20 Abril 2018
Unidades de Conservação buscam sistemas participativos para melhorar gestão em áreas de interface com Territórios Indígenas.
Implementar e gerir Unidades de Conservação (UCs) em áreas que são simultaneamente ocupadas por Territórios Indígenas, ou terras de outras Populações Tradicionais, foram por muito tempo um grande desafio no Brasil. E como administrar essas interfaces territoriais sem conflitos, de forma a garantir a conservação da biodiversidade, e sem interferir nos direitos básicos de povos e comunidades tradicionais? A resposta está na gestão participativa e integrada das UCs, que inclui as comunidades na tomada de decisões e administração desse território.
A reportagem é publicada por ICMBIo, 19-04-2018.
Segundo levantamento de 2015, são mais de 60 casos de sobreposições territoriais com Territórios Indígenas (TIs), conferidos em 42 UCs federais. Nesse 19 de abril, que é marcado como Dia do Índio no Brasil para reverenciar a riqueza cultural dos povos originários brasileiros, o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade destaca dois casos de que são modelos de gestão para territórios compartilhados.
Apesar de desafiadoras, as sobreposições territoriais apresentam várias oportunidades de elaboração de planos conjuntos, que valorizem o modo vida das etnias indígenas que vivem no território e reconheçam a importância dessas comunidades para um meio ambiente ecologicamente equilibrado.
Para Luciana Uehara, gestora do Parque Nacional do Pico da Neblina, a sobreposição não é ruim para a gestão da unidade. “Vemos como uma dupla proteção, em que unimos esforços para barrar ameaças que são comuns à UC e à Terra Indígena”, defende. O ecoturismo mediado pelos povos originários, por exemplo, pode ser um instrumento para incrementar a renda das comunidades, e alternativa para afastar as práticas antigas e predatórias, como garimpo, caça e pesca ilegais. É uma possibilidade de construção de agenda positiva e de superação dos conflitos históricos.
Localizado na fronteira com a Venezuela e Colômbia, o Pico da Neblina é o ponto culminante do País, com 2.995 metros de altura. Para os indígenas da etnia yanomami, se chama yaripo, que quer dizer serra dos ventos. Ele é considerado um local sagrado para os índios. 71% da área do Parque Nacional do Pico da Neblina possui interface com quatro Terras Indígenas; o que representa cerca de 25% do total de áreas com sobreposições no Brasil.
O Parque Nacional do Pico da Neblina foi criado em 1979 com o objetivo de proteger a riqueza natural da região amazônica e controlar a ocupação desenfreada das fronteiras no norte do país. O problema foi que, na época, a criação da unidade não foi negociada com as populações indígenas que habitavam a região. A tensão aumentou quando a visitação na área se popularizou: muitas agências de turismo criadas na época operavam de forma desordenada e invasiva, explorando os povos indígenas. Por isso, a visitação no Parque foi fechada em 2002, atendendo às denúncias dos índios.
Em 2012, o ICMBio criou o conselho gestor do parque, assegurando participação às representações indígenas. No ano seguinte, a equipe do parque implementou a Câmara Temática do Ecoturismo, com a finalidade de capacitar as comunidades locais e reativar o turismo na unidade, observando a autonomia e as formas de organização próprias das 13 etnias (Baniwa, Baré, Carapanã, Dessana, Kobewa, Kuripaco, Tukano, Tuyuca, Werekena , Yanomami, Piratapuuya e Yepamasâ) que habitam a região, em 4 TIs demarcadas.
A partir deste momento, lideranças comunitárias, membros das comunidades da região e as duas associações locais (Associação das Mulheres Yanomami Kumirayoma (AMYK) e a Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (Ayrca)) trabalharam por quatro anos na construção da primeira startup de turismo yanomami e na elaboração do Plano de Visitação ao Pico da Neblina. O Plano foi entregue ao ICMBio e à Fundação Nacional do Índio (Funai) no ano passado, e agora está em processo de implementação.
Além da AMYK e da Ayrca, a gestão do parque atua em parceria com a Funai, o Instituto Socioambiental (ISA) e Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Turismo de São Gabriel da Cachoeira (Sematur). Pretende-se incorporar a iniciativa ao Plano de Manejo do Parque Nacional do Pico da Neblina e ao Plano de Gestão Territorial e Ambiental da Terra Indígena Yanomami, diretrizes que possibilitam a gestão compartilhada do território.
As parcerias viabilizarão a reabertura do Parque para o ecoturismo de base comunitária, provavelmente ainda em 2018, que fortalece a economia dos povos locais, promove respeito e valorização da cultura indígena, bem como estimula a participação de mulheres e anciões.
Na região do médio Xingu há várias unidades de conservação (UCs) federais e terras indígenas, em interface de áreas protegidas de enorme importância para a preservação da biodiversidade amazônica. É um território de vasta riqueza natural e cultural, onde se encontra povos indígenas de diferentes etnias, outras comunidades tradicionais e extrativistas.
Nesse contexto, o ICMBio e a Funai criaram, em 2015, a Feira dos Povos do Médio Xingu, evento com o objetivo de apresentar para a população urbana a diversidade e qualidade de produtos da floresta, valorizar a riqueza cultural dos povos do Médio Xingu, exaltar os saberes tradicionais e facilitar a troca de conhecimento, o encontro e a solidarização entre os povos da região. A feira ocorreu nos anos de 2015 e em 2017 em Altamira (PA).
Na última edição, participaram do evento cerca de 126 pessoas, sendo que 41 são extrativistas de cinco unidades de conservação federais (UCs): as reservas extrativistas (Resex) do Riozinho do Anfrísio, Rio Iriri, Rio Xingu, Estação Ecológica (Esec) Terra do Meio e Parque Nacional (Parna) Serra do Pardo. Também compareceram 86 indígenas, de 11 terras indígenas (TIs), das etnias Araweté, Parakanã, Xipaya, Kuruaya, Juruna, Xikrin, Kayapó, Kararaô, Arara e Assurimi.
Para Ana Cleia Teixeira de Azevedo, servidora do ICMBio na Resex Rio Iriri, a feira contribuiu para a valorização dos produtos da floresta e o intercâmbio entre os próprios indígenas. "Apesar de os indígenas viverem em um mesmo território, muitos deles não se conheciam, e a feira proporcionou esse encontro entre eles e a partilha de conhecimentos, resistências e lutas”.
Além disso, a Feira é um espaço de diálogo e construção da gestão territorial do Médio Xingu, compartilhado entre índios e extrativistas. Pode ser considerada como um ambiente para fortalecer e estimular a participação social nos conselhos e nos demais espaços de discussão. Segundo Ana Cléia, a ideia é que ao longo do tempo os povos tradicionais possam repensar conflitos e entender como usufruir dos benefícios que eles têm, como donos do território.
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Novos caminhos na relação com povos indígenas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU