08 Fevereiro 2017
Mais do que o caso dos cartazes anônimos, o que preocupa o papa é uma “frente do silêncio” transversal e ramificada.
A reportagem é de Massimo Franco, publicada no jornal Corriere della Sera, 06-02-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O clamor levantado pelos cartazes contra o Papa Francisco que apareceram nos muros de alguns bairros de Roma não deve surpreender. Mas não porque os autores anônimos sejam um lobby poderoso e insidioso para o primeiro pontífice latino-americano. Por trás do rótulo ambíguo de “conservadores”, neste caso, entreveem-se setores eclesiásticos e econômicos da Igreja Católica, provavelmente minoritários e marginais: personagens da Cúria romana derrotados e ressentidos pelas escolhas feitas por Jorge Mario Bergoglio e por alguns colaboradores em assuntos que, há muito tempo, criavam constrangimento e rixas internas.
O alerta nasce, em vez disso, dos fantasmas que aquela iniciativa acaba evocando: uma fileira, eclesiástica ou não, determinada a batalhar contra Francisco com uma resistência surda e obstinada ao seu “governo” do Vaticano e às suas supostas aberturas doutrinais, enfatizadas para desacreditá-lo.
A consciência que está tomando forma na Roma papal diz respeito aos crescentes descontentamentos em relação a Francisco; e uma certa insatisfação com as suas contínuas denúncias dos males da Cúria, que estão criando, com ou sem razão, uma vulgata paradoxal e, muitas vezes, instrumental: a de um papa hostil ao Vaticano, e vice-versa.
A insistência com a qual, desde a eleição do dia 13 de março de 2013, Bergoglio fala da “maledicência”, das “fofocas” e das “calúnias” como “doenças” que matam a Igreja começa a transmitir uma sensação estranha. Não é propriamente a de um papa que conseguiu erradicar esses comportamentos muito pouco piedosos. Ao contrário, é de um Bergoglio cercado pelo consenso dos povos e, ao mesmo tempo, cercado por uma realidade que ele é forçado a denunciar repetidamente, sem conseguir mudá-la. É como se a ideia de uma Igreja “hospital de campanha”, onde são tratados os feridos em contínua emergência, tivesse se cristalizado.
Mas, depois de quatro anos, o “hospital de campanha” não foi substituído por nenhuma estrutura sólida e duradoura que permita considerar o fim da emergência. E isso faz surgir a suspeita de que as reformas estabelecidas por Francisco, definidas por alguns como “revolucionárias”, permanecem como que suspensas, sem afetar em profundidade. Um dos efeitos colaterais e desconcertantes dessa tendência é a difamação à qual o papa é submetido. Não apenas em alguns sites conservadores: em certa medida, ali, a sublevação é óbvia.
Chamam mais a atenção os julgamentos feitos nas conversas privadas por parte de eclesiásticos, até mesmo cardeais, cada vez menos cautelosos ao externar perplexidades e sarcasmos contra ele. A chegada de Donald Trump à Casa Branca deu coragem ao lobby católico conservador. Promete multiplicar os ataques e os distanciamentos em relação ao pontífice argentino. Mas, principalmente, visa a condicionar a leitura do catolicismo ocidental a uma ótica de identidade fechada, defensiva, intolerante: provavelmente com o olhar dirigido ao próximo conclave.
Os cartazes anônimos de Roma tem um eco tão inesperado porque refletem essa incerteza não tanto sobre o presente, mas sobre o futuro do papado. Em si, deveriam ser descartados como uma “pasquinada” digna do submundo curial. Na Casa Santa Marta, a residência de Francisco dentro da Cidade do Vaticano, sabe-se muito bem que as insídias a serem temidas não se expressam em uma contestação aberta, talvez vulgar, e frontal. As incógnitas diante da visão que Francisco tem e tenta impor à Igreja provêm muito mais de uma “frente do silêncio” transversal, ramificada: amplos setores dos episcopados que não se sentem envolvidos no seu papado, embora não sejam necessariamente hostis. Esse é o verdadeiro anonimato que preocupa Francisco.
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A outra frente que preocupa o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU