04 Janeiro 2017
“E a estrela, que tinham visto no Oriente, ia adiante deles, até parar sobre o lugar onde estava o menino” (Mt 2,9)
A reflexão bíblica é de Adroaldo Palaoro, padre jesuíta, comentando o evangelho da Solenidade da Epifania do Senhor (08/12/2016) que corresponde ao texto de Lucas 2,1-14.
A “travessia” vivida pelos Magos é a mesma que todos experimentamos; somos seres “em saída”, em contínua busca. Quem busca não permanece sentado olhando o teto ou paralisado com o comando da tv na mão; hoje somos milhões de pessoas buscando permanentemente no Google, no Facebook, no WhatsApp..., sentados, parados, anestesiados...
Quem “sai” está deixando sua acomodada segurança, expondo-se ao que não conhece ou lhe dá medo conhecer. Há milhões de pessoas saindo sem pôr os pés na rua, de garagem em garagem, de centro comercial em centro comercial, viajando de metrô com os olhos fixos no celular, transitando por circuitos perfeitamente estabelecidos para não ver o que há mais além do “parque temático” que lhe é apresentado. Há muitos milhões que vivem com uma venda nos olhos, quer estejam em casa ou saiam para fazer exercícios. Que buscam? Que as animam a sair? O que encontram?
O relato dos Magos não faz referência a pessoas concretas, mas a personagens. Não eram reis, mas “magos”, ou seja, sábios que investigavam os céus para entender melhor o que se passava na terra. Porque estavam buscando, descobriram, encontraram. Notemos que são os que estavam longe que descobriram, enquanto que aqueles que estavam próximos do Menino não se inteiraram de nada.
Para descobrir a presença de Deus, o único definitivo é a atitude. Ao descobrir algo surpreendente, puseram-se a caminho. Não sabiam para onde iam, mas arriscaram.
No caminho que os Magos percorreram para aproximar-se de Jesus estão representadas as atitudes daqueles que buscavam a Jesus e se aproximavam das primeiras comunidades cristãs para conhecê-lo. E está também representada nossa busca.
O importante, no texto de Mateus, não é deter-nos na veracidade histórica dos Magos, mas descobrir a “pérola preciosa” que o evangelista oferece, tanto para as primeiras comunidades cristãs como para os judeus que se aproximavam para conhecer Jesus através de seu testemunho.
Como eles poderiam situar-se diante do nascimento de Jesus? Segundo o Evangelista, diante de Jesus podem ser adotadas atitudes muito diferentes.
O relato dos magos nos fala da reação de três grupos de pessoas. As autoridades religiosas, que conheciam muito bem a lei judaica e sabiam o que significava Belém para a corrente profética, não souberam ler os sinais dos tempos e não puderam encontrar Jesus. A religião, quando se reduz a simples práticas rituais, atrofia a sensibilidade da pessoa, impedindo-a abrir-se às surpresas de Deus.
O poderoso rei Herodes, preocupado em preservar seu poder, só vê perigo diante de qualquer situação diferente. Nenhum poder é mediação para deixar-se provocar pelo novo.
Somente alguns pagãos, guiados pela pequena luz de uma estrela, buscaram, puseram-se em marcha e encontraram Jesus.
O relato é desconcertante. Deus, escondido na fragilidade humana, não é encontrado pelos que vivem instalados no poder ou fechados na segurança religiosa, mas se revela àqueles que, guiados por pequenas luzes, buscam incansavelmente uma esperança para o ser humano, na ternura e na pobreza da vida.
Os Magos não pertenciam ao povo eleito, não conheciam o Deus vivo de Israel. Nada sabemos de sua religião nem de seu povo de origem. Só sabemos que eles viviam atentos ao mistério que se encerra no cosmos. Seu coração buscava verdade.
Em algum momento acreditaram ver uma pequena luz que apontava para um Salvador. Precisavam saber quem era e onde estava.
Abriram-se à luz da estrela e rapidamente puseram-se a caminho. Seria uma perda de tempo? Valia a pena fazer a travessia?
Não conheciam o itinerário preciso que deveriam seguir, não sabiam para onde a estrela os conduziria e o caminho implicava riscos. Mas em seu interior ardia a esperança de encontrar uma Luz para o mundo.
Quando os Magos desviaram-se da rota de Belém e entraram em Jerusalém para perguntar onde é que estava o rei dos judeus recém-nascido, a estrela desapareceu de suas vistas, como que indicando que não é na riqueza e no luxo das cortes que a Luz de Deus brilha para os corações.
A estrela também moveu os magos a que deixassem de olhar para ela; que olhassem antes para o lugar, na Terra, para onde ela apontava e sua luz iluminava. Pois é na simplicidade e pobreza de uma criança que resplandece a luz de Deus.
Os magos não caem de joelhos diante de Herodes: não encontram nele nada digno de adoração. Não entram no Templo grandioso de Jerusalém: tem acesso proibido. A pequena luz da estrela os atrai para o pequeno povoado de Belém, longe de todo centro de poder.
Ao chegar ao lugar indicado, veem somente o “menino com Maria, sua mãe”. Nada mais. Um menino sem esplendor nem poder algum.
Uma vida frágil que necessita dos cuidados de uma mãe. É suficiente para despertar nos magos o assombro.
Eles prostram-se e adoram o Menino Jesus. Cena poética onde Mateus nos ajuda a romper nossos esquemas mentais. Aqueles que conheciam as escrituras de memória e sabiam interpretá-las não vão ao encontro de Jesus. Aqueles que sabem ler as estrelas são capazes de ver mais além das aparências. E o que veem nesse Menino é tão profundo que caem prostrados, tiram seus tesouros, esvaziam-se e enchem-se da nova Luz descoberta.
Foi assim que a longa jornada dos Magos começou, seguindo o caminho que a luz da estrela indicava. E ao final de longa peregrinação chegaram ao lugar procurado.
“Banhado pela suave luz da estrela, em meio a vacas, jumentos e palha, se encontrava um nenezinho. Eles, então, foram iluminados. Não pela luz da estrela, mas pela luz da criança.
Perceberam que sua busca havia chegado ao fim. Aquilo que os adultos esqueceram e que a sabedoria busca – as crianças sabem.
Ser sábio é ser criança. O universo é um berço onde dorme uma criança. E desde aquele dia eles deixaram de olhar para as estrelas e passaram a olhar para as crianças.
Os sábios veem o avesso. O avesso é esse: os adultos são os alunos; as crianças são os mestres. Por isso os magos, sábios, deram por encerrada a sua jornada ao encontrarem um menino numa estrebaria...
No Natal, todos os adultos rezam a reza mais sábia de todos, escrita pela Adélia Prado:
“Meu Deus, me dá cinco anos, me dá a mão, me cura de ser grande...” (Rubem Alves)
Inspirados nos Magos, que descobriram sinais e começaram um caminho de busca, podemos nos perguntar: quê sinais descobrimos durante o ano de 2016? Para onde nos conduzem esses sinais, como se fossem estrelas? Eles nos fazem sair de nossa “zona de conforto”, de nossas seguranças...?
Eles nos ajudam a priorizar a viagem ao interior de nós mesmos?
- A estrela que seguimos nos mobiliza ter acesso à nossa “gruta” interna, onde nova vida pulsa por nascer, ou preferimos alimentar uma multidão de contatos superficiais através das redes sociais, afogando-nos nas experiências de solidão?
- Nossas “viagens” despertam o espírito solidário e nos comprometem a responder às necessidades dos mais frágeis ou permanecemos confinados em nós mesmos, “adorando” nosso “ego”?
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Epifania: “viver em saída…” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU