05 Março 2018
O cardeal Kevin Farrell – prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida – defendeu publicamente, pela primeira vez, sua decisão de negar a um grupo chamado “Voices of Faith” (Vozes da Fé) de realizar o quarto evento anual em celebração ao Dia das Mulheres dentro do Vaticano, como aconteceu nos três anos anteriores.
A reportagem é de Robert Mickens, publicada por La Croix International, 02-03-2018. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
No lançamento de um livro na quinta-feira, em um centro de conferências na sede dos jesuítas em Roma, o cardeal pareceu sugerir que o grupo de mulheres havia anunciado que ele patrocinaria seu evento antes de dizer a ele especificamente de que se tratava e quem estaria palestrando. Ironicamente, seus comentários foram feitos exatamente na sala onde o grupo internacional de mulheres vai realizar a sua reunião no dia 8 de março.
No início no mês passado, funcionários do "Voices of Faith" revelaram que o cardeal de origem irlandesa, que está no cargo atual no Vaticano desde agosto de 2016, havia dado permissão para três pessoas escaladas para falar em seu evento, como a ex-presidente da Irlanda, Mary McAleese.
Chantal Götz, diretora do grupo, disse ao Irish Independent, no início de fevereiro, que a restrição de palestrantes era "inaceitável" e forçava a equipe organizadora a deixar o Vaticano e optar pela sede da Companhia de Jesus, que fica nas proximidades.
O cardeal Farrell, antigo Legionário de Cristo que se juntou a uma diocese nos Estados Unidos antes de se tornar bispo de Dallas, recusou-se a fazer comentário no surgimento da polêmica.
Mas na época presumiu-se amplamente que ele havia impedido a participação de três palestrantes devido ao seu apoio aberto ao casamento entre pessoas do mesmo sexo e outras questões, como a ordenação de mulheres, que estão em desacordo com a política e com o dogma da Igreja oficial.
A Sra. MacAleese, por exemplo, apoiou ativamente o referendo constitucional da Irlanda, em 2015, que levou ao reconhecimento oficial do casamento entre pessoas do mesmo sexo.
E Ssenfuka Joanita Warry, outra palestrante do evento do Voices of Faith, é uma católica abertamente gay que promove os direitos LGBT em Uganda. Acredita-se que ela também tenha sido impedida de falar no Vaticano.
Até agora, nem o cardeal Farrell nem ninguém no Vaticano comentou a situação.
Mas durante uma sessão de perguntas e respostas no lançamento de um livro, na quinta-feira, este escritor perguntou ao cardeal se ele tinha mesmo proibido os palestrantes e se o Papa Francisco estava envolvido (ou informado sobre) a decisão.
"Acho que há um ponto muito importante que parece ter sido esquecido", ele disse.
"É o da distinção entre quando (um evento ocorre) dentro do Vaticano e quando ocorre fora do Vaticano. Quando ocorre dentro do Vaticano é preciso entender que não se trata apenas da cidade de Roma. Presume-se que tudo o que é dito no Vaticano é apoiado pelo Papa, e o Papa está de acordo com tudo o que é dito", afirmou o cardeal.
Na verdade, isso não é inteiramente verdade. O arcebispo Marcelo Sanchez Sorrondo, por exemplo, convidou vários acadêmicos, políticos e outras personalidades que não estão exatamente em harmonia com o Papa para encontros organizados pelo Vaticano. E ele foi criticado por alguns, mas não impedido de fazê-lo.
Sanchez é o chanceler das duas academias pontifícias que lidam com a ciência e as ciências sociais. Sua base de operações é o suntuoso minipalácio do século XVI nos jardins do Vaticano, conhecido como a Casina Pio IV, que também gera renda funcionando como um centro de conferências. E, com mais um pouco de ironia, é o lugar onde o Voices of Faith realizou os eventos do último Dia da Mulher, que só foi concedido pelo arcebispo, com muita relutância, após a intervenção de um funcionário hierarquicamente superior do Vaticano.
De qualquer forma, o cardeal Farrell parecia ter um motivo mais pessoal para frear o plano do grupo de mulheres de realizar o evento lá novamente este ano.
"O segundo ponto que gostaria de esclarecer é que me pediram para patrocinar o evento. Bem, como foi dito posteriormente que eu realmente patrocinei o evento e como foi dito posteriormente de que se tratava, não era apropriado para mim continuar a patrociná-lo. Obviamente, quando retirei o patrocínio do evento, ele não poderia acontecer dentro do Vaticano", disse.
Mas enfatizou que isso não deve ser visto como um fechar as portas às preocupações que podem ser levantadas pelo Voices of Faith.
"Não é que não queiramos ouvir. Estamos sempre abertos a ouvir. E estamos sempre abertos ao diálogo. Às vezes pode parecer que não, e este é um caso que eu diria que as circunstâncias não correspondem ao que algumas pessoas querem fazer parecer, ou seja, que não queremos escutar ou que não queremos ouvir", concluiu.
Infelizmente, o cardeal – que,verdade seja dita, é um homem bom e sincero - respondeu apenas parcialmente à pergunta. Ele nunca disse exatamente o quê nos palestrantes levaram-no a impedi-los de falar no Vaticano.
Uma fonte próxima do Voices of Faith disse que a equipe organizadora convidou o cardeal para celebrar a missa de abertura do evento na sede dos jesuítas em um "gesto de reconciliação", mas ele recusou.
Agora você pode estar se perguntando que livro o cardeal Farrell estava ajudando a lançar. É um livro muito bom, chamado “A Pope Francis Lexicon,” (Um léxico do Papa Francisco, em tradução livre), editado por Joshua McElwee, correspondente de Roma do National Catholic Reporter, e Cindy Wooden, chefe do gabinete de Roma do Catholic News Service.
Esta coleção de mais de 50 ensaios, escritos por uma gama de bispos, religiosos e leigos de todo o mundo, é organizada em torno de diferentes palavras e expressões que acabaram se associando ao papa atual.
Como diz a editora, Liturgical Press, na descrição do livro, os ensaístas "revelam o que o uso que Francisco faz destas palavras diz sobre ele, seu ministério e suas prioridades, e seu significado para a Igreja, para o mundo e para a vida dos cristãos individualmente".
Não se iluda pensando que todos ficam bajulando o Papa. A coleção também inclui os pontos de vista de autores que fortemente, ainda que respeitosamente, desafiam Francisco em relação ao que percebem como seus defeitos. Um deles, reiterado em vários ensaios, é a atitude do Papa em relação às mulheres.
Como disse o cardeal Farrell no lançamento, "qualquer um que queira compreender o Papa Francisco deve ler este livro".
E os que estão tentando ajudar Francisco a ser ainda mais eficaz em seu ministério profético e inspirador devem prestar atenção a esses ensaios mais críticos ao Papa. Eles também são as vozes da fé.
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Cardeal Farrell defende proibição da participação de grupo de mulheres em reunião no Vaticano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU