26 Março 2018
“A história de Jesus que lemos e comemoramos durante o Domingo de Ramos é semelhante à experiência de muitos irmãos e irmãs LGBTT+. Esses filhos de Deus são recebidos com alegria retumbante em algumas ocasiões de suas vidas, apenas para depois serem crucificados quando apresentam um modelo de amor e de identidade que desafia as massas.”
A reflexão é de Ish Ruiz, doutorando na Graduate Theological Union, em Berkeley, Estados Unidos. Seus interesses acadêmicos exploram a interseção entre ética social, direitos humanos, educação e grupos marginalizados, como as pessoas LGBTQ+, imigrantes, mulheres e minorias religiosas. Católico desde criança, Ish dedica-se a viver sua fé através da prática da justiça: ele sonha apaixonadamente com uma Igreja aberta e inclusiva para todos.
O artigo foi publicado por New Ways Ministry, 25-03-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O Domingo de Ramos está aqui! Aquela alegre ocasião em que Jesus foi saudado por muitos em Jerusalém que exclamaram: “Hosana! Bendito o que vem em nome do Senhor, o rei de Israel!”. Uma acolhida apropriada, de fato, para um homem que mostrou ao mundo uma nova forma de amar e para um Deus que, sem o conhecimento da multidão, se encarnou para redimir o mundo.
Mas todos sabemos como a história continua: menos de uma semana depois da chegada de Jesus em Jerusalém, a mesma multidão que gritou “Hosana” começou a gritar “Crucifica-o”. Obviamente, Jesus não era o messias que eles queriam. Eles ofereceram palmas para acolhê-lo e, depois, pregos para crucificá-lo. A multidão que se regozijou ao acolher um reverenciado profeta, depois se voltou contra ele quando perceberam que Jesus veio para derrubar as mesas e desafiá-los a uma forma mais elevada de amor.
A história de Jesus que lemos e comemoramos durante o Domingo de Ramos é semelhante à experiência de muitos irmãos e irmãs LGBTT+. Esses filhos de Deus são recebidos com alegria retumbante em algumas ocasiões de suas vidas, apenas para depois serem crucificados quando apresentam um modelo de amor e de identidade que desafia as massas.
Nós sabemos como são essas histórias:
- Nós exclamamos “Hosana!” quando um homem gay se forma no Ensino Médio, na faculdade ou na pós-graduação. Mas gritamos “Crucifica-o!” quando ele entra em um relacionamento amoroso com alguém do mesmo sexo.
- Exclamamos “Hosana!” quando uma lésbica embarca em uma profissão admirável que produz avanços tecnológicos e médicos. Mas gritamos “Crucifica-a!” quando falhamos em apoiar a legislação que protege seus direitos humanos básicos.
- Exclamamos “Hosana!” quando pessoas transexuais produzem criações maravilhosas de literatura, música e arte. Mas gritamos “Crucifica-os!” quando eles buscam transições físicas e sociais que os ajudam a expressar e experimentar sua identidade de gênero.
- Exclamamos “Hosana!” quando pessoas bissexuais telefonam e participam de encontros familiares. Mas gritamos “Crucifica-os!” quando negamos a eles os sacramentos e outros ritos da Igreja por causa de um “estilo de vida homossexual”.
- Exclamamos “Hosana!” quando as pessoas LGBTQ+ fazem um bom trabalho de ensino ou pastoral. Mas depois gritamos “Crucifica-os!” quando os demitimos por viverem vidas autênticas como empregados da Igreja que formam a própria consciência.
As pessoas LGBTQ+ devem ser amadas e abraçadas incondicionalmente, mas, quando desafiam a Igreja apresentando uma forma de amor e de identidade que é diferente, a Igreja muitas vezes prefere se apegar ao seu conforto em vez de receber as pessoas LGBTQ+ de coração e mente abertos. Que pena!
Se a Igreja fosse capaz de reconhecer e abraçar plenamente as bênçãos que os LGBTQ+ trazem ao mundo, a nossa Igreja seria um lugar mais brilhante e um reflexo mais autêntico do Reino de Deus.
