28 Julho 2017
A quarta-feira marcou o primeiro ano do assassinato do padre Jacques Hamel na Normandia, França, em 26 de julho de 2016. Hoje há um processo para tornar Hamel santo, e há várias razões fortes pelas quais seu legado é importante. Ele nos lembra, por exemplo, de que o antigo martírio ainda ocorre e que mesmo os fiéis mais simples são capazes de grande heroísmo quando a situação complica.
A reportagem é de John L. Allen Jr., publicada por b, 27-07-2017. A tradução é de Luísa Flores Somavilla.
A quarta-feira marcou o aniversário de um ano de um dos eventos mais horríveis que nos lembram da realidade da perseguição contemporânea aos cristãos em todo o mundo: o terrível assassinato do padre francês Jacques Hamel, de 85 anos, em 26 de julho de 2016, durante uma missa matinal na igreja de Sant-Étienne-du-Rouvray na Normandia, França, por dois homens que professavam lealdade ao ISIS.
Em partes por ter acontecido exatamente durante a abertura da Jornada Mundial da Juventude de 2016, na Cracóvia, na Polônia, o assassinato imediatamente chocou a imaginação católica e conferiu destaque aos cristãos vítimas do ódio por questões religiosas em todo o mundo.
Claire Giangravé, do Crux, estava na pequena igreja de Saint-Étienne-du-Rouvray, na Normandia, para uma missa comemorativa na quarta-feira, na qual o presidente francês Emmanuel Macron estava presente, e o arcebispo de Rouen, Dominque Lebrun, declarou: "apesar de ter falecido, o padre Jacques Hamel ainda vive".
"O ódio não venceu e não vencerá", afirmou.
Atualmente, tramita um processo que pode torná-lo santo. Sua irmã, Roselyne, que encontrou o papa Francisco no final de abril durante uma celebração aos mártires contemporâneos em Roma, falou com Giangravé sobre o legado de seu irmão.
"Meu irmão tornou-se ‘irmão de todos’", disse ela. "Não podemos esquecer que alguns minutos antes de morrer este padre estava orando pela paz no mundo inteiro, pela paz entre os povos."
Surpreende o fato de ela não ter expressado rancor em relação à comunidade muçulmana; pelo contrário, ela exprimiu preocupação com a generalização da culpa. Ela frequentemente se reúne com comunidades muçulmanas na França em busca de "um encontro e para compartilhar uma melhor compreensão".
Nesse ponto, ela claramente reflete o irmão, que era um grande amigo de Mohammed Karabila, presidente do Conselho Regional de Muçulmanos da Normandia.
Esse espírito de generosidade, de preocupação em relação aos outros, apesar do próprio sofrimento, por si só já diz tudo a respeito da importância do marco da quarta-feira.
No entanto, há várias razões fortes para preservar o legado de Hamel. Ontem, no Crux, Chris White apresentou uma deles: a reação ao caso, extraordinariamente unificada em toda a Igreja da França, é um antídoto poderoso contra as tensões tribais atuais.
Seguem outros três pensamentos sobre por que a vida, a morte e o legado de Hamel oferecem lições valiosas não apenas para a França, mas para toda a Igreja.
Em primeiro lugar, o caso nos lembra de que, embora muitas das vítimas de perseguição cristã hoje não cumpram os requisitos tradicionais para serem mártires - uma das principais razões para o papa Francisco ter acabado de acrescentar uma nova via para a santidade, chamada "oferta de vida", ou seja, oferecer a própria vida pela do próximo -, alguns claramente ainda cumprem.
No caso de Hamel, restam poucas dúvidas de que sua morte foi in odium fidei, que significa "por ódio à sua fé". Ele não era conhecido por nenhuma posição política ou social e tinha muito pouca visibilidade pública.
Quando os assassinos cortaram sua garganta enquanto ele celebrava a missa, eles estavam matando um padre católico, por desprezarem o que ele acredita e representa. Inclusive a reação de Hamel, ao gritar “Afasta-te satanás!” quando eles o agarraram, coloca sua morte em um contexto claramente religioso.
Em outras palavras, Hamel ilustra que não há uma fronteira clara entre hoje e séculos atrás em relação aos riscos que os cristãos correm, e ainda há muitos mártires tradicionais hoje em dia.
Em segundo lugar, Hamel também nos lembra da natureza global das ameaças enfrentadas pelos cristãos hoje - e por todas as minorias religiosas que sofrem algum tipo de perseguição.
Sim, Hamel foi morto na Normandia, mas seus assassinos inspiravam-se em um movimento radical islâmico originados no Iraque e na Síria. Outro toque poético é que o padre que o sucedeu na igreja de Saint-Étienne-du-Rouvray é da República Democrática do Congo, outra nação que teve muito mais mártires cristãos contemporâneos do que seria justo.
Em outras palavras, Hamel nos lembra de que a "Igreja sofredora" hoje não se localiza em uma única região do mundo, como a Igreja por trás da Cortina de Ferro durante a Guerra Fria, mas está em qualquer lugar que apresente condições para isso.
Em terceiro lugar, ele é um exemplo clássico de uma das lições mais profundas dos mártires: apesar de todas as angústias e frustrações que algumas vezes podemos vivenciar na Igreja, ainda há algo tão precioso na fé que quando a situação complica as pessoas comuns, sem qualquer intenção de serem heroínas, pagam com sangue.
Como declarou Lebrun em uma entrevista recente, Hamel foi "um sacerdote simples e exemplar. Talvez exemplar por ser simples".
Se perguntar às pessoas em Saint-Étienne-du-Rouvray hoje como eles lembram de Hamel, disse Lebrun, eles vão te dizer "ele fez batismos, celebrou casamentos, pregou, celebrou a missa com fidelidade e era bem integrado em sua cidade".
"É o mesmo que os padres fazem todos os dias na Austrália, no Quênia, na Índia, na América Latina", afirmou. "Ele não era um sacerdote da mídia, era um sacerdote diocesano e só, e isso dialoga com toda humanidade."
Certamente tudo isso contribui para que Hamel mereça uma auréola, não é mesmo?
Sobre a santidade de Hamel, Lebrun é cauteloso, advertindo que "a justiça serena é uma justiça lenta".
Em 2016 o Papa Francisco declarou que Hamel era um "mártir" e abriu mão do período normal de cinco anos para iniciar o processo - em partes, explicou Lebrun, porque os sobreviventes do ataque à igreja precisam dar seu testemunho e muitos deles estão em idade avançada.
Até agora, segundo ele, dez das 69 testemunhas foram ouvidas por um tribunal encarregado para lidar com o caso e o tribunal ainda pode decidir chamar outras pessoas. Ele acredita que os resultados ainda devem levar de um a três anos para chegar a Roma e não se sabe em quanto tempo depois disso o processo seria concluído - pressupondo, claro, que Francisco não opte por fazer o que ele fez em outros casos, encurtando processo e santificando Hamel por sua própria autoridade pessoal.
Enquanto isso, Lebrun diz que já observa frutos do mártir: não houve absolutamente nenhum conflito na arquidiocese durante o último ano sobre coisas simples que muitas vezes causam tensões diante da morte de um padre, como a organização do seu apartamento e quando esvaziá-lo para utilização pelo próximo pastor, o horário e local da missa de falecimento, quem deve se beneficiar da partilha de bens ou não, e assim por diante.
"Não fiquei sabendo de conflitos causados por divergência de opiniões, o que é muito raro", disse Lebrun.
"O padre Hamel trouxe paz!"
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Por que o legado do padre Jacques Hamel pertence a toda a Igreja - Instituto Humanitas Unisinos - IHU