19 Setembro 2017
“Na Igreja, não só não temos um lugar para a recomposição dos conflitos, mas também não temos um espaço para um debate honesto e leal de posições diferentes de crença. Nisso, somos exatamente iguais ao mundo, incapazes de pôr em um círculo uma diferença cristã, mesmo que mínima e necessária.”
A opinião é do teólogo e padre italiano Marcello Neri, professor da Universidade de Flensburg, na Alemanha, em artigo publicado por Settimana News, 18-09-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Washington, 15 de setembro de 2017. Um lugar, uma data – mas se trata de algo que diz respeito a todos nós, a toda a Igreja Católica. Sinal de uma incapacidade geral de organizar as nossas disputas dentro de uma comunidade fraterna.
Em um breve comunicado, o Seminário Nacional da Universidade Católica dos Estados Unidos anunciou ter retirado o convite dirigido ao Pe. James Martin, SJ de realizar a conferência sobre “Encontrar Jesus: o Jesus da história e o Cristo da fé”, por ocasião do encontro anual dos ex-alunos do seminário.
Uma decisão tomada com desagrado pela direção do seminário, depois de ter consultado os vários oficiais e de ter sido aceita cordialmente pelo jesuíta. Pelo menos aqui parece que foi possível entender-se mutuamente.
A razão da revogação do convite é um sinal dos nossos tempos, do poder implacável da invisibilidade da rede: “Desde a publicação de seu livro [do Pe. Martin], Building a Bridge: How the Catholic Church and the LGBT Community Can Enter Into a Relationship of Respect, Compassion and Sensibility [Construindo uma ponte: como a Igreja Católica e a comunidade LGBT podem estabelecer uma relação de respeito, compaixão e sensibilidade], o Theological College experimentou uma crescente resposta negativa por parte de vários sites de mídia social sobre o convite feito pelo Seminário”.
Sabe-se que as respostas da rede, sejam positivas ou negativas, são facilmente manipuláveis; basta qualquer mínima habilidade em informática para criar uma sobrerrepresentação ad hoc. Estamos todos um pouco à mercê dessa força imponderável, dos políticos que vivem em uma situação de permanente e interminável processo eleitoral à construção da nossa imagem pessoal ligada ao número de “curtidas” e contatos, até a própria Igreja.
Mas não é esse o problema crucial revelado pelo caso estadunidense. O nó da questão está na nossa desarmante incapacidade, dentro da Igreja Católica, de uma gestão gentil e respeitosa das diferenças de opinião, até mesmo sobre questões cruciais para a fé e para as vivências humanas. Sobre isso, parece que não somos capazes de nos distinguir em nada do espírito descomposto e agressivo do nosso tempo.
Não só não temos um lugar para a recomposição dos conflitos, mas também não temos um espaço para um debate honesto e leal de posições diferentes de crença. Nisso, somos exatamente iguais ao mundo, incapazes de pôr em um círculo uma diferença cristã, mesmo que mínima e necessária.
Muitas vezes, valemo-nos de todos os meios disponíveis para desacreditar e atacar o “inimigo”, o outro que não pensa como nós, sem levar minimamente em conta que, quer nos agrade ou não, é um irmão ou uma irmã na fé. E, muitas vezes, estamos prontos para todo o tipo de pacto com as potências mundanas, a fim de podermos nos afirmar sobre quem tem visões diferentes das nossas.
Totalmente incapazes de nos convidar reciprocamente para nos ouvirmos e até mesmo para brigarmos, cada um cria um espaço (virtual ou real) feito à sua imagem e semelhança, e o usa como cabeça de ponte para aniquilar aqueles que estão do outro lado. Sem se perguntar minimamente as razões das suas posições ou, pior ainda, pressupondo que as conhece bem até demais – e, portanto, que está legitimado a tudo (pelo bem da Igreja, é claro, de qualquer parte da contenda em que se esteja).
É possível que esses irmãos e irmãs na fé, que têm um “sentir” católico diferente, tenham todos enlouquecido de repente, tenham todos segundas intenções recônditas e estejam desprovidos de qualquer migalha de honestidade? Todos, sem qualquer exclusão, só porque não sentem a fé como nós? É possível que não haja nada que possamos aprender com eles, se apenas aprendêssemos a arte de nos aproximar ao que nos é estranho, àquilo que não pertence imediatamente às nossas cordas e à nossa experiência?
Depois de mais de 50 anos de inútil contenda, de um conflito interno à Igreja que deixou todos exangues, ainda não conseguimos entender que termos como “progressista” ou “conservador”, “conciliar” ou “anticonciliar” são abstrações violentas, que não sabem honrar em nada a realidade concreta de vivências da fé.
Talvez, tivemos um momento em que poderíamos ter dado um primeiro passo para nos acolhermos mutuamente, para tentar começar a entender as justas razões de quem sente a Igreja, a fé, a doutrina de maneira diferente da nossa. Deixamo-la escapar, sem compreender o porte dessa grave falta, dessa omissão da qual todos somos responsáveis.
O resultado a que chegamos, que não faz bem a ninguém entre nós, irmãos e irmãs no Senhor, é que, em ocasiões como a de Washington, a Igreja Católica corre o risco de se tornar quase impossível de se olhar.
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A difícil reconciliação na Igreja. Artigo de Marcello Neri - Instituto Humanitas Unisinos - IHU