28 Agosto 2017
Roberto (nome fictício) saiu de casa há dez anos. Morador de Governador Valadares (MG), foi tentar a vida nos EUA, atravessando a fronteira do México. Nunca mais apareceu. Seu filho, hoje adolescente, não fala sobre o assunto. A família evita até supor o que pode ter acontecido com ele.
A reportagem é de Daniel Antunes e Leonardo Augusto, publicada por O Estado de S. Paulo, 27-08-2017.
Um amigo, que não quis ter o nome revelado, conta o que ocorreu com Roberto antes da viagem. Ele teria sido abordado em Governador Valadares por um coiote. “O pessoal cobrou US$ 10 mil para fazer a travessia e, 30 dias depois de sair de casa, ligaram do México pedindo mais dinheiro, sob a ameaça de que não veriam mais o rapaz. E não viram mesmo”, contou o amigo. O dinheiro pedido não foi enviado. “Aqui ninguém gosta de falar nesse assunto. Ninguém sabe se está vivo ou morto”, acrescentou.
Histórias parecidas se repetem em todo o leste de Minas Gerais. Apenas este ano, quatro moradores da região morreram na tentativa de chegar aos EUA. Em 2004, Jorge (outro nome fictício), passou 90 dias em uma prisão americana, aguardando a deportação, depois de ser pego na cidade de McAllen, no Texas.
“Quando fui abordado por um ‘cônsul’ (apelido dado a quem alicia pessoas para emigrar ilegalmente), a promessa era a de que em até duas semanas estaria em Boston, onde já tinha um emprego garantido como pintor”, recordou Jorge, que na época tinha 20 anos e havia acabado de se casar. “A ideia era ficar dois ou três anos e juntar um dinheiro para montar algum negócio em Valadares”, disse.
Na época, o plano de entrar ilegalmente nos EUA custava US$ 8,5 mil, incluindo o valor da passagem do Aeroporto Internacional de São Paulo até a Cidade do México, onde foi recebido por um grupo mexicano e levado em uma van até a cidade de Reynosa, na fronteira com os EUA. “Fiquei numa casa esperando o melhor momento de cruzar a fronteira. A travessia das águas geladas do Rio Bravo foi feita numa boia de pneu de caminhão”, contou.
Depois de preso, Jorge passou por oito cadeias. Numa delas, ficou três dias sem água, porque o sistema de abastecimento apresentou falhas. Em audiência, aceitou a deportação. “Se pagasse a fiança, poderia ficar até seis meses nos EUA aguardando julgamento. Poderia ter vivido ilegalmente, mas o drama de ficar preso, sem contato com a família e sem saber o que aconteceria, me fez mudar de ideia. Só queria voltar para casa, abraçar minha mulher e meus pais”, afirmou.
Em 2005 F.L., de 35 anos, também viveu um pesadelo ao tentar cruzar a fronteira do México com os EUA. Abandonado pelos coiotes quando agentes da polícia de imigração se aproximavam do grupo, o rapaz conseguiu se esconder. Ficou uma semana ao lado de outro brasileiro tentando atravessar a fronteira. “Não tínhamos documentos nem dinheiro.”
A água acabou logo depois. “Durante o dia, escavávamos buracos nas margens da rodovia e ficávamos deitados, enquanto carros da polícia passavam na estrada. À noite, quando as temperaturas baixavam, caminhávamos tentando chegar em alguma cidade para pedir ajuda”, disse. Quando estavam decididos a se entregar, os dois brasileiros finalmente chegaram à cidade de Laredo, no Texas.
“Não falamos inglês. Acho que foi Deus quem me orientou e consegui ligar a cobrar para o Brasil de um telefone público. Chorei muito ao ouvir a voz da minha mãe e pedi a ela que entrasse em contato com as pessoas que tinham agenciado minha travessia, para que pudesse concluir o acordo e me levar para Newark, no Estado de New Jersey”, contou F.L., que viveu ilegalmente nos EUA até o fim de 2015. “Fiquei 10 anos, consegui juntar um bom dinheiro, mas não faço isso novamente. Durante a travessia, nossas vidas dependem da boa vontade de pessoas que lidam com o tráfico de drogas e prostituição.”
Em 2007, Priscila (também nome fictício), contrariando os pais, abandonou os estudos e pagou US$ 15 mil, arriscando a vida em uma rota alternativa para os EUA. A estratégia era entrar numa embarcação precária, passando pela Guatemala, até chegar a Porto Rico e, em seguida, até a Flórida.
“Tive medo se ser estuprada ou assassinada. As pessoas faziam uso de drogas e bebidas o tempo todo. Fiquei sem contato com meus parentes e a alimentação era restrita”, contou Priscila, que foi presa em Porto Rico quando a polícia encontrou drogas no barco. “Fiquei 90 dias numa penitenciária, sob acusação de tráfico de drogas e imigração ilegal, sofrendo todo tipo de pressão psicológica. Só sabia chorar.
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