27 Abril 2017
Por que os Estados Unidos usam nomes de povos originários que exterminaram ou de líderes desses povos para batizar a sua indústria bélica? As perguntas surgem a partir da escalada da tensão mundial desde que Trump assumiu a presidência.
A reportagem é de Gustavo Veiga e publicada por Página/12, 26-04-2016. A tradução é de André Langer.
Como se uma bomba de alto poder destrutivo ou uma aeronave militar não fossem suficientemente dissuasivas, necessitam de um nome próprio, um sinal que os identifique. Os Estados Unidos são um país inesgotável em armamentos e denominam de maneira curiosa cada um dos seus produtos bélicos. Às vezes, parece coerente com sua história nacional de terra arrasada. Quem conta isso é Noam Chomsky em seu último livro, Quem domina o mundo? Por que os Estados Unidos chamam seus helicópteros de guerra de Apache, Black Hawk ou Cheyenne? Por que chamaram o ataque e a violação da soberania do Paquistão que terminou com a morte de Bin Laden de Operação Jerônimo? Por que usam nomes de seus povos originários ou de líderes desses mesmos povos que exterminaram para batizar sua indústria bélica? As perguntas vêm ao caso neste momento de escalada armamentista, de mísseis jogados sobre uma rede de túneis do Estado Islâmico – como a “Mãe de todas as bombas” (a MOAB), as novas bombas atômicas estadunidenses, as B61-12, que começarão a ser fabricadas em série a partir de 2020.
“Tudo que voe, contra tudo o que se mova”, ordenou Henry Kissinger quando era o conselheiro da Segurança Nacional de Richard Nixon para começar os bombardeios de 1969 sobre o Camboja. Hoje, não cai o Napalm sobre o Vietnã, mas até o ano passado, a Arábia Saudita jogava bombas de cacho fabricadas nos Estados Unidos sobre os civis do Iêmen. O antídoto antiterrorista da MOAB foi utilizado depois que o presidente Donald Trump desse a ordem enquanto comia uma torta de chocolate. Seu objetivo era destruir os túneis ou covas construídos pelo Estado Islâmico no distrito afegão de Achin, província oriental de Nangarhar. Barack Obama acompanhou pela TV, junto com Hillary Clinton, na Casa Branca, o assassinato de Bin Laden em Abbottabada, Paquistão, em 2011. Os Estados Unidos batizaram a operação para matar o líder da Al Qaida de Jerônimo, nome do último chefe apache que combateu o homem branco até que caiu preso e foi confinado a uma reserva.
A indústria militar dos Estados Unidos também tomou o nome da tribo de Jerônimo e o deu a um helicóptero de ataque, o AH-64 Apache, que em suas diversas versos atualizadas participou das invasões do Panamá, Afeganistão e Iraque. Hoje, segue sendo fabricado pela Boeing. Seu antecessor foi o Cheyenne – nome de outro povo originário –, que foi utilizado na guerra do Vietnã, mas que por seu alto custo deixou depois de ser fabricado. Foi desenvolvido pela Lockheed.
Outro helicóptero que faz alusão a um chefe indígena é o Black Hawk (Falcão Negro), fabricado pela Sicorsky e utilizado para o transporte de tropas. A queda, em 1993, de um deles em Mogadíscio, na Somália, foi tratada pelo cinema de Hollywood em um filme que ganhou dois Oscar. A tradição de dar nome a essas aeronaves remonta ao final da década de 1950, quando a Bell chamou de “Iroquês” a um dos seus protótipos que ainda segue voando a serviço do exército dos Estados Unidos. Chomsky disse sobre este costume que a “escolha do nome recorda a facilidade com que batizamos as nossas armas homicidas com o nome das vítimas de nossos crimes...”. E em seguida se pergunta em seu livro: “Como teríamos reagido se a Luftwaffe tivesse chamado os seus caças de judeu ou cigano?”
O piloto Paul Tibbets, que comandava o bombardeio B-29 que jogou a bomba atômica sobre Hiroshima no dia 06 de agosto de 1945, batizou seu avião de Enola Gay. Ele fez isso em homenagem à sua mãe, de mesmo nome. Ele faleceu em 2007, aos 92 anos, em sua casa de Ohio. Não se arrependeu do que fez. Ele foi muito gráfico quando confessou sem pudor: “Nunca perdi uma noite de sono por Hiroshima”. Eles tinham batizado a bomba que jogou do avião de Little Boy (Menino). A bomba que destruiu Nagasaki três dias depois, de Fatman (homem gordo). Nos dois ataques ordenados por Washington, morreram 240 mil pessoas, os únicos da história em que foram usados mísseis nucleares.
Os Estados Unidos conseguiram a rendição incondicional do Japão, mas de lá para cá a corrida armamentista nunca parou. Junto com a Rússia, eles têm com folga os maiores arsenais atômicos do planeta, seguidos de muito longe pela França e pela China, segundo as estatísticas de ogivas nucleares mais comuns realizadas pela FES (Federação de Cientistas Estadunidenses). A escalada beligerante pelas armas nucleares que tem hoje como centro a península da Coreia é a consequência dessa política. As crescentes pressões dos Estados Unidos sobre a Coreia do Norte – que possui armas atômicas – pioraram a tensão internacional, de acordo com alguns especialistas reconhecidos.
Com um custo estimado de entre oito bilhões e 10 bilhões, a principal potência planetária tem planos para fabricar as B61-12, suas novas bombas atômicas. Sua produção em série começará em 2020 e estarão à disposição dos países europeus aliados como armamento dissuasivo contra a Rússia. Já houve um teste no Estado de Nevada, onde foi lançado de um F-16 um míssil com estas características, sem o explosivo. O anúncio foi feito no dia 13 de abril passado. O aparelho militar dos Estados Unidos mantém-se ativo e à espreita. Não importa que nomes vão colocar em seus armamentos e operações secretas. A MOAB, essa gigantesca bomba de 10 toneladas – considerada a filha da BLU-82, utilizada na Guerra do Vietnã –, é a melhor prova do militarismo com que tentam domesticar o mundo.
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A mãe de todos os nomes de bombas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU