Falácias das reformas trabalhistas

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06 Outubro 2017

“A cada dez anos, os políticos afirmam que ‘desta vez é diferente porque a tecnologia está mudando tudo’. Agora, a ideia é que os computadores vão passar a substituir todo o trabalho humano. Em minha opinião, não há nada de novo na economia, trata-se de uma estratégia dos empregadores para reduzir o custo do trabalho. Isto não tem nada a ver com a produtividade. E mais, reduzir salários costuma fazer perder produtividade”. A análise pertence a Teresa Ghilarducci, economista norte-americana consultada por Página/12, especializada no mundo do trabalho e especialista em seguridade social.

Ghilarducci é professora da New School for Social Research de Nova York e diretora do Schwartz Center for Economic Policy Analysis e do New School’s Retirement Equity Lab (ReLab). Embora seu objeto de estudo não se centre na Argentina, as discussões locais acerca da reforma trabalhista e previdenciária estão dentro de uma corrente global da qual Ghilarducci é uma das principais críticas.

A entrevista é de Javier Lewkowicz, publicada por Página/12, 05-10-2017. A tradução é do Cepat.

Eis a entrevista.

O Brasil sancionou uma reforma trabalhista que avança para a flexibilização e a redução do poder de negociação dos sindicatos. Na Argentina, essa discussão ganha cada vez mais relevância, ancorada na mudança tecnológica e na necessidade de melhorar a competitividade. Qual é sua postura em relação a este tema?

Em primeiro lugar, as reformas trabalhistas não têm nada a ver com a absorção das novas tecnologias. A tecnologia está vinculada ao trabalho formal e à educação dos trabalhadores. E mais, a cada dez anos os políticos dizem que ‘desta vez é diferente porque a tecnologia está mudando tudo’. Agora, a ideia em nível global é que os computadores podem substituir o trabalho humano e que os trabalhadores devem poder prover serviços de maneira individual, que agora cada um será seu próprio empregador. Existe o exemplo do Uber e outros empregos que o consumidor pode conseguir através dos aplicativos de celular. Por exemplo, nos Estados Unidos está bastante difundido um aplicativo com o qual é possível requerer o trabalho manual de alguém, para uma mudança ou um conserto. No entanto, penso que em nível geral a tecnologia não modifica as bases da relação de trabalho formal e estável.

Também se apresenta o assunto pelo lado da competitividade.

Está comprovado que a redução dos salários – que surge como efeito da redução do poder de negociação coletiva – não implica uma melhora na produtividade. Ao contrário, pode piorar a produtividade. O trabalho barato faz com que os empresários se tornem “gordos e bêbados” – segundo a expressão em inglês – e não tenham incentivos para investir no capital. Ao contrário, o aumento de salários é o melhor modo de aumentar a produtividade.

A concorrência chinesa modifica essa descrição de algum modo?

Não. De fato, a China está mudando rapidamente sua estratégia de crescimento em função da produção de bens baratos. Está desenvolvendo um sistema cada vez mais sofisticado, os salários aumentam e os trabalhadores estão mais treinados. A contraface é a África do Sul, uma economia baseada na extração de recursos naturais que não conta com um sistema de industrialização e só pode empregar trabalho barato. A África do Sul sofre por ter baixos salários e não ter fábricas para processar os recursos minerais e do setor agropecuário.

Outro ponto que a curto e médio prazo o governo nacional planeja rediscutir é o sistema previdenciário, que também costuma ser motivo de debate entre os economistas em todo o mundo.

Nos anos 1990, a esperança era que a privatização dos sistemas de segurança social traria uma série de benefícios porque os trabalhadores teriam incentivos para trabalhar mais e mais duro. Além disso, melhorariam as finanças públicas porque os idosos deixariam de cobrar por ter pagado ao Estado, mas, ao contrário, receberiam sua própria contribuição. A Argentina esteve na cabeça daquelas reformas, que também atingiram os países europeus. Contudo, os fundos de pensões ingressaram no mundo da financeirização, que entrou em colapso em 2009, o que reduziu substancialmente o valor desses ativos.

Quais são os resultados do modelo previdenciário privado em termos de distribuição do ingresso nos Estados Unidos?

O resultado é que os trabalhadores precisam enfrentar a pobreza em seus últimos dias. Isto afeta especialmente as mulheres, porque tem menor quantidade de anos no setor formal e também menores ingressos. Entre os norte-americanos, 90% não contam com as economias necessárias para subsistir, assim que se encerra sua vida de trabalho. Como resultado, enfrentam a experiência da mobilidade social descendente ou precisam continuar trabalhando. Em outras palavras, os norte-americanos não contam com poupanças suficientes para encarar a aposentadoria. Calcula-se que, diretamente, entre 25 e 30% das famílias não possuem poupanças, o que permite pressagiar uma grave crise previdenciária no país. Sob esta tendência, 16 milhões de aposentados viverão na pobreza em 2022.

O tema previdenciário se coloca pelo lado do déficit fiscal.

O fato de os indivíduos pagarem por sua aposentadoria não tem um impacto fiscal positivo. Porque embora o Estado não faça isto diretamente, acaba fazendo indiretamente, porque o empobrecimento dos idosos é um custo fiscal negativo. Quero dizer, o custo da pobreza é enorme. Por sua vez, se os idosos ampliam sua vida de trabalho, reduz-se a produtividade geral, pois os jovens terão menos trabalho. Ou seja, a sociedade precisa pagar pelo custo dos que já não trabalham. Colocar em causa estes temas implica que os países esqueceram as experiências do passado. O sistema previdenciário é parte do território de histórica disputa entre classes sociais, assim como os fins de semana, a duração da jornada de trabalho, a remuneração pela enfermidade e as férias.

Quem é Ghilarducci

Teresa Ghilarducci é uma economista norte-americana especializada em temas trabalhistas e no sistema previdenciário. Doutorou-se em Economia pela Universidade da Califórnia e foi professora, durante 25 anos, na Universidade de Notre Dame, Indiana. De 2007 a 2009, atuou no Programa de Trabalho da Universidade de Harvard e, em 2008, incorporou-se a New School for Social Research de Nova York. É membro da Junta de Diretores do Instituto de Políticas Econômicas, um think tank de Washington que busca “incluir os interesses dos trabalhadores de baixos e médios ingressos nas políticas econômicas”. “Ghilarducci está focada na necessidade de restaurar a promessa da aposentadoria para cada trabalhador norte-americano”, resume seu blog.

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