25 Mai 2018
Passados 12 meses, a PF (Polícia Federal), que trabalha na segunda fase da investigação, ainda tenta encontrar os mandantes do crime.
A reportagem Carlos Madeiro, publicada por UOL e reproduzida por Amazônia.org, 24.05.2018.
Há exato um ano, policiais civis e militares invadiam a fazenda Santa Lúcia, em Pau D’Arco (PA), para cumprir mandados de prisão contra posseiros da área. A operação terminou com um dos maiores massacres no campo já vistos no país: 10 trabalhadores sem-terra mortos e 17 policiais –13 militares e quatro civis– denunciados pelos assassinatos.
O primeiro inquérito foi concluído três meses após as mortes e apontou para execução sumária das vítimas, contrariando a versão inicial dos policiais, de que teriam reagido a tiros. Laudos e testemunhas negaram a versão e revelaram, entre outras coisas, mortes à queima-roupa.
Nesta quarta-feira (24), atos devem marcar a data. A CPT (Comissão Pastoral da Terra) e a Anistia Internacional farão um tuitaço para chamar a atenção para o caso e exigir justiça. O maior temor deles agora são as ameaças a advogados que auxiliam na acusação do caso.
Dos 17 policiais que teriam participado da ação e foram denunciados em setembro do ano passado, 15 estão detidos e dois sob proteção — já que eles foram peças-chave na investigação. A dupla de policiais civis aceitou fazer delação e confessou os crimes, apontando também a participação dos demais envolvidos e detalhes da ação.
(Arte: UOL)
Procurada, a Secretaria de Estado de Segurança Pública e Defesa Social informou que 11 policiais militares foram indiciados pela Corregedoria da Polícia Militar –todos detidos. “Os demais policiais militares não foram indiciados pois estavam na condição de motoristas ou estavam em grupamentos que ficaram distante do local do evento e não participaram da ação”, afirmou o órgão.
Segundo o promotor Leonardo Caldas, responsável pela denúncia dos 17 policiais feita à Justiça Estadual, o processo já está nas alegações finais. A fase de instrução foi concluída, e o juiz vai decidir em seguida se pronuncia (que significa mandar a juri popular) ou não os réus.
Nessa primeira investigação, o Ministério Público do Pará denunciou os réus com base em investigação da PF. Laudos e depoimentos indicam que os policiais chegaram para matar os posseiros e em nenhum instante informaram haver mandados de prisão. Perícias nos corpos apontaram tiros nas costas e à queima-roupa.
A versão dos policiais, entretanto, diz que os posseiros teriam atirado contra os policiais, que teriam reagido para proteção. Armas do grupo foram apreendidas, mas a perícia apontou que elas não foram usadas no dia do massacre. Nenhum carro policial tinha marca de tiro.
Poucos dias após o massacre, os posseiros voltaram à fazenda e remontaram acampamento. O local é alvo de disputa para reforma agrária.
Enterro dos trabalhadores rurais mortos na chacina de Pau D’Arco. (Foto: Antonio Carlos/Repórter Brasil)
O segundo inquérito em andamento é considerado o mais delicado e apura se há mandantes das mortes, como se suspeita. “Surgiram indícios da participação de mais pessoas naquele fato, numa outra perspectiva, mas que precisavam ser melhor explorados e investigados. É o que está sendo feito hoje”, explica o promotor Leonardo Caldas.
O UOL apurou que relatos colhidos na investigação apontam para a possibilidade de seguranças da fazenda terem participado da ação junto com a PM. Um dos indícios disso é que nem todos os tiros nas vítimas foram disparados pelas armas recolhidas com os policiais denunciados.
O promotor diz que não há prazo para o fim da segunda investigação. “Existe um prazo para o inquérito, mas por conta da complexidade do caso, esse prazo é prorrogado”, afirma.
A PF não comenta investigações em curso. A última informação foi sobre a operação realizada no dia 3 de maio, quando 12 mandados de busca e apreensão foram cumpridos –10 no Pará, um em Goiás e outro no Rio de Janeiro. Não foi dado qualquer detalhe sobre o material apreendido ou nome de suspeitos.
Apesar dos policiais que atuaram terem sido presos logo após as mortes, o clima no local ainda é de extrema tensão, cercado de ameaças.
Segundo a Anistia Internacional, o advogado dos trabalhadores e sobreviventes, José Vargas Junior, e o advogado que acompanhou as colaborações premiadas, Rivelino Zarpellon, vêm sendo alvo de ameaças que se intensificaram no fim do ano passado. Rivelino, inclusive, teve seu nome colocado em uma das listas de “marcados para morrer” que circulam localmente desde o massacre.
“Devido às graves ameaças de morte, por diversas vezes, ambos foram obrigados a deixar a região. Entre o fim do mês de abril e início do mês de maio de 2018, novas ameaças ocorreram”, informou a Anistia.
Em julho de 2017, um dos líderes da ocupação da fazenda Santa Lúcia foi morto em uma emboscada na cidade de Rio Maria, a 61 km de Pau D’Arco.
O vice-presidente do Conselho Nacional de Direitos Humanos, Darci Frigo, acompanha o caso e esteve duas vezes no local para colher informações. Para ele, não há dúvidas de que os policiais não agiram por conta própria.
“Nessa segunda fase, a gente espera que a PF encontre elementos de prova que explique a razão absurda daquele massacre, que não se justifica em uma mera ação temerária ou de qualquer outra natureza. Essa chacina só se explica se houver participação de pessoas além daquelas que foram lá”, afirma.
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Um ano após massacre de sem-terra, PF ainda busca mandantes de mortes em Pau D’Arco (PA) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU