13 Abril 2018
Mais de 70% da população rejeitam privatização da empresa e do controle sobre rios brasileiros. Por isso, governo quer completar o serviço antes de qualquer reação popular.
O artigo é de José Álvaro de Lima Cardoso, economista, doutor em Ciências Humanas pela Universidade Federal de Santa Catarina, supervisor técnico do escritório regional do DIEESE em Santa Catarina, publicado por Outras Palavras, 12-04-2018.
“O Novo Grande Jogo do século XXI continua a ser, sempre e ainda, sobre energia”
(Pepe Escobar, em Império do Caos)
A privatização do setor elétrico no Brasil, encaminhada de forma apressada pelo governo golpista, será útil para ajudar a resolver os problemas das multinacionais do setor e dos grupos que vão ganhar dinheiro com a privataria, que caracteriza sempre os processos de privatização em todo o mundo. Pretendem privatizar o sistema elétrico brasileiro porque ele é filé mignon e proporcionará muitos lucros aos grupos econômicos que o arrematarem a preço de banana.
A Eletrobras é o maior sistema elétrico da América Latina e a 6ª maior estatal de energia do mundo, compreendendo 239 usinas de geração de energia (31% da capacidade de geração do Brasil, com 47 GW), sendo que 94% da capacidade de geração vem de fontes de energia limpa. O sistema tem ainda 70 mil quilômetros de linhas de transmissão (ou seja, 47% de tudo o que o país dispõe) e 6 distribuidoras (que atendem a 6,3 milhões de clientes, com 258 mil km de rede).
É composto também por 14 empresas subsidiárias; uma empresa de participações (Eletropar); um Centro de Pesquisas (CEPEL) – único no Brasil e um dos principais do mundo; 50% do capital social da Itaipu Binacional. Além de participações relevantes em projetos estruturantes de caráter estratégico e nacional, tais como Usina Hidrelétrica de Belo Monte, Jirau, Santo Antônio e Teles Pires, entre outros. Além de ser um sistema estratégico para o país sob todos os pontos de vistas, é um verdadeiro tesouro como fonte de receita e, em condições normais, só dá prejuízo mediante corrupção ou grande incompetência gerencial.
Somente em um processo de golpe um sistema de produção e distribuição de energia, avaliado em R$ 370 bilhões, seria torrado por menos de 10% do seu valor. Se houvesse formas de explicar ao povo didaticamente o crime que querem cometer com a Eletrobras, haveria paralisação do país para impedir a ação. A privatização da Eletrobras significa, na prática, a privatização do acesso à água, pois a matriz energética brasileira é predominantemente hidrelétrica. Depende, portanto, dos cursos dos rios. A Guerra pela Água, é portanto, uma dimensão fundamental, e pouco discutida, na tentativa de entregar a Eletrobras. A ONU prevê que, no ritmo atual, as reservas hídricas do globo irão diminuir 40% até 2030, o que deverá provocar uma “guerra pela água” no mundo. Os EUA e a Europa enfrentam grave problema de falta de água, a maioria dos rios dos EUA e do Velho Continente estão contaminados. Tudo indica que um dos interesses do golpe é se apropriar do Aquífero Guarani, maior reserva subterrânea de água doce do mundo. O Aquífero que está localizado na parte sul da América do Sul (Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai) coloca a Região como detentora de 47% das reservas superficiais e subterrâneas de água do mundo.
O esforço do governo golpista para incluir o Aquífero Guarani na lista de bens privatizáveis tem sido grande. O Aquífero, maior reserva de água pura do mundo, é desconhecido da maioria da população e muito cobiçado pelos grandes grupos econômicos. O interesse das multinacionais sobre essa reserva de água possui bases muito objetivas: o Aquífero tem mais de 1,2 milhão de km2 e capacidade de abastecer o mundo por 300 anos. Dois terços da reserva estão em território brasileiro, no subsolo dos Estados de Goiás, Mato Grosso do Sul, Minas Gerais, São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.
As grandes empresas em todo o mundo vêm operando políticas para privatizar os recursos hídricos. Um dos métodos utilizados é a venda de água engarrafada. A Nestlé, por exemplo, maior corporação mundial de produtos alimentícios, responde por mais de 50% de toda a água engarrafada comercializada no Brasil. O presidente da Nestlé defende, sem cerimônias, políticas de privatização das fontes de água. Para Peter Brabeck-Letmathe, a privatização do fornecimento da água seria a fórmula para que a sociedade tomasse consciência da importância desse bem. Detalhe importante: o defensor de tais ideias é o presidente da líder mundial na venda de água engarrafada, setor que representa 8% do faturamento da empresa. O grupo Nestlé, presidido por ele, junto com mais três ou quatro empresas (Coca Cola, Pepsi Cola, Danone) controlam uma espécie de oligopólio no engarrafamento de água, dominando um setor cada vez mais estratégico no mundo. Segundo os estudiosos do assunto, muitas vezes a água engarrafada é coletada na rede pública pelas empresas, que se limitam a acrescentar um pacote de minerais, criando assim “água mineral”. Com essa operação o preço da garrafa sobe, muitas vezes, em até mil por cento, tornando-se um dos negócios mais lucrativos do mundo, num ambiente de inexistência ou debilidade na regulação social da atividade.
A privatização da Eletrobras, longe de ser um raio em céu azul, deve ser compreendida dentro do processo político que está se desenvolvendo no país em termos gerais. O país sofreu um golpe, que está mudando profundamente a relação do Estado com a sociedade. Em dois anos destruíram a legislação trabalhista, restringiram a democracia, aumentaram a pobreza e a fome, entregaram o pré-sal e transformaram em poeira a soberania nacional. O catálogo de maldades contra a população e contra o país está sendo encaminhado de forma muito veloz, exatamente para dificultar a reação da sociedade. Se nós brasileiros não conseguirmos reagir à altura da gravidade da situação, implantarão todo o seu programa, promovendo a maior expansão da miséria, já assistida no país. O golpe traz muitos riscos, de várias naturezas, inclusive de convulsão social. Eles sabem disso: é que a crise sem precedentes do capitalismo ao nível mundial, exige que tomem iniciativas arriscadas.
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Por que tenta-se vender a Eletrobrás a galope - Instituto Humanitas Unisinos - IHU