11 Dezembro 2017
Aqui apresentamos alguns trechos da entrevista de Timothy Radcliffe, inglês, teólogo e especialista em Sagradas Escrituras, Mestre da Ordem dos Pregadores (dominicanos) de 1992 a 2001. Atualmente Radcliffe reside em Oxford (no convento dos blackfriars), onde em 2003 foi agraciado com o título de Doctor in Divinity, o mais prestigioso prêmio da famosa universidade inglesa. É um dos mais populares palestrantes em nível internacional no panorama católico e participa de encontros públicos em diferentes partes do mundo. O Papa Francisco nomeou-o consultor do Dicastério Justiça e Paz. Seus livros foram traduzidos em várias línguas. Seu último texto disponível em italiano é Il bordo del mistero. Avere fede nel tempo dell’incerteezza (A borda do mistério. Ter fé em tempos de incerteza, em tradução livre), publicado pela Editora missionária italiana, que na primavera de 2018 distribuirá nas livrarias seu novo texto, Na raiz da liberdade. Como interpretar os sinais dos tempos.
Entre seus títulos mais conhecidos, Ser cristão no século XXI. Uma espiritualidade para o nosso tempo (Queriniana), Testemunhos do Evangelho (Qiqajon), Por que frequentar a igreja? O drama da Eucaristia (San Paolo).
Teólogo, dominicano, biblista, docente em Oxford, consultor do Conselho Pontifício Justiça e Paz. O padre Timothy Radcliffe tem um sorriso que lembra o frei Tuck, companheiro de Robin Hood, e infelizmente não é tio de Daniel Radcliffe, o ator que interpreta Harry Potter, embora ele conte que realmente gosta dos livros e dos filmes de Harry Potter: seria um recurso excelente para atrair muitos jovens. E considerando que o cristianismo se difunde por contágio, ele talvez pudesse esconder sua verdadeira identidade e dizer que é realmente o tio de Harry Potter. "Bem, eu definitivamente iria vender muito mais livros se fizesse isso!".
A entrevista é publicada por Avvenire, 10-12-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
"Ter fé em tempos de incerteza é possível", como afirma o subtítulo de seu livro A borda do mistério, publicado na Itália pela Emi (144 páginas Euro 14,00)
Sim, eu acredito que sempre em períodos de incerteza se deva ter fé porque ser um cristão, um crente, não significa que você tenha todas as respostas, mas significa que você está sempre buscando, você está sempre no início de sua investigação. E nesse sentido, ser cristão significa estar sempre em uma aventura na qual é sempre necessária a ajuda de todos os seus amigos, de todas as pessoas que estão com você.
O senhor disse que vivemos "em tempos de fundamentalismo, que é uma característica da modernidade". Em que sentido? Antes também era assim, e os dominicanos eram considerados mestres do rigor. "Domini canes", assim se dizia.
Há uma distinção a ser feita entre o rigor e o fundamentalismo. O fundamentalismo significa que só existe uma única linguagem capaz de oferecer todas as respostas. O fundamentalismo do século XIX foi o científico, pensava-se que a ciência poderia dar todas as respostas. Mas, hoje, temos o fundamentalismo econômico e muitos pensam que o mercado seja solução para toda necessidade. E depois há o fundamentalismo religioso. O fundamentalismo é gerado quando surge uma maneira muito simplista para descrever as coisas, e acredito que a saída seja sempre envolver-se com aqueles que pensam de forma diferente, enquanto os fundamentalistas não conseguem falar com aqueles que pensam diferentemente deles. O rigor é uma coisa bem diferente, o rigor significa que nós tentamos fazer de tudo para compreender os grandes questionamentos: a análise profunda é muito diferente do fundamentalismo.
"Amar as pessoas – o senhor escreve - significa encontrar a combinação adequada de oferecimento de espaço e doação de si". Ou seja, o excesso ou a falta de liberdade são ruins?
Quando se fala com alguém é preciso sempre tentar dar-lhe espaço, para que tenha possibilidade de se mostrar ao outro, para ouvir como ele se expressa, quem ele realmente é. Toda vez que se fala com alguém sempre surge alguma surpresa, e é preciso oferecer espaço para que essa surpresa ocorra, esse é o coração de toda boa e correta conversação. Em qualquer amizade oferece-se a quem está diante de si, a possibilidade de ser diferente do que você acreditava no início e de não se conformar com as próprias ideias iniciais sobre aquela pessoa.
Como é possível ter esperança?
Eu penso que, com base na minha experiência, se você quiser ter esperança é preciso dirigir-se principalmente àqueles que não parecem mais ter esperança, e aprender juntos a ter esperança. Lembre-se, aconteceu em setembro um terrível furacão em Houston: eu estive naquele local para visitar todas as áreas devastadas. As pessoas me diziam que no início estavam muito zangadas, mas o que mais me impressionou foi a sua coragem, e também a sua alegria de estarem vivas. E isso também me ajudou a ter esperança. Eu irei a Bagdá para passar algum tempo com os irmãos e as irmãs, e posso dizer que, se você quer ter esperança, você precisa ir justamente para Bagdá, porque lá vai conhecer pessoas cuja vida é realmente muito difícil, de forma que não podemos sequer imaginar. E lá se vê, se encontra uma esperança que você jamais pensou que poderia existir.