Recentemente, tive o prazer de assistir ao novo filme Love, Simon, sobre a busca de um jovem de viver uma vida autêntica como gay. Foi um filme muito terno, que retratou as ansiedades muitas vezes enfrentadas por pessoas LGBTQ+ que levam uma vida dupla, para que possam continuar experimentando a sensação de “quase aceitação” por parte de seus entes queridos.
Muitas vezes, as pessoas LGBTQ+ preferem permanecer no armário e experimentar esse estado insatisfatório, aceitando tanto elogios quanto condenações. É difícil para as pessoas LGTBQ+ saírem do armário e se arriscarem a perder o sentimento de comunidade se as pessoas não as aceitarem por quem elas são. É um caminho solitário de vida e que absolutamente não reflete a comunhão de Cristo ou a cultura do acompanhamento que o Papa Francisco deseja ver na Igreja.
Nem todos na Igreja desejam crucificar as pessoas LGBTQ+. O Papa Francisco, junto com muitos bispos e padres, ofereceu muitas palavras de apoio às pessoas LGBTQ+. Muitos ministros da Igreja e outros católicos também desejam celebrar plenamente com as pessoas LGBTQ+.
No último fim de semana (15 a 18 de março), tive o privilégio de falar no Congresso de Educação Religiosa de Los Angeles sobre a inclusão de estudantes LGBTQ+ na sala de aula. Fiquei impressionado de alegria quando vi quantos professores e coirmãos católicos estavam interessados em abraçar plenamente os jovens LGBTQ+ e oferecer-lhes um ambiente de respeito, compaixão e sensibilidade nas escolas católicas. No entanto, muitos ainda resistem a esse chamado ao amor incondicional por medo ou desconforto, como evidenciam as duras declarações discriminatórias, o silêncio diante da injustiça em relação às pessoas LGBTQ+, a exclusão dos sacramentos e a demissão por parte de instituições católicas.
Enquanto estive no congresso, tive o privilégio de assistir à palestra do Pe. James Martin sobre o livro Building a Bridge, na qual ele compartilhou importantes intuições sobre seu livro homônimo. Perto do fim de sua conferência, ele contou uma poderosa história sobre quando ele testemunhou o batismo de uma bebê em uma paróquia em Nova York. Ele ficou impressionado quando o padre realizou o ritual, ergueu a criança e deu-lhe as boas-vindas à Igreja. O Pe. Martin sentiu uma alegria genuína naquele momento, que mudou a vida daquela menina para sempre. Ele refletiu sobre a verdade: em virtude do nosso batismo, todas as pessoas – incluindo as pessoas LGBTQ+ – são acolhidas na Igreja e são vistas como iguais diante de Deus. As pessoas LGBTQ+ são tão católicas quanto as pessoas heterossexuais e cisgêneras, os padres, os bispos e o papa.
Quanto eu ouvia essa história, no entanto, tive uma sensação de abatimento. Eu sabia que, se aquela menina, mais tarde, se identificasse como LGBTQ+ na vida, as exclamações de “Hosana!” que ela recebeu naquela igreja durante seu batismo poderiam se transformar em cânticos de “Crucifica-a!”.
Temos que ser uma Igreja melhor. Somente abraçando total e incondicionalmente aqueles que estão nas margens, onde as pessoas LGBTQ+ se encontram, é que podemos abraçar Jesus plenamente e participar juntos de Sua ressurreição.
Por fim, aos meus irmãos e irmãs LGBTQ+: aguentem firme! Depois da crucificação, vem a ressurreição e a vida eterna. Eu – e inúmeros outros – amo muito vocês. Vocês fazem parte desta Igreja: reivindiquem o lugar de vocês e segurem firme. Vocês são e continuarão sendo testemunhas da graça de Deus para todos/as aqueles/as que optarem por vê-los/las como Deus os/as criou: à imagem de Deus.
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Entre palmas e pregos. Artigo de Ish Ruiz - Instituto Humanitas Unisinos - IHU