26 Setembro 2017
Miserando atque eligendo: eis ali a essência e a raiz da missão de Jorge Mario Bergoglio, na meditação proposta para a festa em homenagem ao dia de São Mateus, quinta-feira 21 de setembro, durante a missa celebrada em Santa Marta. O lema que o Papa escolheu para si próprio justamente para relançar a atitude de Jesus em relação ao publicano, é retomado da homilia 21 de São Beda, o venerável, proposta no Departamento de Leitura para a festa litúrgicas do evangelista.
O artigo é publicado por L'Osservatore Romano, 21-09-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
As etapas concretas, passo a passo, da conversão de Mateus – assim como foi fixado na obra-prima de Caravaggio exposta na igreja romana de São Luís dos Franceses - foram repercorridas e atualizadas pelo Pontífice em sua homilia. "Essa passagem retirada do Evangelho de Mateus – ressaltou de imediato o Papa, referindo-se ao trecho sugerido pela liturgia (9: 9-13) - conta a conversão de Mateus: como o Senhor o chamou e escolheu para segui-lo". E "podemos ver isso em três momentos: o encontro, a festa e o escândalo".
"O encontro" em primeiro lugar: "Jesus acabara de curar um paralítico, e enquanto se afastava - talvez para partir e viu na porta os coletores de impostos - encontrou este homem chamado Mateus". E o Evangelho diz, justamente, que Jesus "viu um homem chamado Mateus - e onde estava esse homem? - sentado na coletoria". No final das contas, Mateus "era um dos que cobravam impostos ao povo de Israel, para dá-los aos Romanos: um traidor de seu país". Tanto é assim que esses homens, acrescentou o Papa, "eram desprezados".
Eis que Mateus, Francisco prosseguiu, "se sente olhado por Jesus", que "diz o Evangelho, lhe disse ’siga-me’. E ele levantou-se e seguiu-o". Mas "o que aconteceu?" é a pergunta sugerida por Francisco, tomando como ponto de partida esse encontro. O que convenceu Mateus a seguir o Senhor? "Esse é o poder do olhar de Jesus" - explicou o Pontífice - que "certamente o olhou com tamanho amor, com tanta misericórdia: aquele olhar do Jesus misericordioso", que diz "Siga-me, venha". E Mateus, por sua vez, tinha "um olhar cansado, olhando de lado, com um olho em Deus e outro no dinheiro, agarrado ao dinheiro bem como Caravaggio o retratou: bem assim, segurando e olhando de lado, com um olhar carrancudo e mal-humorado".
Ao contrário, o olhar de Jesus, é "amoroso, misericordioso". Confrontado com esse olhar a "resistência daquele homem que queria dinheiro - era um escravo do dinheiro - cai". O Evangelho diz-nos, de fato, que Mateus "levantou-se e seguiu-o".
Na perspectiva dessa "luta entre a misericórdia e o pecado", afirmou o Pontífice, é importante perguntar-se: "Como o amor de Jesus penetrou no coração daquele homem? Qual foi a porta que o deixou entrar?". O fato, explicou Francisco, é que "aquele homem sabia que era um pecador: sabia que não era bem quisto por ninguém, até mesmo desprezado”. Foi precisamente "a consciência de pecador que abriu a porta para a misericórdia de Jesus e o fez largar tudo e partir”. Pois bem, "o encontro entre o pecador e Jesus: todos os pecadores que encontraram Jesus tiveram a coragem de segui-lo, mas se eles não se consideravam pecadores não podiam segui-lo”. Por esse motivo, salientou o Papa: "a primeira condição para ser salvo é se sentir em perigo; a primeira condição para ser curado é sentir-se doente". Portanto, ele continuou, "sentir-se pecador é a primeira condição para receber esse olhar de misericórdia”. Além disso, Francisco acrescentou, "pensamos ao olhar de Jesus: tão bonito, tão bom, tão misericordioso, e até mesmo nós quando oramos sentimos esse olhar sobre nós: é o olhar do amor, o olhar da misericórdia, o olhar que nos salva" e nos sugere para "não ter medo".
Mateus, afirmou o Papa: "sentiu-se tão feliz e, certamente, embora não conste no texto, convidou Jesus para jantar em sua casa, como o fez também Zaqueu. É o momento da "festa", de fato. "Eles festejaram" disse o Pontífice, evidenciando que “depois daquele encontro acontece a festa, com todos aqueles do mesmo grupo: eram todos iguais. E ele chamou os amigos que também eram assim: pecadores, cobradores de impostos e certamente perguntavam coisas para o Senhor e o Senhor respondia enquanto sentava à mesa na casa”. Portanto, "eles estavam à mesa, comiam juntos com os pecadores: o mesmo aconteceu na refeição que Zaqueu organizou para celebrar a conversão, o encontro com o Senhor”. E "isto nos faz pensar no que Jesus fala no capítulo 15 de Lucas: haverá mais alegria no céu por um pecador que se arrepende do que por noventa e nove justos que não precisam de arrependimento”. Essa é, portanto, "a festa do encontro do Pai, a festa da misericórdia; e Jesus esbanja misericórdia, para todos".
Mas, enquanto o Senhor "sentava à mesa" – esse é o terceiro momento após a reunião e a festa – eis que acontece o "escândalo". O Evangelho, explicou Francisco, nos conta que "chegaram muitos publicanos e pecadores que se sentaram à mesa com Jesus e seus discípulos”. E "vendo isto, os fariseus disseram aos discípulos: ‘por que está acontecendo isso?". Porque, explicou o Papa, "um escândalo sempre começa com esta frase: ‘Mas, por quê? ’". Por isso, acrescentou, "quando vocês ouvirem esta frase, desconfiem: por trás vem um escândalo, vai ter um rebuliço”.
Pois, de fato, os fariseus perguntam aos discípulos: "Mas, por que o vosso Mestre come junto com os publicanos e pecadores? O vosso mestre é um impuro, porque se relacionar com essas pessoas é contagioso". Para eles, "é a doença, a impureza de não seguir a lei, e a lei diz que você não pode ficar junto com eles”. Aliás, são pessoas que repetem que "a lei diz, a doutrina diz...: eles conheciam bem a doutrina, a conheciam muito bem, sabiam o que devia ser feito para continuar no caminho do reino de Deus, conheciam melhor que todos o que devia ser feito". Mas, ressaltou o Papa, "tinham esquecido o primeiro mandamento do amor e ficaram encerrados na prisão dos sacrifícios: ‘Vamos fazer um sacrifício a Deus, vamos respeitar o sábado e tudo que for preciso fazer, e assim nos salvaremos’". Mas não, repetiu Francisco, porque "quem nos salva é Deus, é Jesus Cristo que nos salva, e eles não haviam entendido, sentiam-se seguros, acreditavam que a salvação vinha deles”.
Por esta razão perguntam aos discípulos: "Por quê?": justamente o mesmo "’por que’ que tantas vezes ouvimos entre os fiéis católicos quando veem as obras da misericórdia: por quê?”. Por seu lado, no entanto, "Jesus é claro, é muito claro: ‘Ide aprender'“. Portanto, "os envia a aprender: ‘Ide aprender o que significa misericórdia, o que eu quero, e não sacrifícios, porque eu não vim, de fato, para chamar os justos, mas os pecadores’". Portanto, afirmou o Pontífice: "se você quiser ser chamado por Jesus, reconheça-se como pecador”.
Claro, "alguém pode dizer: ‘Padre, mas é realmente uma graça se sentir pecador? ’. Sim, porque significa ‘sentir a verdade’. Mas ‘não pecador de forma abstrata: pecador por isso, por aquilo por aquilo outro. Pecado concreto, pecados concretos! E todos nós temos tantos!". Então, "vamos ali e nos deixemos olhar por Jesus com aquele olhar misericordioso, cheio de amor".
Aqui, então, disse Francisco retomando os pontos essenciais de sua meditação, "o encontro entre a misericórdia e o pecado; a festa, porque Jesus nos disse que há uma festa quando um pecador se converte; e sempre o escândalo, há tantos, demais, sempre, e até mesmo na Igreja hoje". Talvez "eles digam: não, não é possível, tudo está claro, bem claro, não, não, aqueles são pecadores e precisamos afastá-los”. E "inclusive muitos santos foram perseguidos ou suscitaram suspeitas: basta pensar em Santa Joana d'Arc, enviada para a fogueira, porque pensavam que ela fosse uma bruxa e condenada: uma santa! Basta pensar em Santa Teresa, suspeita de heresia, pensar no beato Rosmini".
Em sua conclusão, o Papa relançou a expressão evangélica: "Misericórdia eu quero, não sacrifícios", recordando que "a porta para encontrar Jesus é nos reconhecermos como somos, na verdade: pecadores. E ele vem e nos encontramos: como é bom encontrar Jesus!".
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