07 Fevereiro 2018
Não interromper o diálogo sem esconder as divergências é a regra diplomática a ser aplicada com os responsáveis políticos incômodos, mas indispensáveis. Assim, salvam-se a consciência e a cara, além dos interesses. Recep Tayyip Erdogan é um caso de manual. Na conclusão da sua visita ao Vaticano, por parte do papa, informou-se que se falou de Jerusalém com o hóspede. E, sobre o assunto, Francisco e Erdogan estão de acordo em deplorar o reconhecimento por parte dos Estados Unidos da cidade três vezes santa como capital de Israel. Separadamente, cada um em sua pátria, eles já haviam se pronunciado sobre o assunto.
A reportagem é de Bernardo Valli, publicada por La Repubblica, 06-02-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Mas nessa segunda-feira, 5, falou-se da situação no Oriente Médio e do problema dos direitos humanos. E é evidente que a questão foi levantada pelo anfitrião. O papa, que, a se julgar pelas imagens, poupou-se ao distribuir sorrisos aos visitantes, informou que evocou as divergências com Erdogan.
O líder turco detém cerca de 50 mil pessoas na prisão e destituiu de seus cargos pelo menos 140 mil funcionários ou oficiais das Forças Armadas por supostas ligações com a irmandade islamista de Fetullah Gülen, acusada do golpe de Estado fracassado de julho de 2016 ou de ter contatos com organizações subversivas curdas.
O papa não podia ignorar, durante o encontro, a repressão em massa ainda não concluída. Nem ignorar as operações militares promovidas pelos turcos na Síria contra as milícias curdas, nas quais o governo de Ancara vê a ameaça de uma futura independência curda que amputaria a integridade nacional.
É uma guerra na guerra nem tão nova. Em suma, o Papa Francisco respeitou a regra: aceitou o diálogo e não ignorou as divergências. Não podia deixar de dar o exemplo, mesmo que com discrição. Por ocasião do aniversário do massacre armênio dos armênios cometido pelos turcos há um século, Francisco não hesitou em indicá-lo como o prelúdio do genocídio dos judeus durante a Segunda Guerra Mundial.
Ancara, que nega obstinadamente essa interpretação do massacre, não gostou das palavras do papa. Mas os tempos diplomáticos podem ser muito rápidos. E, nessa segunda-feira, Erdogan certamente não evocou esse fato. Eram outros os problemas sobre a mesa.
Isolado no campo diplomático, o presidente turco deve restabelecer os laços com os países da União Europeia. Como inevitável parceiro sobre o problema da emigração e da crise regional que ronda o Velho Continente, ele acha que tem a autoridade para poder repropor, embora com probabilidades de sucesso muito escassas, a questão da adesão turca à União Europeia.
Ainda durante a visita de 5 de janeiro em Paris, Emmanuel Macron havia tirado dele toda esperança, propondo uma associação externa da Turquia, o que equivaleria a lhe atribuir um lugar, embora privilegiado, mas fora da porta. Na Itália, ele só pode ter recebido reações semelhantes. Talvez mais nuançadas. No Quirinal, onde almoçou com Erdogan, o presidente italiano, Mattarella, informou que, durante o diálogo “franco e respeitoso”, foram reafirmadas as posições de cada um. Divergentes em muitos pontos, em particular sobre os direitos humanos. Basicamente, repetiu-se o que acontecera no Vaticano.
Para os países europeus, além de ser membro da Otan, portanto pelo menos formalmente uma antiga aliada, a Turquia freia a onda migratória destinada à Europa e, por isso, é recompensada. Além disso, ela ocupa uma posição estratégica de primeiro plano no interminável conflito no Oriente Médio.
No plano formal, essa é a situação. A realidade é diferente. Suas relações com o tradicional aliado estadunidense são cada vez piores. Especialmente desde que os turcos atacaram na Síria as milícias curdas que funcionaram como infantaria na coalizão liderada pelos Estados Unidos na guerra contra o Isis. Enquanto isso, as relações com a Otan continuam piorando. A aliança alternativa com Vladimir Putin, graças à qual a Turquia conseguiu se inserir no conflito sírio, está revelando seus limites. Daí a tentativa de reaproximação da Europa.
A Alemanha, que por causa da maciça presença de imigrantes turcos, da história muitas vezes comum e dos interesses econômicos conspícuos, sempre teve relações particulares com Ancara, freou bruscamente o impulso. Não gostou da prisão de seus jornalistas e da invasão de Erdogan que exigia fazer comícios para os imigrantes turcos nas cidades alemãs por ocasião do referendo sobre seus poderes presidenciais. Angela Merkel fechou-lhe a porta na cara.
Primeiro Paris e agora Roma são as duas capitais através das quais Erdogan tenta se reconectar com a Europa. Para se encontrar com Paolo Gentiloni, ele trouxe consigo um grande grupo de ministros. Apesar de seus compromissos bélicos e das dificuldades diplomáticas com os parceiros tradicionais, a Turquia conhece um forte crescimento econômico (7%), e, portanto, as inúmeras empresas italianas no país estão interessadas em intensificar suas atividades. Sobre as quais as divergências políticas não pesam.
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O papa e a solidão do sultão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU