21 Março 2017
Dom Sergio da Rocha, cardeal Arcebispo de Brasília e presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) concedeu entrevista exclusiva ao Caminho pra Casa na última sexta-feira (17). Ele afirmou que a entidade tem “manifestado reiteradamente a nossa comunhão sincera, apoio e solidariedade ao Papa Francisco, pessoalmente e por mensagens”. Mas evitou qualquer comentário sobre a campanha dos segmentos restauracionistas (expressão do Papa) contra Francisco, limitando-se a dizer que ele “tem continuado com firmeza e serenidade” e “não se deixa abalar por críticas, nem recua”. Sobre o pontificado de Francisco, o presidente da CNBB declarou: “As tão esperadas Reformas da Cúria vão acontecendo, mas reforma maior que ele tem nos estimulado é de natureza espiritual e pastoral”.
A entrevista é de Mauro Lopes, publicada no seu blog Caminho para Casa, 20-03-2017.
Ele garantiu que a CNBB tem “procurado acolher a Amoris Laetitia na sua totalidade” e que a exortação apostólica sobre a família, centro dos ataques conservadores ao Papa, será examinada na próxima Assembleia Geral da entidade.
Dom Sérgio revelou que haverá um posicionamento oficial da CNBB sobre a reforma da Previdência Social. Ele evitou qualquer crítica direta ao governo Temer, mas pontuou que a Igreja opõe-se a qualquer reforma que não assegure “o direito dos pobres”.
Eis a entrevista.
Como o senhor avalia o pontificado de Francisco até o momento?
O Papa Francisco tem nos ensinado a ser uma “Igreja em saída” ao encontro das ovelhas feridas e errantes; uma Igreja misericordiosa e acolhedora, casa de portas abertas; uma Igreja servidora, que vive da simplicidade. As palavras e gestos do Papa Francisco tem sido comoventes. Ele tem nos oferecido textos belíssimos e profundos, de grande repercussão, como a Evangelii Gaudium e a Amoris Laetitia. Ele ensina, não apenas por aquilo que fala ou escreve, mas por seus gestos concretos, de grande riqueza simbólica, a começar da escolha do nome “Francisco”; mas também a sua preocupação com a situação trágica dos refugiados e imigrantes, o seu empenho em favor da paz no mundo, a defesa dos pobres, o “cuidado da casa comum”, dentre tantos outros aspectos. Temos muito ainda a aprender com ele! O seu jeito simples, acolhedor, paterno e fraterno tem nos motivado a redescobrir valores essenciais da vida cristã, especialmente da vida da Igreja, como a simplicidade e a misericórdia. As tão esperadas Reformas da Cúria vão acontecendo, mas reforma maior que ele tem nos estimulado é de natureza espiritual e pastoral, a reforma do coração e da ação evangelizadora. Ele nos motiva a caminhar!
A Igreja vive um momento de intensa agitação em torno da exortação Amoris Laetitia. O Papa abriu a questão da comunhão dos divorciados em segunda união ao discernimento das igrejas locais. Qual a sua posição como pastor sobre o assunto? A CNBB pretende posicionar-se?
Desde o primeiro momento da publicação, temos procurado acolher a Amoris Laetitia na sua totalidade. O próprio Papa nos alerta para não reduzi-la a um aspecto ou a uma parte do texto. O documento ressalta o matrimonio e a família como dom; por isso, já no seu título aparece a “alegria do amor” na família. Matrimônio e família não podem ser reduzidos a problemas. A ação pastoral da Igreja deve ser ampla e continuada: antes do matrimônio, na sua celebração e durante a vida conjugal e familiar; não apenas nos momentos de crise. Mas, é preciso dar especial atenção aos casais e famílias que mais sofrem, sobretudo àqueles que não conseguiram viver o ideal conjugal proposto pela Igreja. O famoso capítulo VIII deve ser inserido e compreendido no conjunto. Não se trata de fazer uma nova regra geral canônica; o próprio Papa Francisco alerta a respeito disso. O caminho a ser seguido é o da misericórdia e do discernimento pastoral. A proposta é “acompanhar, discernir e integrar”, conforme o próprio título do capítulo VIII. Por isso, a CNBB não pretende elaborar novas normas a respeito. Quer ajudar os Bispos e Dioceses a acolherem e a aplicarem a Amoris Laetitia, de modo mais fiel possível. Por isso, foi formada uma Comissão para refletir a respeito dessa Exortação Apostólica Pós-Sinodal. Esperamos estar aprofundando o assunto na próxima Assembleia Geral da CNBB [que acontece entre 26 de abril e 4 de maio de 2017] .
Como o senhor vê a questão na Igreja no Brasil? Divorciados em segunda união já comungavam em um número grande de paróquias, ainda antes do Sínodo, enquanto a outros é negado o direito à comunhão e são alvo de discriminação. Como o senhor enxerga este cenário nas bases da Igreja?
Primeiramente, é preciso ter presente que a unidade na ação pastoral é um desafio permanente para a Igreja. Contudo, o desafio ainda maior é a busca de unidade, tendo como base a misericórdia. É preciso vivenciar a misericórdia no conjunto; não apenas num aspecto. Uma pessoa ou comunidade que não viver da misericórdia no seu dia a dia, não conseguirá acolher com misericórdia os que batem à sua porta, ou os casais que vivem situações de segunda união, ou que estejam passando por crises. A Amoris Laetitia pressupõe formar comunidades misericordiosas e acolhedoras, onde os casais sintam-se acolhidos e orientados, numa verdadeira família. Este é o primeiro passo que permite por em prática a proposta pastoral de acompanhamento, discernimento e integração.
Qual seu olhar para a aceleração na perda de fiéis católicos ao longo dos anos?
Em primeiro lugar, é importante ter presente que não se pode confundir crescimento de outras denominações com esvaziamento de templos ou comunidade católicas. Graças a Deus, tem crescido a participação mais consciente e o compromisso comunitário. De modo geral, o desafio tem sido o de encontrar locais para construir igrejas e não fechar igrejas. Contudo, é preciso dar a devida atenção ao atual quadro religioso, marcado pelo crescimento de outras denominações cristãs. É necessário procurar compreender o atual quadro de pluralismo religioso, para definir melhor a ação pastoral nesse contexto. O fenômeno é complexo. A sociedade é complexa e plural. Não se pode pretender o retorno a uma situação de Cristandade, com a uma Igreja controladora da sociedade. Agradar o mercado não é critério para o crescimento das comunidades; nem o proselitismo; nem simplesmente a atitude de “fazer o que os outros fazem”. O critério fundamental continuará a ser a fidelidade a Jesus Cristo.
O Papa Francisco tem afirmado repetidas vezes que o clericalismo é uma das principais chagas da Igreja e apelado insistentemente pelo protagonismo dos leigos. Neste espírito, o bispo emérito de Jales, Dom Demétrio Valentini, apresentou a proposta de, a CNBB assumir a figura dos presbíteros de comunidade, leigos, que passem a assumir a presidência da Eucaristia. Ele lembrou, ao lançar a ideia, que o Papa instou a CNBB a apresentar um projeto para um novo protagonismo dos leigos (aqui o link para a homilia). Como o senhor avalia a sugestão de dom Demétrio? Como estão as discussões na CNBB a respeito do assunto?
Procuro não fazer comentários a respeito de pronunciamentos de irmãos Bispos, respeitando o mais possível suas opiniões e iniciativas, principalmente enquanto presidente da CNBB. Quando surge a questão de maior atenção pastoral nas regiões mais carentes, como a Amazônia, o Papa tem insistido, com a presidência da CNBB, na importância dos ministérios exercidos pelos cristãos leigos e leigas, assim como no diaconado permanente, dentre outras iniciativas. Sobre o “protagonismo dos leigos”, a CNBB publicou um importante documento aprovado na última Assembleia Geral (Cristãos leigos e leigas na Igreja e na sociedade – Documento 105).
O senhor imaginava ser possível o grau de agressividade de alguns clérigos e grupos católicos conservadores a um Papa, como acontece atualmente? Como o senhor enxerga a ação desses grupos que o Papa qualifica de “restauracionistas” e que a cada dia mais abertamente atacam o Vaticano II?
A agressividade é sempre lamentável. Infelizmente, temos vivido num tempo de muita agressividade e intolerância, manifestadas em redes sociais e nas ruas. É mais lamentável ainda, é muito triste, quando o desrespeito e a violência ocorrem no âmbito religioso. Quanto ao Papa Francisco, ele tem continuado com firmeza e serenidade, consequência de sua confiança em Deus. Não se deixa abalar por críticas, nem recua. Ele é um exemplo de perseverança e de serenidade para todos os que enfrentam oposição por buscarem a fidelidade a Jesus.
Depois da manifestação do grupo de cardeais encarregados da reforma da Cúria em apoio ao Papa (aqui), o senhor considera que cabem iniciativas semelhantes das conferências episcopais?
Temos manifestado reiteradamente a nossa comunhão sincera, apoio e solidariedade ao Papa Francisco, pessoalmente e por mensagens. O Papa sabe que pode contar sempre com o episcopado brasileiro e com toda a Igreja no Brasil. Contudo, penso ser ainda mais importante manifestar a nossa comunhão com ele por meio do acolhimento cordial de suas orientações, pondo em prática os seus ensinamentos, imitando os seus exemplos.
A Campanha da Fraternidade 2017, com o tema “Fraternidade: biomas brasileiros e defesa da vida” tem como fonte primeira de inspiração a encíclica Laudato Sii do Papa Francisco?
Sem dúvida, a encíclica Laudato Si do Papa Francisco tem motivado e inspirado a Campanha da Fraternidade deste ano, como já ocorreu no ano passado. Porém, a sua temática é ampla e desafiadora. Por mais que procuremos, há muito a fazer para por em prática essa belíssima encíclica, que tem sido acolhida em todo o mundo, também entre os que não professam a fé cristã, além dos cristãos de outras denominações religiosas. Certamente, a Laudato Si continuará a ser uma referência para a Igreja e a humanidade.
A defesa da vida como plataforma abrangente na CF 2017 parte do princípio de que o planeta está “entre os pobres mais abandonados e maltratados”, como afirma o Papa na encíclica? Que implicações pastorais isso tem?
O Papa nos propõe uma conversão ecológica, fundamentada numa visão de ecologia integral. De modo especial, ele ressalta, como fez na Mensagem enviada para a Campanha da Fraternidade deste ano, que os pobres são as principais vítimas da destruição da “casa comum”. A destruição dos biomas implica na destruição da vida, especialmente dos mais pobres e fragilizados, assim como dos povos originários, como indígenas e quilombolas. É preciso valorizar, defender a vida e a cultura desses povos, que são os verdadeiros guardiões dos biomas brasileiros.
Como o senhor enxerga o momento vivido pelo país, com a ruptura institucional que levou à queda de uma presidenta eleita e a sucessão de medidas contra os mais pobres, como a lei do Teto de Gastos e, agora, a reforma da Previdência?
Vejo, com muita preocupação, a crise política e econômica que temos vivido. Tem faltado diálogo, na busca de superação dos problemas. O diálogo tem sido substituído por negociação. A CNBB tem se manifestado frequentemente sobre os problemas sociais de caráter político e econômico que assolam o Brasil. Sempre iluminada pela Palavra de Deus e pela Doutrina Social da Igreja, sem tomar posição político-partidária. Infelizmente, nossos pronunciamentos não recebem a devida divulgação na mídia. Porém, continuamos a nos manifestar, fiéis à nossa missão profética. Estamos para publicar, em breve, novos pronunciamentos; um deles, a respeito da Reforma da Previdência. Acima de tudo, temos alertado, reiteradamente, sobre riscos de perdas de direitos sociais, quando se propõem reformas. Não há Reformas justas sem assegurar o direito dos pobres. A referência para as reformas de caráter político-econômico é a pessoa humana, especialmente os pobres, e não o mercado.
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Presidente da CNBB diz que entidade apoia o Papa, mas evita polêmicas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU