08 Junho 2017
O místico jesuíta Jean-Joseph Surin (1600-1665), que viveu na França na primeira metade do Grand siècle, é fascinado pelo Espírito Santo e pela sua obra de santificação. Trata desse assunto frequentemente nas cartas de orientação espiritual, especialmente perto do Pentecostes, festa litúrgica que em seus escritos recebe ainda mais o espaço do que a da ressurreição: "Este é um momento não só de alegria, pela memória da ressurreição de nosso Senhor, mas também de um calor santo e divino, pela expectativa da vinda do Espírito Santo; e a Igreja nos mantém em antecipação a este fogo celestial que não vem para destruir, mas para vivificar as almas, elevando-as da terra para o céu com seu fervor e sua ação", escreveu em 4 de maio de 1662, para Madame de Pontac.
O artigo é de Ezio Bolis, publicado por L’Osservatore Romano, 03-06-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Tanta atenção para o Espírito Santo não é costumeira em um autor do século XVII, época em que a teologia ocidental raramente colocava em questão a ação típica do Paráclito; ao contrário do Oriente cristão que evidenciava o papel de cada pessoa divina na história da salvação, no Ocidente os teólogos, de fato, preferiam enfatizar a unidade de Deus, inclusive em decorrência das controvérsias contra o arianismo, que negava a igualdade entre Pai e do Filho.
No final da vida, numa carta de 21 de janeiro de 1665 para a mãe Jeanne des Anges, à beira da morte, Surin escreve uma exortação densa, quase um viático para enfrentar a última viagem. E conclui assim: "Estabeleça a sua morada no meio das três pessoas da Santíssima Trindade. A bondade do Pai, a doçura do Filho, o consolo do Espírito Santo possam inundar seu coração. Repleta dessas graças, armada com esse apoio, ides ao encontro do noivo". Esta abordagem mística não apenas consegue apresentar efetivamente o mistério do Espírito Santo: envolve também um ganho teológico, estimulando a consideração de um tema que a teologia sistemática por um longo tempo negligenciou, como observou justamente Yves Congar.
Para expressar a obra do Espírito Santo, Surin recorre à linguagem simbólica, já utilizada pela Sagrada Escritura, pelos Padres e pela liturgia, como atestam as antigas sequências Veni creator e Veni sancte spiritus. Melhor do que os conceitos, as imagens sugerem a identidade do Espírito Santo através de seus efeitos. Quase parece que a realidade espiritual por excelência, o Espírito Santo, só possa ser apresentada a partir da matéria: "Nosso Senhor no Evangelho e os apóstolos em suas cartas nos apresentam [os seus dons] com os nomes de água viva, fonte que brota para a vida eterna, fogo, unção, tesouro e outros nomes semelhantes que destacam os efeitos maravilhosos do Espírito Santo "(carta a Madame de Pontac). Portanto, nenhuma contraposição entre Espírito e matéria.
Na tradição judaico-cristã, o Espírito expressa-se na matéria, não contra a matéria e nem para além dela. Essa também era a percepção de Teilhard de Chardin. Evidentemente, a matéria é chamada a espiritualizar-se, segundo a perspectiva do Apóstolo Paulo (cfr. Rm 8). Essa lógica é profundamente coerente com a encarnação: a carne de Jesus é plasmada pelo Espírito e torna-se portadora de Espírito. Portanto, a vida espiritual não deve ser pensada como algo sem relação com a realidade material, os sentidos, o mundo, a história. Pelo contrário, não pode prescindir dela.
Fiel ao preconizado por Santo Inácio nos Exercícios Espirituais, Surin afirma que a ação do Espírito Santo pode-se "perceber, sentir e degustar" e escreve: "Esta água celeste chega à alma como um riacho que traz as delícias de Deus. Ela se expande em todas as suas faculdades, inundando-as e preenchendo-as. O sabor da grandeza e da doçura de Deus penetra tão profundamente sobre esta alma que as criaturas não exercem mais nenhuma atração". E ainda: "A minha alma é devorada por este sentimento de alegria que se difunde nela, e meu espírito é tão imbuído pela doçura e força que Deus lhe transmite, que fica de certa forma reduzido ao extremo", ele confidencia à mãe Jeanne des Anges, em 1 de junho de 1664.
Qualquer um que se torna dócil ao Espírito Santo recebe como dom uma visão lúcida da realidade, capaz de distinguir a vida espiritual da mentalidade mundana típica, por exemplo, de determinados ambientes palacianos, fátuos e superficiais: “Sem o derramamento deste Espírito divino em nossos corações, somos sempre rastejantes, sensuais, incapazes de vida sobrenatural. Quantos contrastes encontra, esta vida sobrenatural, na vida da corte! Quanto é contrário o espírito da corte ao Espírito Santo! Um inspira a uma conduta pura, reta, simples, completamente santa. O outro, mesmo quando não é criminoso, geralmente procede com uma certa ousadia e inadvertidamente envolve os corações de determinadas maneiras que os torna contrários à pureza, à retidão e à simplicidade do espírito de Deus. Uma das ilusões mais perigosas do espírito da corte é esta: ele exagera e diminui, amplia e encolhe falsamente as coisas, passando por nada aquilo que, na verdade, conta muito, e considerando em demasia o que, ao contrário, nada é” , escreve a Antoine de Solignac, Marquês de Fénelon, em 17 de maio de 1662.
Surin também enfrenta com equilíbrio também o discernimento das graças carismáticas, tema bastante delicado. Se o apego obsessivo a tais fenômenos deve ser condenado, no entanto, devem-se acolher essas manifestações especiais como dons que o Espírito concede para o bem da Igreja e do mundo inteiro, desde que sejam compatíveis com a "doutrina dos santos" e a tradição da Igreja: "Considero que o apego aos fenômenos extraordinários seja algo muito contrário ao Espírito de Deus; mas quando o nosso Senhor concede-os, os homens precisam tirar proveito com toda a humildade: sufocá-los significa recair naquele inconveniente que São Paulo lastima: "Não extingais o Espírito" (1 Tessalonicenses 5, 10). Creio que não é sábio sufocar e suprimir [tais dons], afirmando que apenas bastam as coisas comuns. Deus cuida de seus filhos não só dentro do estrito necessário, mas também na abundância", escreve a madre Anne Buignon, em fevereiro de 1661. Esta impostação será assumida por teólogos contemporâneos, como Karl Rahner: as graças místicas são um sinal da grandeza e generosidade de Deus, que, nas palavras de Surin, "como um rio que transborda das margens", doa muito mais do que o mínimo necessário.
Concluindo a carta a madre Buignon, o místico francês oferece outra inspiração teológica notável: "Apesar do Evangelho não falar de forma tão ampla dessas sublimes operações de graça nos fenômenos extraordinários, ainda assim nosso Senhor confiou isso como missão própria do Espírito Santo, que ‘quando for enviado, vos dirá e ensinará toda a verdade’ (João 14, 26), como explica Jesus". As graças carismáticas nada acrescentam à revelação que se realiza com a Páscoa de Jesus Cristo; neste sentido, não são necessárias. Por outro lado, uma vez que são suscitadas pelo Espírito Santo, são sinais dos tempos, sinais preciosos para compreender a atualidade da revelação.
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Nas cartas do místico do séc. XVII Jean-Joseph Surin. A obra do Espírito Santo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU