O Espírito atua em outras religiões. Um novo livro de Peter C. Phan

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28 Setembro 2017

O cerne da teologia Peter C. Phan é uma relação complementar entre cristianismo e religiões não cristãs.

A resenha é de Marian Ronan, publicada por National Catholic Reporter, 27-09-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.

Marian Ronan é professora de estudos católicos no Seminário Teológico de Nova York. O seu sétimo livro, intitulado “Women of Vision: Sixteen Founders of the International Grail Movement”, escrito em parceria com Mary O’Brien, foi publicado pela Apocryphile Press no começo deste ano.

The Joy of Religious Pluralism: A Personal Journey
Peter C. Phan
225 páginas, publicado por Orbis Books, $35,00.
Capa do Livro | Divulgação

Eis a resenha.

Em abril de 2006, a Congregação para a Doutrina da Fé notificou o teólogo vietnamita-americano Peter C. Phan alegando que em seu livro de 2004 – “Being Religious Interreligiously: Asian Perspectives on Interfaith Dialogue” – havia pontos significativos “confusos” em relação à doutrina católica. Um ano depois, o Comitê para a Doutrina, da Conferência dos Bispos Católicos dos Estados Unidos, reafirmou o que a Congregação para a Doutrina da Fé havia dito. Os prazos, pouco razoáveis, não permitiram que Phan respondesse-os em tempo.

Agora, 11 anos depois, Phan publica um “esclarecimento” em forma de livro, esclarecimento requerido pelas duas entidades. “The Joy of Religious Pluralism: A Personal Journey” (A alegria do pluralismo inter-religioso: uma caminhada pessoal, em tradução livre) contrasta-se abertamente com quase todos os ensinamentos de “Dominus Iesus”, declaração vaticana, emitida em 2000, sobre a “unicidade e a universalidade salvífica de Jesus Cristo e da Igreja”.

Phan é um destacado teólogo católico, o primeiro presidente asiático-americano da Catholic Theological Society of America e ganhador do importante Prêmio John Courtney Murray. Embora mais conhecido por sua obra em teologia asiática e asiático-americana e pelo diálogo inter-religioso, Phan também é especialista em iconografia ortodoxa oriental, patrística, Karl Rahner e Teologia da Libertação.

O cerne da teologia do pluralismo religioso de Peter C. Phan é uma relação complementar entre cristianismo e religiões não cristãs. Somente através de um diálogo sincero e humilde com as demais religiões, acredita Phan, é que o cristianismo pode chegar à realização plena de sua própria identidade e de seu próprio chamado. Neste contexto, a Congregação para a Doutrina da Fé e o Comitê para a Doutrina consideram particularmente problemáticas as posturas de Phan com respeito a Jesus Cristo como o único salvador, à significação salvífica das religiões não cristãs e à Igreja como o sacramento exclusivo da salvação.

Os dois primeiros capítulos de “The Joy of Religious Pluralism” estabelecem um quadro geral para o debate destes três temas. No capítulo 1, Phan aborda a inadequação da convicção hierárquica segundo a qual o único jeito de fazer teologia é aplicando o magistério episcopal – as Escrituras e a Tradição – ao que quer que esteja sob consideração. Phan mostra que, dependendo da questão em jogo, alguns ou todos dos quatro outros magistérios (o dos teólogos, o dos leigos, o dos pobres e o dos fiéis das religiões não cristãs) também devem ser considerados para se alcançar um ensinamento oficial.

No capítulo 2, o autor explica que o fundamento da teologia cristã é o Espírito Divino, que age na história através “das duas mãos do Pai”, do Filho e do Espírito Santo. E, ao mesmo tempo em que as ações destas duas mãos são independentes, elas são também autônomas. Assim, o Espírito Santo estava trabalhando “antes” que o Filho encarnasse em Jesus de Nazaré e está trabalhando “depois” desta encarnação, e mesmo “fora” dela, inclusive na sabedoria das outras religiões.

Phan situa a inquietação da Congregação para a Doutrina da Fé concernente ao seu tratamento da universalidade salvífica de Jesus Cristo dentro deste quadro. Por não conseguir lançar mão do magistério das outras religiões, explica Phan, a Congregação está incapacitada de ver que a mão do Espírito era ativa em algumas destas religiões até mesmo antes da encarnação de Jesus Cristo e está ativa em seus símbolos salvífico hoje. Somente por meio de uma cristologia pneumatológica, uma cristologia que aprenda com as representações messiânicas do budismo, do hinduísmo e das demais religiões, é que a Igreja chegará a um entendimento pleno de Jesus Cristo como salvador.

De forma semelhante, Phan explora a significação salvífica das religiões não cristãs e da universalidade da Igreja Católica à luz dos magistérios múltiplos e do Espírito Divino. As autoridades magisteriais que fazem pronunciamentos sobre as deficiências objetivas das religiões não cristãs, como em “Dominus Iesus”, claramente nunca tiveram a fé delas aprofundadas pela santidade dos membros das demais tradições religiosas, diferentemente de Phan. Assim como Jesus Cristo humilhou-se ao se tornar humano (Filipenses 2), o cristianismo é convidado a uma teologia kenótica (que se esvazia) em que renuncia a sua suposta superioridade diante das outras religiões. A missão da Igreja, então, não é “aos gentios”, mas “com os gentios”, colaborando com os membros das demais tradições religiosas para fazer acontecer o Reino de Deus.

Phan também observa semelhanças entre a sua teologia inter-religiosa e os ensinamentos do Papa Francisco. Salienta, por exemplo, que em “A Alegria do Evangelho”, Francisco emprega termos como “confusão” e “complementar” em sentidos que, quando Phan os empregou, desencadearam a condenação por parte da Congregação para a Doutrina da Fé. Talvez com o recém-nomeado prefeito da citada congregação vaticana, estas críticas a Phan se dissolvam.

A teologia inter-religiosa de Phan oferece uma contribuição significativa para a Igreja no século XXI, deslocando-a do eurocentrismo, predominante no último milênio, à realidade multicultural, globalizada de hoje. Sem querer, de forma alguma, minimizar a sua contribuição, eu tenho, sim, uma inquietação. No prefácio, Phan sustenta que “The Joy of Religious Pluralism” destina-se ao público leitor em geral. Mas a matiz e a complexidade das questões que a obra suscita a tornam extremamente desafiadora em alguns ambientes.

Por exemplo, Phan declara repetidas vezes que reconhecer a relação complementar entre o cristianismo e as demais religiões mundiais não é afirmar que os ensinamentos dessas religiões sejam, de alguma forma, equivalentes. A sua teologia, garante ele, não é relativista. Mas a própria necessidade de trazer esta ideia múltiplas vezes sugere as dificuldades que os seus debates podem representar para o “leitor geral”.

Por outro lado, Phan faz um trabalho magistral lançando mão de suas experiências pessoais – sua vida como refugiado vietnamita, os encontros que teve com praticantes de outras religiões – para escrever “The Joy of Religious Pluralism”. E não há como negar que Phan é um teólogo extremamente bem-humorado. Mais de uma vez, uma boa risada desatou os nós durante a leitura que fiz. No geral, a importância da teologia inter-religiosa de Peter C. Phan, complementada pelo seu bom humor, mais que compensa a complexidade de seus debates.

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