05 Setembro 2017
"Enfim, as mudanças climáticas já estão afetando as gerações presentes e tendem a agravar muito a situação das gerações futuras. Cidades, como Houston e Nova Orleans podem ter prejuízos permanentes e, no longo prazo, podem ter grandes áreas tornadas inabitáveis. O número de mortes em Houston foi relativamente pequeno, mas o prejuízo financeiro foi muito grande. No caso de Nova Deli e das inundações da Índia e Bangladesh os prejuízos econômicos não foram tão grandes, mas o número de vítimas fatais foi bem mais acentuado. Esta é a nova realidade do Antropoceno: desastres “naturais” cada vez mais danosos e mais amplos", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 04-09-2017.
O furacão Harvey que atingiu a cidade de Houston e várias outras cidades do Texas e da Louisiana nos Estados Unidos (que matou cerca de 50 pessoas) não foi o único desastre climático que casou danos no final de agosto de 2017. Fortes chuvas também atingiram a cidade de Qinzhou na China e os efeitos das monções provocaram grandes inundações na Índia e no Sul da Ásia, deixando cerca de mil e duzentas pessoas mortas e mais de um milhão forçadas a abandonar os seus lares.
Mas em termos de danos materiais (medidos em dólar corrente), o furacão Harvey foi o que fez mais estragos e mais chamou a atenção do mundo. A cidade de Houston tem pouco mais de 2 milhões de habitantes, mas a região metropolitana tem cerca de 6 milhões de habitantes. É a quarta maior região metropolitana dos Estados Unidos e com uma economia que se coloca entre as 25 mais ricas do mundo.
Dois dos maiores portos foram fechados. Houston é um centro fundamental na infraestrutura energética dos EUA, com cerca de 30% da capacidade de refino. Houve também o fechamento temporário das plataformas de extração de petróleo e gás natural no golfo de México. Uma indústria de produtos químicos, situada no Condado de Harris, a cerca de 25 quilômetros de Houston, sofreu duas explosões no dia 31 de agosto, após as inundações.
A maior refinaria dos EUA está localizada em Port Arthur, propriedade da saudita Arabian Oil, e tem capacidade para produzir o equivalente a 600.000 barris diários de combustível. Também fica na região a refinaria de Pasadena da Petrobras, aquela que valia alguns milhões, mas foi comprada por mais de um bilhão de dólares e está enferrujando e sem produzir nada (a não ser propinas para os corruptos e prejuízos para os brasileiros).
A ironia dessa história é que a indústria dos combustíveis fósseis – que é extremamente forte no Texas – sempre financiou (a peso de ouro) estudos divulgando a narrativa de que o aquecimento global é uma fraude. A indústria fóssil foi a principal força por trás da eleição de Donald Trump, que desde que assumiu o governo, em 20 de janeiro de 2017, tem se empenhado em desqualificar as evidências científicas que comprovam as mudanças climáticas. Além de retirar os EUA do Acordo de Paris, Trump reduziu o orçamento da Agência Ambiental Americana (EPA) e ordenou a retirada de todas as informações sobre aquecimento global dos sites das organizações federais. Também, reverteu os regulamentos introduzidos por Obama para estabelecer um padrão nacional de gerenciamento de riscos de inundação e cancelou as medidas que garantiriam mais investimentos para obras contra enchentes no país.
Ao longo da história, os furacões e as tempestades tropicais classificaram-se entre os desastres naturais mais caros nos Estados Unidos, sendo que nos últimos 20 anos, aconteceram nove dos dez furacões mais caros de todos os tempos. O furacão Katrina (que atingiu violentamente Nova Orleans em 2005) foi o mais desastroso e causou prejuízos de cerca de US$ 105 bilhões. O furacão Sandy que atingiu o sul de Nova Iorque (2012) causou prejuízos de US$ 30 bilhões. Ainda não foi feito um balanço final dos danos do furacão Harvey, mas os custos econômicos podem superar aqueles do Katrina. Segundo o jornal USA Today (31/08/2017), o furacão Harvey pode ser o desastre natural mais caro na história dos EUA, com prejuízos potenciais de US$ 190 bilhões.
Portanto, não há dúvida de que os eventos climáticos extremos já estão provocando perdas tremendas. Mas ainda há muita gente (rica) que considera que estes furacões são fenômenos naturais e não estão relacionados com o aquecimento global e o efeito estufa gerado pela emissão de gases liberados pelas crescentes atividades antrópicas.
O renomado cientista Michel Mann, em artigo para o jornal The Guardian, considera que existem várias maneiras de como o impacto das atividades humanas já influencia no agravamento dos eventos climáticos extremos. No caso do furacão Harvey, ele considera que o aumento da temperatura da superfície do mar na região aumenta a umidade do ar, sendo que, segundo a equação de Clausius-Clapeyron, há um aumento de aproximadamente 3% no teor médio de umidade atmosférica para cada 0.5º C de aquecimento da superfície dos oceanos. Essa grande quantidade de umidade cria o potencial de chuvas muito maiores e maiores inundações. Assim, a combinação de inundações costeiras e chuvas fortes foi a responsável pelas devastadoras inundações que Houston enfrentou.
