Vida e época de Maria Eduarda

Foto: Blog Cadernos em greve

Mais Lidos

  • Cristo Rei ou Cristo servidor? Comentário de Adroaldo Palaoro

    LER MAIS
  • Dois projetos de poder, dois destinos para a República: a urgência de uma escolha civilizatória. Artigo de Thiago Gama

    LER MAIS
  • “Apenas uma fração da humanidade é responsável pelas mudanças climáticas”. Entrevista com Eliane Brum

    LER MAIS

Revista ihu on-line

O veneno automático e infinito do ódio e suas atualizações no século XXI

Edição: 557

Leia mais

Um caleidoscópio chamado Rio Grande do Sul

Edição: 556

Leia mais

Entre códigos e consciência: desafios da IA

Edição: 555

Leia mais

04 Abril 2017

"Escolas sem aula. Blindados cinzas como a morte circulando nos horários de entrada e saída. Turmas vazias sobre as quais já se abatia a operação policial realizada naquele dia. Uma violência generalizada que atravessa o cotidiano da escola, a forma por excelência de desenlace de qualquer desentendimento. O embrutecimento como sintoma social de uma guerra que se projeta como uma sombra sobre todos", escreve Silvio Pedrosa, professor da rede pública municipal do Rio de Janeiro, em artigo publicado por UniNômade, 03-04-2017.

Eis o artigo.

Como é ser o refugiado de uma terra da qual se não pode fugir? Como escapar da morte que corrói o tempo atrás de nós quando o objetivo da própria guerra é impedir todo e qualquer movimento, fixando fronteiras intransponíveis de uma pátria de exilados em seu próprio território? É a esse impasse mortífero que milhões de jovens dão corpo, todos os dias, nas periferias metropolitanas do Brasil. Filhos de gente sem nome, são expulsos da terra pela fúria da guerra e morrem atravessados pelas balas que cruzam a cidade-ruína.

Quando a guerra não é o vetor que desmantela uma sociedade e a expõe ao desastre de ver suas engrenagens soltas a esmagar homens, mulheres e crianças, mas a própria engrenagem a partir da qual se constitui uma sociedade, a tragédia adquire uma monolítica e bruta espessura, torna-se um destino. Na quarta-feira, 29 de março, à tarde, o destino encontrou o corpo de Maria Eduarda. Antes havia acertado contas também com um ex-aluno da escola onde trabalho, distante apenas três quilômetros de onde a filha de Rosilene havia sido morta. Estações cruentas de milhões outras trajetórias, essas mortes apenas cristalizam evidências escandalosas de um modo de regulação social que atravessa todas as linhas de vida nos territórios.

Escolas sem aula. Blindados cinzas como a morte circulando nos horários de entrada e saída. Turmas vazias sobre as quais já se abatia a operação policial realizada naquele dia. Uma violência generalizada que atravessa o cotidiano da escola, a forma por excelência de desenlace de qualquer desentendimento. O embrutecimento como sintoma social de uma guerra que se projeta como uma sombra sobre todos.

A cidade que se despedaça com o estado é o laboratório para um colapso no qual a violência, sempre desmedida, parece difundir-se por todos os níveis. Expressão vitoriosa de um poder que nunca perde, pois sempre transfere as suas derrotas aos de baixo, o Rio de Janeiro hoje é a imagem do esgotamento do sonho que os brasileiros viveram na última década. A guerra, afinal, é a paz dos negócios e enquanto contamos e choramos os corpos de filhos, os tribunais fazem a contabilidade do butim. A paz da pacificação é sofrida tal como uma lepra que se espalha pelos corpos doentes.

Sob o regime de terror que corta a cidade por todos os lados, nem mesmo o desespero encontra para si um lugar. O seu parentesco distante e contraposto à esperança não lhe expede passaporte algum nestas terras onde o que reina é a indiferença. E o vazio. Essa é a vida e época de Maria Eduarda. Uma vida breve num tempo de indiferença onde o cinismo é a nossa regra social. Para onde fugir? A vida de Duda se esvaiu e ainda há milhões de condenados nesta terra.

Leia mais