Confrontados com a oposição, geralmente os líderes podem tentar descobrir um denominador comum com os seus inimigos, “trabalhando em colaboração com eles”, ou podem seguir em frente, determinados a não retroceder. Ao longo das últimas semanas, aparentemente o Papa Francisco escolheu a segunda opção.
O comentário é de John L. Allen Jr., jornalista, publicado por Crux, 11-01-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Confrontados com a oposição, geralmente os líderes têm duas escolhas a fazer. Ou podem tentar encontrar um denominador comum com os seus inimigos, “trabalhando em colaboração com eles”, ou podem seguir em frente, determinados a não retroceder.
É verdade que se pode tentar um pouco de cada, mas normalmente uma tende a anular a outra, de forma que misturar as opções é normalmente um exercício fútil. A opção escolhida por um líder expressa uma combinação entre sua personalidade, as circunstâncias e a configuração política do ambiente em que está.
Nesta época de recesso, vimos no Papa Francisco um líder que parece ter escolhido a segunda opção.
Em Roma, esta época de recesso é um período valioso para o papa. Ele aparece em níveis elevados na imprensa, e porque tende a ser um momento de poucas notícias, as suas mensagens recebem um interesse ainda maior. Os destaques incluem:
• A missa na véspera do Natal
• A bênção Urbi et Orbi no Natal
• A oração do Angelus para a solenidade de Santo Estevão
• A celebração na véspera do Ano Novo
• O discurso no começo de janeiro ao corpo diplomático acreditado à
Santa Sé.
Eis nove momentos importantes em que a atenção do mundo, especialmente a parte eclesiástica dele, volta-se sobre o papa. Mais que isso, eles acontecem num momento em que as pessoas estão num período normalmente festivo, mais inclinadas a esquecer as desavenças, criando assim uma oportunidade natural para o pontífice ter um impacto social caso ele perceba a necessidade.
Poderíamos pensar que
Francisco estivesse pensando nesse sentido, dado o tumulto desencadeado em 2016 em torno do documento
Amoris Laetitia, e dada a percepção no catolicismo de uma divisão profunda entre aqueles que aprovam as reformas do
papa, a sua abordagem pastoral, e aqueles alarmados com o que consideram uma falta de clareza e resolução na defesa da Tradição.
Com certeza,
Francisco é capaz de superar estas divisões. Numa alocução no encerramento do
Sínodo dos Bispos 2014, ele exortou a Igreja a evitar uma “rigidez hostil” e uma “falsa misericórdia”, numa linguagem que atraiu um aplauso tremendo e foi amplamente visto como um esforço para assegurar ambos os lados nos debates sinodais de que o papa os compreende.
No entanto, trabalhar em colaboração com os opositores não foi bem o espírito que o Papa Francisco exalou nestes dias de recesso. Muito pelo contrário.
Tudo começou com o seu
discurso à Cúria em 22 de dezembro.
Francisco reconheceu que seus esforços de reforma deram de frente com uma oposição, distinguindo entre “resistências abertas”, que, segundo ele, são construtivas, e as resistências “ocultas”, “malévolas”, que “germinam em mentes doentes e aparecem quando o diabo inspira más intenções (muitas vezes disfarçadas sob pele de cordeiros)”.
Acusar alguns dos seus críticos de estarem fazendo o trabalho do diabo não é exatamente o tom de um líder para o qual a função primeira é curar.
Na véspera do Ano Novo como nos outros anos Francisco advertiu os cristãos contra se ser “mente estreita”, sucumbindo à “nostalgia estéril”, e falou sobre não ser “prisioneiros da atitude decididamente egocêntrica de quem quer forçar os outros a entrar nos próprios esquemas”.
Em si, esta linguagem não representa uma crítica a ninguém, e enquadra-se no convite espiritual à conversão que o pontífice quis passar.
No entanto, desde que estas frases se fazem presentes no debate em torno de Amoris Laetitia, frequentemente empregadas pelos apoiadores do documento para descrever as posições dos que o criticam, esta homilia provavelmente não vai tomada por conciliatória pela oposição – em particular, os católicos que foram chamados de “mentes estreitas” ou “nostálgicos” no calor do debate.
Mais forte ainda foi o vocabulário do papa na solenidade da
Epifania em 6 de janeiro, quando ridicularizou os “profetas da desgraça” que não querem que nada mude, insistindo nas “coisas usuais”.
De novo, “profetas da desgraça” é uma frase carregada no contexto católico. É associada com uma fala que o Papa João XXIII proferiu na abertura do Concílio Vaticano II em 1962, e foi tomada como uma referência aos conservadores da Cúria Romana que não estavam nada entusiasmados sequer com a ideia de um concílio.
Desde então, este dizer tornou-se uma marca aos oponentes à mudança progressista no catolicismo, e é interpretado pelos seus representantes como uma reprimenda.
Também surpreendente foi a ausência de uma versão papal da retórica que geralmente ouvimos de outros tipos de líderes em busca de um denominador comum: “Há pessoas boas em ambos os lados”, “somos todos iguais, todos amamos o nosso país”, “eu também cometi equívocos”, etc.
Tampouco houve alguns dos gestos que um desejo de trabalhar em conjunto normalmente pede, tais como uma foto conciliatória no recesso, ou um telefonema a um dos líderes da oposição...
Não só não houve um gesto assim, como também abriu-se uma nova frente no antagonismo percebido entre o papa e o cardeal americano
Raymond Burke, um dos autores das “dubia” dirigidas ao pontífice relativas a
Amoris Laetitia, numa disputa com os
Cavaleiros de Malta.
A questão é: o recesso pareceu dar ao Papa Francisco oportunidades de estender a mão e ele não aproveitou.
Então, o que está acontecendo?
Uma possibilidade, evidentemente, é que Francisco esteja simplesmente convencido de se encontrar no rumo certo, e não pretende permitir que aquilo que considera como pensamento equivocado o distraia.
Além disso, pode haver o diagnóstico de que as resistências estão sendo exageradas, amplificadas por uma câmara de eco formada pelas mídias sociais. Com certeza, as pesquisas sugerem que ele desfruta de um forte apoio nas bases.
Pode ser também que Francisco tenha chegado à conclusão de que, neste momento da história, as iniciativas em trabalhar em união simplesmente não funcionam, e para fazer as coisas é preciso seguir em frente e não olhar para trás.
Tem igualmente o aspecto psicológico que, segundo amigos próximos do papa, ele é um pouco teimoso, e não costuma repensar as decisões que toma. Existe um elemento jesuíta aqui também, visto que os Superiores desta ordem religiosa são levados a consultar amplamente antes de chegar a conclusões, mas também são levados a serem firmes na aplicação delas uma vez que são tomadas.
Também pode ser que a leitura do papa seja a de que o outro lado não parece muito interessado em se comprometer, portanto parar para tentar construir pontes consensuais corre o risco de ser uma perda de tempo.
Independentemente do que venha ser, o que este período de férias parece indicar é que Francisco está se movendo a todo vapor.
Se isso é salutar ou não cabe ao que contempla decidir, e talvez possa somente ser julgado com o tempo. O que podemos dizer por enquanto é que existem poucos sinais, pelo menos até agora, de que 2017 se apresenta como o ano de um grande Beijo da Paz eclesiástico.
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Recesso de final de ano mostra um Papa Francisco de mau humor - Instituto Humanitas Unisinos - IHU