O artigo de Mann, finaliza mostrando que há sim um efeito do aquecimento global antrópico sobre o furacão Harvey: “Em conclusão, embora não possamos dizer que a mudança climática ”causou” o furacão Harvey (que é uma pergunta mal colocada), podemos dizer que exacerbou várias características da tempestade de forma que aumentou muito o risco de danos e perda de vidas. As mudanças climáticas pioraram o impacto do furacão Harvey”.
Enfim, as mudanças climáticas já estão afetando as gerações presentes e tendem a agravar muito a situação das gerações futuras. Cidades, como Houston e Nova Orleans podem ter prejuízos permanentes e, no longo prazo, podem ter grandes áreas tornadas inabitáveis. O número de mortes em Houston foi relativamente pequeno, mas o prejuízo financeiro foi muito grande. No caso de Nova Deli e das inundações da Índia e Bangladesh os prejuízos econômicos não foram tão grandes, mas o número de vítimas fatais foi bem mais acentuado. Esta é a nova realidade do Antropoceno: desastres “naturais” cada vez mais danosos e mais amplos.
O meteorologista Eric Holthaus mostra que as mudanças climáticas tornaram as tempestades mais intensas e mais prováveis em todo lugar, mas particularmente na Costa do Golfo do México. Desde a década de 1950, Houston teve um aumento de 167% na frequência dos aguaceiros. Ele cita o cientista Kevin Trenberth, que considera que até 30% das chuvas trazidas pelo Harvey podem ser atribuíveis ao aquecimento global antrópico. Ele diz:
“Mas há um ponto incômodo que, até agora, todos estão patinando: sabíamos que isso aconteceria, décadas atrás. Sabíamos que isso aconteceria e não nos importamos. Agora é a hora de dizer o mais alto possível: Harvey é a cara das mudanças climáticas. Mais especificamente, Harvey é o que a mudança climática parece em um mundo que decidiu, uma e outra vez mais, que não quer levar as mudanças climáticas a sério”.
Em entrevista para o site Democracy Now (30/08/2017), o cientista James Hansen, pioneiro do estudo do aquecimento global, considera que há uma forte ligação entre as mudanças climáticas e a maior força dos furacões. Harvey foi o mais danoso evento climático a atingir Houston e os EUA. Mas certamente não será o único. Por falar nisto, já está se chegando ao Caribe e ao Golfo do México o furacão Irma, que também pode ter efeitos devastadores.
Artigo da Bloomberg (31/08/2017) mostra que a inundação de Houston não é apenas uma questão climática, mas também de planejamento urbano, pois a maior cidade do Texas foi construída em uma área de pântanos e imprópria para a expansão desregrada da cidade. O certo, é que novas inundações devem ocorrer com o agravamento do aquecimento global.
Evidentemente os negacionistas climáticos estão equivocados e não contribuem para o princípio da precaução. Como disse o sociológico Ulrich Beck, no livro “Sociedade de Risco”, as mudanças climáticas vão afetar todas as regiões do mundo (ricas e pobres) e fazem parte da dinâmica da globalização dos riscos. São “incertezas fabricadas” que podem gerar uma grande catástrofe global. Segundo Beck, estas “incertezas fabricadas” caracterizam-se por três aspectos: “deslocalização” (suas causas e consequências não se limitam a um local ou espaço geográfico – são onipresentes); “incalculabilidade” (são incalculáveis); e “não-compensabilidade” (é o fim do sonho da segurança da modernidade em tornar os perigos cada vez mais controláveis).
Na medida em que o crescimento econômico e populacional continua aumentando as atividades antrópicas e a concentração de CO2 na atmosfera, o aquecimento global passa a ser o elo fraco da corrente e se torna a grande ameaça para a civilização no século XXI. Como disse Beck, no conflito ecológico da sociedade de risco (do Antropoceno): “o que está em jogo são negatividades: perdas, devastação, ameaças”.
Referências:
BECK, Ulrich. Sociedade de Risco. Rumo a uma Outra Modernidade. São Paulo: Editora 34, 2010.
MANN, Michael. It’s a fact: climate change made Hurricane Harvey more deadly, The Guardian, 28/08/2017
HOLTHAUS, Eric. Harvey Is What Climate Change Looks Like, Politico, 28/08/2017
James Ayre. South Asia’s Worst Monsoon Flooding In Years 1,200 Dead Across India, Bangladesh, & Nepal, August 30th, 2017
Peter Coy and Christopher Flavelle. Harvey Wasn’t Just Bad Weather. It Was Bad City Planning, Bloomberg, 31/08/2017
Doyle Rice. Harvey to be costliest natural disaster in U.S. history, estimated cost of $190 billion, USA TODAY, 31/08/2017
Democracy Now. Dr. James Hansen: There Is a Clear Link Between Climate Change and Stronger Hurricanes, 30/08/2017
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O Furacão Harvey e os desastres climáticos no Antropoceno - Instituto Humanitas Unisinos - IHU