26 Abril 2017
Há poucas semanas, o professor da FGV/SP Paulo Gala - que além de doutor pela mesma instituição, fez pesquisas nas Universidades de Columbia (Estados Unidos) e Cambridge (Reino Unido) - lançou o livro Complexidade Econômica: uma nova perspectiva para entender a antiga questão da riqueza das nações.
O comentário é de Marcos de Aguiar Villas-Bôas, publicado por CartaCapital, 26-04-2017.
A obra merece a leitura de economistas e não economistas por tratar, com linguagem clara e direta, de tema tão antigo e ainda atual como o desenvolvimento econômico. O tema é central na sociedade, seio de relações econômicas que resultarão nas riquezas, rendas e oportunidades produtivas de cada um.
A narrativa teórica de Gala parte do que ele chama de “estruturalistas originais”, como Paul Rosenstein-Rodan, passando pelo “estruturalismo latino-americano”, de Raúl Prebisch, Celso Furtado e Cepal, até chegar nos estruturalistas mais contemporâneos, alguns (auto)denominados neo ou pós-estruturalistas, como Reinert e Bresser-Pereira.
O objetivo principal de Gala é utilizar a vasta rede de dados do Atlas da complexidade econômica, um ótimo trabalho capitaneado por Ricardo Hausmann (Harvard Kennedy School e Santa Fe Institute) e César Hidaldo (MIT), para levantar “provas” mais consistentes a respeito da conexão entre a complexidade do tecido produtivo de um país e o seu desenvolvimento econômico. Além dos dados, eles constroem belas conclusões.
Somos moldados pelas relações e, portanto, tudo o que lemos e ouvimos colabora para definir as nossas ideias e decisões. Ao procurar autores que estão na vanguarda do conhecimento, que tomam posições mais complexas, centralizadas no espectro ideológico, que utilizam dados históricos para não cometer os mesmos erros do passado e para aprender em direção ao futuro, Gala se diferencia da média do que é produzido no Brasil.
Destaque-se, como suas influências, além dos já citados, Ha-Joon Chang, Dani Rodrik, Mariana Mazzucato e outros autores.
Chang demonstra que, assim como muitas outras empresas estrangeiras, a japonesa Toyota apenas se tornou um grande player global quando, após quase ir à falência, foi salva com boas políticas do Estado.
Rodrik cita exemplos de Coreia do Sul, Taiwan, Chile, México e até mesmo do aço e da aviação no Brasil para demonstrar a importância de se reduzir o déficit de informação e coordenação no caminho de uma política industrial equilibrada, que quebra a dicotomia entre ortodoxos e heterodoxos.
Mazzucato explica que boa parte do sucesso da Apple se deve aos investimentos estatais na indústria militar americana, que resultaram na internet, no GPS e em outras grandes inovações tecnológicas muito bem empregadas pelo setor privado.
Gala demonstra, por diversos exemplos, que há uma conexão entre o aumento de complexidade do tecido produtivo e a obtenção de retornos crescentes de escala e diversos efeitos positivos na economia, como redução da desigualdade, elevação da riqueza, geração de empregos etc.
Empregando uma visão complexa, inteligentemente o autor percebe que é preciso haver um círculo virtuoso entre a atuação estatal e o setor privado. A ideia é que para promover as condições (instituições) necessárias à existência de um tecido produtivo complexo são necessárias medidas estatais (políticas) para catalisar esse processo para, de fato, empreender um setor industrial complexo, que geralmente requer muitos investimentos, inovação, etc.
Países que não utilizam as instituições e políticas públicas adequadas para gerar complexidade industrial tenderam a se desenvolver menos. No caso daqueles com muitos recursos naturais, a tendência de se focar na exportação de commodities, como é o caso do Brasil, os deixa sem complexidade industrial (doença holandesa como perda de complexidade induzida pelo foco na venda de recursos naturais), sendo possível apenas dar “voos de galinha”, a menos que a abundância em recursos seja muito considerável em relação ao tamanho da população e outras medidas sejam tomadas.
Países como Noruega, Austrália e Chile podem ser citados dentro do exemplo de exportadores de commodities que conseguiram desenvolver alguma indústria, complexos setores de serviços, como turismo e, apesar dos efeitos nocivos causados pela queda vertiginosa do mercado de commodities, conseguiram segurar o desenvolvimento econômico.
Gala poderia ter ressaltado que esses três países, sobretudo os dois primeiros, têm instituições e políticas, em geral, muito melhores do que as brasileiras. O Judiciário e a aplicação da lei (rule of law), a estabilidade política e econômica, a tributação, a previdência, a educação e outros fatores noruegueses e australianos desenham uma economia muito mais eficiente e menos desigual tanto na renda quanto nas oportunidades.
O exemplo desses países lembra também que a economia não pode ser analisada de forma determinista. Então, não se deve agora concluir, apesar dos sólidos dados da obra de Gala, que a complexidade industrial é a única e grande chave do desenvolvimento, uma best practice (melhor prática) a ser seguida por todos.
Boa parte dos grandes erros econômicos decorreram desse tipo de visão. Políticas industriais agressivas demais em busca de complexidade industrial poderiam gerar efeitos nocivos. Elas devem respeitar as características de cada país dentro do contexto histórico.
Gala lembra que alguns efeitos positivos da complexidade industrial dependem de se produzir um pouco desses mesmos efeitos, tornando-os causas, exatamente para chegar à complexidade industrial, ou seja, para se chegar a um país com economia diversificada, que exporte bens não produzidos pelos demais ou com inovações que os demais não têm, é preciso, por exemplo, ter capital humano elevado.
Para se elevar consideravelmente o capital humano, é preciso reduzir a desigualdade de renda e de oportunidades de produção, objetivos que são mais bem atingidos quando se tem complexidade industrial.
Os dados revelam que os países com tecido industrial complexo são os que têm capital humano mais elevado e menor desigualdade. Seria interessante checar em que momento esses resultados positivos foram obtidos, se antes, durante ou depois do aumento de complexidade da indústria dos países. Essa sempre foi uma grande questão entre direita e esquerda: é preciso enriquecer para redistribuir ou é preciso redistribuir para enriquecer? Parece que é preciso fazer os dois ao mesmo tempo.
No geral, este autor concorda com as premissas e conclusões de Paulo Gala. Além do mencionado risco de exageros na busca por complexidade industrial por conta de uma visão determinista, outra discordância está no peso que ele dá à complexidade industrial em relação aos meios para atingi-la. A complexidade é, acima de tudo, uma linha epistemológica, de conhecimento sobre o mundo. É uma forma mais inter-relacional, paradoxal, pragmática de enxergar os problemas.
A busca por complexidade produtiva, como o próprio Gala lembra, é algo sobre o que já se fala há décadas, ainda que, na maioria das vezes, com expressões como “economia de alto valor agregado”, “de retorno crescente de escala” etc., que são efeitos de um tecido produtivo industrial complexo.
O potencial da visão complexa na Economia, porém, vai muito além dessa complexidade produtiva. Ela vai onde um grande nó se encontra hoje e tem o poder de desatá-lo, que é a dicotomia ortodoxos versus heterodoxos. Gala soube explorar algumas falhas de teorias de ambos os lados, procurando visões mais “intermediárias”, complexas.
Deve-se diferenciar a ideia comum de “intermediário”, “central”, “equilibrado”, para a que pode ser construída a partir desses termos sob o ponto de vista complexo. O objetivo não deve ser sempre a “coluna do meio”, o “em cima do muro”. Ao contrário disso, a visão complexa aproveita o que há de positivo em cada um dos lados para compreender como se dá a interação entre eles, construindo posicionamentos sob medida que aproveitem esses aspectos positivos ao máximo, o que requer decisões para criar o melhor tipo de interação possível, com total abertura a inovações institucionais e nas políticas.
Um efeito negativo da necessária quebra de dualidades é recorrer necessariamente à visão intermediária entre as dualidades, criando nova visão determinista, porém não mais em 2 hipóteses apenas, passando para 3 opções. É melhor que se quebre dualidades para experimentar hipóteses que maximizem os efeitos positivos e minimizem os negativos das experiências de até então, buscando novas práticas adaptadas a cada tempo e espaço, gerando, assim, inovação, experimentação, avaliação e reorientação constantes em busca de um conjunto de fins.
Ao falar em diferentes momentos sobre a questão do que vem primeiro, “o ovo ou a galinha”, Gala lembra que o mais importante não é definir peremptoriamente quem vem primeiro, mas entender como esse processo acontece e como é possível, caso se deseje, minimizá-lo ou maximizá-lo.
Esse tipo de visão muda completamente o conhecimento econômico de disputas entre teorias acabadas, entre lados certos, entre marcos peremptórios, para perceber a economia enquanto emaranhado complexo de relações sociais, não ficando nem com o elemento, nem com o todo, nem com as estruturas. A visão mais adequada é aquela que entende, ao mesmo tempo e com interconexão, o indivíduo, as relações entre eles e o todo resultante dos diferentes tipos de relações entre diferentes grupos de indivíduos.
Só por chegar muito próximo dessa visão, o livro de Paulo Gala já merece ser comemorado como uma bela obra de Economia: com os dados, autores e construções que ele reúne, todos de qualidade, a leitura se torna obrigatória.
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Livro discute conexão entre complexidade da produção e desenvolvimento - Instituto Humanitas Unisinos - IHU