Sem o perdão dos pecados, não há esperança?
Sim, o oposto da felicidade não é a tristeza, mas ter um coração duro que já não tem mais sentimentos. Quando você está em contato com pessoas que sofrem, seu coração se abre, e se o seu coração se abre você pode ser feliz novamente. A coisa mais importante para ser feliz é fugir das suas pequenas preocupações. Quando você experimenta a dor dos outros, deixa de pensar em si mesmo e começa a compartilhar o que os outros vivenciam e então você vai sentir uma enorme felicidade, você terá uma alma. O livro de Ezequiel afirma: "Tirarei o coração de pedra e lhes darei corações de carne", um coração, portanto, capaz de sentir, de ter de novo sentimentos.
Cito novamente A borda do mistério: "A esperança não é a convicção de que algo vai dar certo, mas a certeza de que alguma coisa faz sentido".
Quando sofremos, por vezes pensamos que as nossas vidas não têm mais significado, e nos perguntamos por que tanto sofrimento, para o que serve. Mas isso é um desperdício de tempo! A nossa esperança é que no fim veremos como a nossa vida é um percurso, uma viagem rumo à plenitude do amor, da compreensão. E, então, nós viajamos para tentar entender quem somos, para descobrir os pequenos sinais que nos fazem entender para onde estamos indo. Precisamos confiar, e quando chegarmos à plenitude do amor e da vida, apesar das provas por que tivemos que passar, então nós redescobriremos o sentido. Agora só temos alguns flashes aqui e ali, e que nos fazem entender que somos feitos para amar, para amar totalmente. Vamos alcançar a plenitude do amor no final do nosso percurso e tudo o que vivemos, que suportamos, então assumirá um significado.
"O cristianismo faz exigências francamente impossíveis", o senhor escreve. Que não podemos cumprir sozinhos. É preciso a igreja, então?
Nós precisamos uns dos outros. Porque você pode ser capaz de amar de uma forma que eu não sou capaz, e então eu te respeito. Um amor incondicional é impossível, é um dom que é dado a cada um de nós gradualmente ao longo do tempo. A coisa mais bela do ser humano é ser chamado a ser sempre algo mais, mais do que podemos imaginar, pensar em ser. Amanhã você vai conhecer o seu irmão, sua irmã, seu filho, sua filha, que irão te ensinar muito mais e te permitirão entrar nessa plenitude do amor. Eu acho que cada vez que nós amamos alguém de um amor verdadeiro, percebemos o mistério transcendente que vai além de qualquer coisa que possamos imaginar que podemos receber.
"A modernidade aceita a fé se permanece confinada à esfera privada ou se tem um papel decorativo, sem invadir o espaço público". Se for irrelevante, portanto, se for coisa de sacristia.
Não pode ser assim! Penso, por exemplo, no Papa Francisco, que nesse momento está trabalhando pelos problemas humanos imediatos; e eu acredito que o catolicismo sempre sente fascínio pelos dramas que as pessoas vivem aqui e agora. Ter fé não significa viver em um pequeno mundo isolado, ficar no canto, seguro, mas realmente se envolver com a realidade. E é isso que o Papa faz quando visita os lugares mais complicados na Terra.
Nós muitas vezes acreditamos que obedecer significa abandonar a razão e a liberdade.
Eu adoro a origem da palavra "obediência" que vem de ob audiens, que significa escutar profundamente. Para mim, ser obediente para com o meu irmão, como dominicano, não significa parar de pensar, "fazer o que as outras pessoas dizem": não, eu escuto com toda a minha inteligência, com toda a minha imaginação e fantasia.
Portanto, a verdadeira obediência é baseada na inteligência.
"O cristianismo exalta a corporeidade", ressalta. Podemos dizer que é mais materialista do que espiritualista?
Creio que a essência do cristianismo seja que Deus se fez um de nós e, ao tornar-se uma pessoa como nós, se fez corpo. E o dom do cristianismo é quando Jesus diz que "este é o meu corpo, que eu dou a vocês"; ele não fala a minha mente, o meu espírito e minha alma. Devemos estar felizes por ser também corporeidade, e isso justamente quando muitas pessoas odeiam seu próprio corpo, quando as pessoas se consideram magras demais, gordas demais, muito baixas ou muito feias. Nesse momento, devemos reconhecer que podemos habitar um corpo porque somos espírito que habita um corpo, e nós devemos amar esse corpo. O coração do cristianismo é a santidade dos nossos corpos.
Mesmo a oração, para nós europeus, a partir da Reforma em diante, tornou-se um ato puramente mental. Ao contrário, devemos orar com exuberância física.
A grande maioria dos cristãos antigamente rezava com o corpo; São Domingos, por exemplo, fundador da minha ordem, tinha nove maneiras de rezar com o corpo. O próprio Francisco de Assis costumava dizer que tudo pode ser expresso com o corpo; mas, em vez disso, nós agora nos sentamos em um banco. Sozinhos, parecemos um saco de batatas, não conseguimos mais expressar a espontaneidade da nossa fé! Para rezar melhor precisamos pedir aos irmãos e irmãs africanos para que venham e nos ensinem como se reza inclusive com o corpo".
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Acreditar, mesmo em tempos incertos. Entrevista com Timothy Radcliffe - Instituto Humanitas Unisinos - IHU