04 Outubro 2017
Um novo livro-entrevista com o Papa Francisco volta-se a temas que o pontífice já discutiu em várias publicações anteriores, mas Austen Ivereigh diz que ainda há pontos interessantes a serem extraídos de “Politique et Societé”. Ivereigh afirma que o entrevistador, o sociólogo francês Dominique Wolton, poderia ter ido mais a fundo em certas ocasiões para revelar outros aspectos daquele que hoje se senta na Cátedra de São Pedro.
A reportagem é de Austen Ivereigh, publicada por Crux, 29-09-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Não é difícil adivinhar por que motivo o responsável pelas comunicações do Vaticano, o Monsenhor Dario Viganò, achou que seria uma boa ideia o Papa Francisco ter doze encontros com um sociólogo ateu francês durante 2016. Os comentadores e analistas da Igreja Católica podem ser uma câmara de eco, e Francisco necessita ir além dos muros vaticanos.
Dominique Wolton é um homem inteligente e culto, claramente fascinado por aquele a quem chama de “o primeiro papa da globalização” e a quem se entregou à simplicidade e franqueza (“tão vívido, compreensível e informal”, escreve ele a certa altura) de Francisco.
No livro em formato de diálogo, ele faz o tipo de pergunta que um católico provavelmente não faria, por exemplo: “Por que o senhor não emite uma encíclica sobre os desafios da comunicação humana e técnica?” Ou “o que diz aos que se atêm às atrocidades e crimes da Igreja?”
Com uma paciência exemplar, Francisco gentilmente salienta que ele já abordou este ou aquele tópico em suas homilias diárias, ou neste ou naquele documento. Por vezes também, humildemente aceita o desafio: “Sim, precisamos falar mais sobre isso”.
O real interesse de Wolton está nas comunicações, assunto sobre o qual ele escreve há décadas. “Por favor, leia as cinco páginas que lhe dei resumindo a minha teoria da comunicação”, diz ele a Francisco. “É exatamente o que venho escrevendo há 30 anos”.
“Por que estamos fazendo este livro?”, Francisco rebate em tom de brincadeira.
“Porque ele será de interesse principalmente para os secularistas, porque muitas vezes o senhor é mais gostado pelos secularistas e ateus do que pelos católicos”, responde Wolton sob risos.
Grande parte da obra – um tomo robusto, com um título imponente: “Politique et Societé” (Política e sociedade) – está escrita nesse estilo. Embora Francisco seja o que mais fale entre os dois, não estamos livres dos pensamentos por vezes extensos, e nem sempre interessantes, de Wolton sobre o mundo atual. Como entrevistador, ele não é muito bom em pressionar Francisco a esclarecer ou profundar certos temas, de modo que muitas ideias são deixadas no ar, sem resolução.
Porém é o tipo de interlocutor em que um determinado tipo de intelectual secular confiaria e, portanto, constitui um bom modo de introduzir o papa ao mundo de maneira mais geral. O foco de Wolton, o que é compreensível, recai sobre o engajamento social e político da Igreja, e não sobre aquilo que chama de “conflitos políticos e institucionais no coração da Igreja”.
Visto que o papa já compartilhou estes pensamentos, em coletivas de imprensa e em entrevistas, poucas coisas poderiam ser ditas sobre guerra ou paz, religião e política, Europa, cultura, comunicação, diálogo com os não fiéis, misericórdia, tradição e assim por diante, e que já não tenham sido expressas.
Portanto, a todos os que seguem o seu pensamento, Francisco diz pouca coisa que pode ser considerado novidade ou surpreendente. Mas ele o faz em algumas ocasiões com um nível maior de detalhes e de certo modo que não havia feito antes.
Quanto à sua história de vida, há poucos revelações além da que virou notícia quando do lançamento do livro: que ele foi a uma psiquiatra judia depois de concluir o seu período como provincial em 1979.
Mas temos também novidades. Na qualidade de biógrafo, fiquei interessado na história envolvendo a sua avó por parte de mãe chamada Maria Sívori, geralmente pouco mencionada. (A sua avó por parte de pai, Rosa, se faz presente em todos os relatos de infância do papa.)
O jovem Jorge Mario, de 16 anos de idade, estava com ela quando Prokofiev [compositor russo] morreu em março de 1953 e ele lembra o momento clamante: na época, estava interessado por música, diz, e havia começado a sonhar em ser diretor de uma orquestra.
A sua avó Maria o ouviu com paciência, conta Francisco a Wolton, antes de lhe dizer que tal desejo iria requerer um enorme esforço, algo que o jovem não entendeu muito bem.
A anedota em si não é significativa, porém é oportuna.
Dado que poucos meses mais tarde Jorge Mario teve a experiência no confessionário que o deixou convencido de que seria um padre, essa história confirma que tal vocação veio “ex nihilo”, resultando de um encontro com a misericórdia de Deus. Antes disso, ele imaginava viver uma vida bem diferente.
A seguir, apresento três seções da entrevista de Wolton que lança uma nova luz sobre o pensamento e a vida interior de Francisco.
Embora diga nunca se sentir aflito, Francisco claramente considera as coletivas de imprensa a bordo de seu avião como uma grande responsabilidade. Diz que se sente como se estivesse entrando para a “cova dos leões”, segundo contou a Wolton (algo que ele havia contado sorridente ao corpo de imprensa no Vaticano em sua primeira viagem como tal) e que sempre começa com uma oração porque, segundo disse, “Eu tento ser bastante preciso”.
Existe uma “grande pressão”, diz ele, e “já ouve alguns deslizes”.
Wolton não pergunta quais, nem mesmo quando ele repete essa admissão logo em seguida. “Eu cometi alguns equívocos, por duas ou três vezes, com o meu modo de dizer as coisas”, acrescentando: “No avião. Duas ou três vezes, eu cometi um engano”.
Pelo contrário, Wolton pergunta se o seu estilo franco o ajuda a se comunicar melhor. Francisco responde que tem o “estilo pastoral” de comunicação. “Tento não falar como professor, mas como pastor”.
Perguntado se está feliz, o papa diz; “Sim, estou feliz. Sou feliz. Não porque sou o papa, mas porque o Senhor me deu isso, e rezo para não fazer nada muito errado... Mas faço!”
Francisco já fez uso da sua tese doutoral inacabada sobre Romano Guardini antes, de muitas maneiras, e de um modo mais detalhado no discurso ao Sínodo dos Bispos de 1994. Porém nunca a aplicou à política com tanto detalhe como o faz aqui, como um instrumento para manter em tensão a unidade e a identidade.
O ofício político em seu sentido mais profundo – isto é, não como algo só praticado pelos políticos, mas como forma de serviço humano – é “aceitar que existe uma tensão que não podemos resolver”, diz ele a Wolton.
Ao rejeitar a noção hegeliana de síntese, em que uma parte é aniquilada em favor de outra, Francisco lança mão da “Der Gegensatz” (contraposições dinâmicas), de Guardini, para sugerir a ideia de uma unidade que se desenvolve a partir da junção de diferentes posições – resultado de um dom do Espírito Santo, como o papa já disse em outros momentos.
A verdadeira política, continua o papa, significa que “só pode haver uma solução mais elevada, em um plano superior, onde ambas as partes dão o melhor de si, resultando não em uma síntese, mas um caminho comum, um caminhar juntos”.
O obstáculo para isso, tanto na religião como na política, é o fundamentalismo, que se apega à identidade e se recusa a aprender com o outro, o que na política se manifesta em ideologia. Consequentemente, diz Francisco, “as ideologias não podem fazer política. Elas nos ajudam a pensar (...) mas não são capazes de fazer política”.
Como uma consequência da ideologia, completa o papa, a política no século XXI se rompeu e levou à guerra.
O papal político e diplomático da Igreja, segundo ele, é criar pontes que permitam as pessoas caminharem juntas, espelhando a ação divina de enviar o Seu filho para unir a divisão entre Deus e a humanidade.
Em certo momento, Wolton pergunta a Francisco se ele “venceu a batalha” contra os males no Vaticano que ele próprio identificou em seu discurso de Natal à Cúria Romana em dezembro de 2014.
Francisco, que estava então (final de 2016) preparando o seu novo discurso natalino para a Cúria em que resumiria as suas reformas, responde: “Sim, não só na reforma orgânica do organograma, mas também na reforma das atitudes”, o que dá a entender que, para o papa, este segundo aspecto é, pelo menos, tão importante quanto o primeiro.
Ao final do livro, Francisco toca no tema Cúria Romana novamente, agora em relação à ampliação das vozes e da presença feminina nos espaços de comado da Igreja.
“Com a reforma da Cúria, haverá muitas mulheres que terão poderes de decisão, não somente um papel consultivo. Porque não é preciso ser padre para presidir um departamento de educação. Na Cúria, temos uma vice-diretora na Sala de Imprensa”.
Depois de discutir a influência da mulher na vida do papa, Wolton volta-se a ele novamente perguntando se, na Cúria, o papa dará a elas mais espaços de atuação.
“Sim, sim, acho que sim”, responde. “Porque não há tanta misoginia. Esse não é o problema. O problema está em outros lugares”.
Wolton questiona se o problema tem a ver com timidez ou “falta de comunicação”, e Francisco concorda. Quando eles [lê-se a burocracia curial] veem até que ponto as mulheres podem fazer as coisas melhores, não tem problema. Não é isso o problema, mas algo mais”.
Depois de Wolton pressionar mais uma vez o papa nesse sentido, ouve como resposta: “Um problema de poder. Estamos trabalhando nisso”.
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