16 Agosto 2017
“A agência Habeshia apela à comunidade internacional e à sociedade civil de toda a Europa, para que contestem as escolhas das instituições políticas da UE e dos estados membros e incitem a uma reformulação radical, revogando todas as decisões de bloqueio, estabelecendo canais legais de imigração e reformando o sistema de acolhimento, hoje distinto de país para país, para chegar a um programa único com cotas obrigatórias, compartilhado, aceito e aplicado por todos os Estados da União Europeia”, escreve Padre Mussie Zerai, a presidente da Agência Habeshi, em artigo publicado por Il Manifesto, 15-08-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
O bloqueio para os navios de ONGs a 97 milhas ao largo da costa africana, ordenado pelo Governo de Trípoli com o aval da Itália e da União Europeia, fecha o círculo do que parece ser quase uma guerra contra os migrantes no Mediterrâneo.
A situação das ajudas para os barcos carregados de refugiados que pedem asilo e refúgio na Europa é similar a que existia logo após a abolição do projeto Maré Nostrum quando, em virtude dos navios terem que partir de centenas de quilômetros de distância para responder aos pedidos de ajuda, houve uma imediata multiplicação das vítimas e dos sofrimentos. Não por acaso, primeiros os Médicos Sem Fronteiras e depois também a Save the Children e a Sea Eye.
Decidiram suspender as operações de salvamento no mar: é muito grande a distância a ser percorrida para poder lidar com eficácia em emergências em que até um minuto de atraso pode ser decisivo e, acima de tudo, é muito arriscado - por si só, e mais ainda para os migrantes - desafiar as ameaças da Guarda Costeira da Líbia, que não hesita em disparar contra as unidades de resgate, como evidencia uma longa série de episódios, incluindo o relato dos últimos dias da ONG espanhola Proactiva Open Arms.
A decisão de dar "carta branca" para a Líbia para que ela, procedendo a verdadeiros bloqueios em massa, assuma o trabalho sujo de parar os refugiados e os migrantes antes mesmo que possam embarcar ou a poucas milhas da costa, é o capítulo final de uma política que, iniciada com o Processo de Rabat (2006) , com o processo de Khartoum (novembro de 2014), com os acordos de Malta (novembro 2015) e o pacto com a Turquia (março de 2016), objetiva estender até o Saara as fronteiras da Fortaleza Europa, rechaçando para fora dessa barreira milhares de pessoas desesperadas em busca apenas de salvação contra guerras, perseguições, fome, miséria e prendendo na armadilha do caos líbio aqueles que conseguem entrar ou são interceptados no mar e levados à força de volta para a África. Tudo isso independentemente da liberdade, da vontade e das histórias individuais dos migrantes, pisando sobre os direitos reconhecidos pelas normas internacionais e pela Convenção de Genebra, e sem levar em consideração o destino que os espera, na Líbia, em centros de detenção governamentais, em prisões-lager de traficantes, ao longo da árdua marcha do deserto até a costa do Mediterrâneo.
Um destino terrível, como denunciam, há anos, em dezenas de relatórios, a missão da ONU na Líbia, a ACNUR, a OIM, a Oxfam, ONGs como a Amnesty, Human Rigts Watch, Médicos Sem Fronteiras, Médicos para os Direitos Humanos, numerosas organizações humanitárias, diplomatas, jornalistas e voluntários. Relatórios que revelam assassinatos, escravidão, estupros sistemáticos, trabalho forçado, abusos e violência de todos os tipos como prática corriqueira.
Não é coincidência que o promotor Fatu Bensouda anunciou desde maio do ano passado, diante ao Conselho de Segurança da ONU, que o Tribunal Penal Internacional abriu uma investigação sobre o que está acontecendo com os migrantes na Líbia nos chamados "centros de acolhimento" e sobre determinados episódios que envolvem a própria Guarda Costeira, aventando até mesmo a hipótese de "crimes contra a humanidade".
Todos que forem artífices dessa política de restrição à imigração e de fechamento total e todos que a defenderem – passando por cima, entre outras coisas, do fato que a Líbia sempre se recusou a assinar a Convenção de Genebra sobre os direitos dos refugiados – irão se tornar cúmplices de todos esses horrores, e cedo ou tarde serão chamados a prestar contas, inclusive diante de um tribunal de justiça. No amanhã certamente diante da História, mas hoje, ao que tudo indica, também diante de um tribunal de justiça. Não faltam, de fato, vários apelos em diversas cortes da Europa promovidos por juristas, associações e ONGs, e o próprio Tribunal Permanente dos Povos, na sessão convocada em Barcelona no dia 7 de julho, colocou no centro da sua instrução a relação entre causa-efeito entre as políticas europeias de imigração e o massacre em curso.
À luz de tudo isto, a agência Habeshia apela à comunidade internacional e à sociedade civil de toda a Europa, para que contestem as escolhas das instituições políticas da UE e dos estados membros e incitem a uma reformulação radical, revogando todas as decisões de bloqueio, estabelecendo canais legais de imigração e reformando o sistema de acolhimento, hoje distinto de país para país, para chegar a um programa único com cotas obrigatórias, compartilhado, aceito e aplicado por todos os Estados da UE.
Para todos os meios de comunicação e a cada jornalista individualmente, a agência Habeshia lança um apelo para que relatem dia a dia as mortes e os horrores que ocorrem no inferno a que os migrantes são condenados na Líbia e nos outros países de trânsito ou de primeira parada, pela política da Fortaleza Europa, preocupada apenas em blindar cada vez mais suas fronteiras, sem oferecer nenhuma alternativa de salvação às pessoas desesperadas que batem às suas portas. Hoje, mais do que nunca, torna-se imprescindível uma informação precisa, detalhada, pontual e contínua para que ninguém possa dizer “Eu não sabia...”.
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A UE abandona os refugiados. É hora de gritar "Não" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU