canto da sereia do “ouro negro”.
O Brasil não precisa reinventar a roda. Basta seguir as experiências e as tendências globais bem-sucedidas. Existe uma realidade que é totalmente transparente: o mundo caminha para a transição energética (das energias fósseis para a energia renovável) e para a transição dos veículos impulsionados pelo motor a combustão interna para os veículos elétricos. A seguir alguns exemplos da nova configuração global energética e de transporte.
As energias renováveis já estão crescendo em ritmo mais veloz do que as fontes fósseis e os investimentos em usinas eólicas e solares já superam a quantidade investida anualmente em petróleo, gás e carvão. Crescem os apoiadores das energias que até pouco tempo eram chamadas de alternativas, mas que agora são de baixo custo e são a opção preferencial do setor energético global. O gráfico abaixo mostra que a capacidade instalada de energia solar global, em 2017, foi maior do que a do conjunto dos combustíveis fósseis (carvão, gás e petróleo). As estimativas para os próximos anos mostram o predomínio das energias renováveis.
O número de carros elétricos (híbridos e plug-in) em circulação nas ruas do mundo ultrapassou 3 milhões de unidades em 2017, um aumento de 54% em comparação com 2016, de acordo com a última edição do Panorama Global dos Carros Elétricos (Global EV Outlook 2018) da Agência Internacional de Energia (IEA).
Nas projeções da IEA, considerando o cenário que leva em conta as políticas atuais e planejadas, o número de carros elétricos está projetado para atingir 125 milhões de unidades até 2030, conforme mostra o gráfico abaixo (New Policies Scenario). Mas para atingir as metas climáticas do Acordo de Paris e outras metas de sustentabilidade, como no cenário EV30@30, o número de carros elétricos em circulação pode chegar a 220 milhões em 2030.
O mais recente relatório de Monitoramento sobre o Progresso da Energia Limpa, da AIE, mostra que os veículos elétricos são uma das 4 tecnologias, de um total de 38, que estão no caminho correto para atingir as metas de sustentabilidade de longo prazo.
O sucesso dos ônibus elétricos está apenas começando mas já tem futuro garantido, segundo Marcacci (31/05/2018). A megalópole de Shenzen, no sudeste da China, converteu toda a sua frota ônibus de diesel para o motor elétrico entre 2012 e 2017, construindo a primeira frota de ônibus 100% elétrica do mundo. Em 2012 havia 277 ônibus elétricos, passando para 1.277 em 2014 e alcançando 16.359 em 2017 (uma frota totalmente elétrica). Os quatro fatores que impulsionaram esta transformação foram;
A China tem cerca de 99% de todos os ônibus elétricos no mundo e produziu 90.000 ônibus elétricos em 2017. Os Estados Unidos possuem apenas 1% do mercado global de ônibus elétrico, mas estão começando a deslanchar a produção e devem avançar na transição da frota em função das políticas locais para atender a pressão das comunidades para reduzir a poluição. O resto do mundo deve seguir a nova tendência.
Várias montadoras do mundo, entre as quais Mercedes-Benz, Tesla, Volvo e as chinesas já possuem seus modelos comerciais de caminhões elétricos, sendo que a produção global foi de 31 mil unidades em 2016 e estima-se mais de 100 mil unidades em 2018 e 332 mil em meados da próxima década. Ano passado, Elon Musk confirmou que a Tesla pretende, na próxima década, fabricar até 100.000 caminhões elétricos por ano.
A líder na produção mundial de veículos elétricos é a empresa chinesa BYD, que também planeja a liderança na produção de caminhões elétricos. Segundo Kyle Field (01/06/2018) muitos dos caminhões da BYD concluíram o teste da Fase Um e a empresa já tem veículos prontos para produção da Fase Dois já sendo oferecidos por vendedores em todo o mundo. Recentemente vendeu 200 caminhões elétricos de lixo no Brasil e 500 na China. Os chassis para todos os caminhões vendidos nos mercados da América do Norte são fabricados na China e enviados para a fábrica da BYD em Lancaster, Califórnia, para montagem final. Em paralelo, as células de bateria da BYD são enviadas para a Lancaster, onde são montadas em módulos de bateria prontos para o veículo. Ainda segundo Field, a BYD está liderando claramente a revolução da energia limpa em todo o mundo, ocupando o primeiro lugar em vendas globais de veículos plug-in e há muitas evidências de que continuará a ocupar novos segmentos de mercado com seus caminhões elétricos.
No Brasil, a MAN – fabricante de caminhões e ônibus da Volkswagen –, mostrou no ano passado um caminhão leve elétrico, o e-Delivery, desenvolvido na fábrica de Resende (RJ). A previsão do grupo é iniciar operação em frotas piloto ainda neste ano. A maioria das empresas depende do programa Rota 2030, para decidir políticas locais para os caminhões elétricos e híbridos.
A produção de bicicletas elétricas, também chamadas de e-bikes, tem se expandido em todo o mundo e promete dominar o segmento de duas rodas, devido à busca por maior mobilidade em grandes cidades, a procura por um transporte próprio mais acessível e o lazer. O gráfico abaixo mostra que a produção de e-bikes está na casa das dezenas de milhões.
A produção de motocicletas e lambretas elétricas também avança com rapidez. Segundo Ayre, em artigo da Cleantechnica, as vendas acumuladas em todo o mundo de motocicletas e lambretas elétricas durante os anos de 2014 e 2023 devem superar 55 milhões de unidades, configurando um mercado global de bilhões de dólares.
Segundo Salvatore Babones (06/03/2018), em artigo da Forbes, as montadoras chinesas produziram 680 mil carros, ônibus e caminhões totalmente elétricos em 2017, mais do que o restante da produção global (sem contar a produção de motos e bicicletas). E a produção da China está crescendo mais rapidamente que o resto do mundo também. A China pretende ser a líder da produção de energia renovável e da indústria automobilística elétrica, por interesses econômicos de liderar uma indústria chave para o século XXI, mas também porque as grandes cidades da China são notoriamente poluídas. A poluição do ar é responsável por até um milhão de mortes por ano, segundo estimativas da Organização Mundial da Saúde. O gráfico abaixo mostra como a China está deixando os EUA (e o resto do mundo) para trás.
O Brasil está muito atrasado na produção de energia solar e de veículos elétricos. Se o país investisse na produção de energia solar descentralizada poderia fortalecer a figura do PROSSUMIDOR (produtor + consumidor), garantido soberania e independência energética para as pessoas, as localidades e as regiões. A energia solar e eólica poderá viabilizar o desenvolvimento local e a autonomia dos domicílios para que cada família possa gerar sua própria energia para movimentar os aparelhos da casa e os veículos elétricos que garantam a produção local e a mobilidade espacial. Os defensores do Ecossocialismo falam em criar um “comunismo solar”. Sem dúvida, as energias renováveis poderão contribuir para matriz energética democrática, com empoderamento popular.
Evidentemente, a produção de motos, carros, caminhões e ônibus elétricos não será uma solução para o curto prazo, mas o Brasil precisaria estar preparado para o novo cenário de 2030, quando a transição para a energia renovável e a transição para os veículos elétricos já estiver muito avançada em boa parte do mundo. É claro também que a energia renovável e os veículos elétricos não são uma panaceia para todos os problemas do mundo. Existem muitas incertezas e grandes ameaças ambientais nos cenários para as próximas décadas.
Mas, uma coisa é certa, o futuro não será planejado e construído com base em subsídios para a queima de combustíveis fósseis. Certíssimo é que o futuro será renovável e distante da energia fóssil.
Global Annual Sales of Electric Trucks are Expected to Reach 332,000 by 2026
10 Massive Trucks Powered by Electricity
Power to the truck – the history of electrically driven commercial vehicles
Salvatore Babones. China Could Be The World’s First All Electric Vehicle Ecosystem, 06/03/2018
Kyle Field. BYD Opens Up About Its Electric Truck Plans, CleanTechnica, June 1st, 2018
James Ayre. 55 Million Electric Motorcycles & Scooters By 2023, August 31st, 2014
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Mais carros, caminhões e ônibus elétricos e menos subsídio ao diesel - Instituto Humanitas Unisinos - IHU