09 Mai 2018
"Consciente ou inconscientemente, os juízes tendem a agir sob pressão da opinião pública e da mídia, quando não a promover eles mesmos o próprio espetáculo. Será esse o melhor modo de o STF exercer a neutralidade da justiça? Não seria conveniente uma certa privacidade no ato de julgar?", escreve Alfredo J. Gonçalves, padre carlista, assessor das Pastorais Sociais.
Futebol tem marca registrada no Brasil, pentacampeão da Copa do Mundo. No gramado ou nas arquibancadas, atores e espectadores interagem de formas distintas. Evidentemente, enquanto o craque é o ator que mais recebe aplausos, o juiz costuma ser o alvo das maiores vaias. Por isso, o bom juiz é aquele que menos aparece. Discreto, preciso e neutro, faz correr a bola livremente, evitando destacar-se no palco do jogo.
Não é o que vem ocorrendo com o Poder Judiciário Brasileiro. A discrição está longe do seu modo de agir. Três aspectos, em particular chamam a atenção e trazem não pouca perplexidade: o protagonismo excessivo do Supremo Tribunal Federal (STF), quer em relação às demais instâncias judiciárias, quer em relação aos demais poderes da União; a demasiada exposição e espetacularização do exercício normal de sua função: analisar processos, avaliar, decidir e emitir sentenças; e as contradições internas entre juízes e instâncias diversas.
A operação lava-jato da Polícia Federal, entre outras operações e outros fatores, colocou o Poder Judiciário no centro do campo, sob a luz dos holofotes e das câmaras, expostos a toda sorte de microfones. A bola e os jogadores permanecem na penumbra. O juiz, que deve ser chamado somente em última instância, roubou a cena. Sua imagem aparece em primeiro lugar, protagonista principal do espetáculo. O ruído estridente de seu apito chega a ofuscar a rumorosa euforia dos torcedores. Em outras palavras, nota-se uma espécie de colonização do Legislativo e do Executivo por parte do Judiciário. Aqueles como que permanecem reféns deste último ou de juízes até então praticamente desconhecidos. Evidencia-se uma clara distorção e desequilíbrio no papel dos três poderes.
Semelhante visibilidade do Judiciário é sinal de transparência ou de espetacularização inadequada? Todos concordamos que a corrupção, o abuso da autoridade e outros delitos ligados ao poder, devem ser rigorosamente apurados e punidos. Mas daí a transformar o exercício da justiça em espetáculo televisivo vai uma boa distância. A espetacularização do ato de fazer justiça pode desencadear um efeito contrário. Consciente ou inconscientemente, os juízes tendem a agir sob pressão da opinião pública e da mídia, quando não a promover eles mesmos o próprio espetáculo. Será esse o melhor modo de o STF exercer a neutralidade da justiça? Não seria conveniente uma certa privacidade no ato de julgar?
Mais grave, porém, é quando o prato da balança, símbolo da justiça, pende clamorosamente em favor dos setores mais poderosos da população. O conceito de patrimonialismo (apropriação privada dos bens públicos) – fio condutor da história brasileira – permanece vivo e ativo de forma particular no Poder Judiciário. Este reflete e protege uma classe dominante extremamente conservadora e retrógrada, alheia a qualquer tipo de mudança. As divergências entre os vários juízes e suas respectivas instâncias, por sua vez, refletem interesses oligárquicos fragmentados e contraditórios em meio aos que habitam o andar superior da pirâmide social.
Diante de tais aspectos preocupantes – protagonismo excessivo, demasiada espetacularização e fraturas intestinas no Poder Judiciário – qualquer projeto real de transformação socioeconômica será bloqueado. Se as pequenas mudanças superficiais que visam uma maior distribuição de renda levam os representantes do Judiciário a arreganhar os dentes e afiar as unhas, que dizer de um projeto que vise mexer com as correntes subterrâneas da economia! Manter a nave brasileira no piloto automático da economia globalizada é seu objetivo máximo. Nada de “aventureiros ou sonhadores” que entendam usar o piloto manual para mudar o rumo do país.
Não, definitivamente o juiz não poder ocupar o centro iluminado do palco. E se o tiver de fazer, que seja para corrigir as injustiças e desigualdades historicamente gritantes.
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Futebol, Juiz e Poder Judiciário - Instituto Humanitas Unisinos - IHU