27 Julho 2017
Uma milícia com 30 homens armados invadiu e destruiu no início da madrugada desta quarta (26) o Acampamento Carlos Leite, que abriga 50 famílias numa área pública municipal na periferia de Crateús (CE). O acampamento é liderado pela Frente Social Cristã, uma organização fundada há 50 anos na cidade, inicialmente por iniciativa da Igreja Católica e hoje integrada também por protestantes, espíritas e pessoas das diversas religiões afro, com um protagonismo marcante das Comunidades Eclesiais de Base (CEBs). Homens e mulheres foram agredidos, vários deles precisaram ser hospitalizados, e as barracas foram incendiadas quando ainda havia crianças dormindo em seu interior.
A reportagem é de Mauro Lopes, publicada no blog Caminho Prá Casa, 26-07-2017.
A ação foi comandada por Assis Oliveira, corretor de imóveis da cidade, que afirmou estar no local a mando da empresa Mãe Rainha Urbanismo, que tem um empreendimento vizinho à área municipal. Apesar de o ataque ter durado mais de meia hora, não houve presença da PM nem da Polícia Civil no local. Um dos líderes da Frente Social Cristã, Marcos Eldênio, afirmou ao Caminho Pra Casa que “foi tudo muito triste. Aqui é uma área pública municipal, não pertence ao empreendimento Mãe Rainha. Uma milícia de 30 homens invadiu o acampamento de madrugada para bater nos trabalhadores e trabalhadoras, ateou fogo nas barracas com crianças dentro, uma violência sem tamanho. As famílias estavam aqui pacificamente, num processo de diálogo com a Prefeitura e esses milicianos vieram aqui para intimidar? Para quê? Vão querer tomar a área pública para o empreendimento deles?”.
Veja o vídeo feito pelas famílias logo depois do ataque:
No começo da tarde as famílias começaram a reconstruir o acampamento e, às 17h, teve início uma celebração, para onde acorreram pessoas das pastorais sociais da Igreja Católica, assim como padres e diáconos, pastores e fiéis de outras igrejas, das CEBs da região e de movimentos sociais como o MST. “Vamos reconstruir”, disse Eldênio. Ele contou que nos 50 anos da Frente Social Cristã a organização liderou dezenas de ocupações que deram origem a bairros hoje considerados tradicionais em Crateús: “os pobres daqui sabem que têm direito a moradia digna e lutam por isso”.
Crateús, com mais de 70 mil habitantes, integra uma região de histórica inserção da Igreja entre os mais pobres. Em 1964, dom Antônio Fragoso (1920-2006) foi nomeado como o primeiro bispo da diocese. Ele foi um dos líderes da Teologia da Libertação no país e teve atuação destacada na defesa dos direitos humanos em toda a América Latina, tornando-se grande amigo do argentino e Prêmio Nobel da Paz Adolfo Pérez Esquivel; fundaram juntos em 1974 o Serviço Paz e Justiça na América Latina, organização consultiva da ONU.
A herança de dom Fragoso é patente na cidade: “Dom Fragoso e padre Alfredinho foram nossos professores”, disse Eldênio. Padre Alfredinho (Fredy Kunz, 1920-2001) viveu na cidade do final dos anos 1960 até os anos 80. Morava na paupérrima região da prostituição de Crateús, onde foi, em 1968, dar a extrema unção a uma prostituta, Antonieta. “Fui catequizado por elas e pelos pobres de Crateús”, contou Alfredinho anos depois. Ele e dom Fragoso fundaram a Irmandade do Servo Sofredor, inspirada nos Quatro Cantos do Servo Sofredor do livro bíblico de Isaías.
“Estamos desde já vivendo o tema central do encontro das CEBs de 2018, os desafios do mundo urbano”, concluiu Marcos Eldênio, ele mesmo um integrante das pequenas comunidades. Entre 23 e 27 de janeiro de 2018 acontecerá em londrina o 14º Intereclesial das CEBs sob o tema CEBs e os Desafios do Mundo Urbano –é o encontro nacional das milhares de pequenas comunidades fundadas ao longo dos anos 1960, 70 e 80 sob o influxo da Teologia da Libertação e depois combatidas ferozmente pelos conservadores que assumiram o controle da Igreja desde a eleição de João Paulo II em 1979 e até a renúncia de Bento XVI em 2013.
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Milícia ataca acampamento de sem-teto animado pela Igreja em Crateús (CE) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU