11 Novembro 2016
Um dos principais objetivos das ocupações é voltar às estruturas da UFRGS para debater as consequências da PEC 55 em áreas fundamentais como saúde, educação, segurança e infraestrutura e dar visibilidade ao fato de que nós não estamos vivendo uma situação de normalidade no país. A universidade, que é um espaço de pensamento estratégico para o país, não pode, neste momento, ter um comportamento como se estivéssemos vivendo um cotidiano de normalidade. A avaliação é de uma das estudantes que participam da ocupação da Faculdade de Ciências Econômicas (FCE) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, iniciada na noite da última segunda-feira (7) no Campus Centro. O processo de ocupação da FCE foi um dos mais tensos vividos na UFRGS até aqui, exigindo da parte dos estudantes que decidiram ficar no prédio já na noite de segunda-feira a construção de barricadas e cordões humanos para evitar a ação de um grupo de estudantes que queria desocupar à força o prédio da faculdade.
A reportagem é de Marco Weissheimer, publicada por Sul21, 10-11-2016.
Duas estudantes do curso de Relações Internacionais que participam da ocupação da FCE conversaram com o Sul21 sobre o processo de debate e deliberação que culminou na ação de segunda à noite e na reação de um grupo de estudantes que se estendeu pela terça-feira. As duas estudantes, que pediram para serem identificadas apenas como Kala e Gaele, defendem a legitimidade do movimento e a sua importância por espalhar pelos espaços da universidade e para a sociedade um debate vital para o futuro do país, e também por despertar a consciência crítica dos estudantes para o que está em jogo na democracia brasileira.
Após um processo de debates que envolveu várias reuniões, aulas públicas e uma primeira assembleia para debater os efeitos da PEC 55, foi realizada, segunda-feira à noite, uma assembleia conjunta dos dois diretórios estudantis da FEC, DAECA (Diretório Acadêmico de Economia, Contábeis e Atuariais) e CERI (Centro Estudantil de Relações Internacionais), para definir uma posição frente a PEC e estratégias de mobilização. Por questões estatutárias, os dois diretórios encaminharam votações separadas sobre os dois pontos. Os dois diretórios aprovaram posição contrária a PEC 55. No debate sobre as estratégias de mobilização contra a PEC, os estudantes de Relações Internacionais aprovaram, por ampla maioria, a ocupação da Faculdade. A votação do DAECA, no entanto, não chegou a uma definição sobre qual teria sido a posição vencedora pelo contraste visual e, em razão dos ânimos muito exaltados, decidiu realizar uma consulta pública na quarta e na quinta-feira para definir posição favorável ou contrária à ocupação.
“Foi uma assembleia muito conturbada que reuniu mais de 400 pessoas. Na entrada, nós realizamos um cadastramento para garantir que só estudantes dos cursos da Faculdade pudessem participar. Havia um grupo de estudantes de direita, alguns ligados ao MBL (Movimento Brasil Livre), muito mobilizado, mas demonstrando um total desconhecimento do processo de deliberação. Um deles sugeriu que fosse realizada uma votação virtual, o que contraria o que está previsto no estatuto das entidades. Outro se recusava a usar o microfone e só falava por meio de um megafone”, relata Kala.
Segundo ela, quase metade dos estudantes do curso de Relações Internacionais participaram da assembleia e apenas três acabaram votando contra a ocupação. Como já passava das 22h e o prédio da Faculdade estava prestes a fechar, alguns estudantes que estavam na assembleia e votaram pela ocupação já se dirigiram para dentro do prédio para definir se a ocupação começaria naquela mesma noite. Em razão do clima e conturbado no processo de votação do DAECA, no pátio ao lado do prédio da faculdade, outros estudantes também decidiram ingressar no prédio. Quando o grupo contrário à ocupação viu que já havia estudantes entrando no prédio, a tensão aumentou. “Fizemos uma barricada na porta que dava acesso ao pátio e cobrimos as janelas com faixas, pois eles foram para as janelas gritar com os rostos colados aos vidros. Foi uma longa noite. Depois que a tensão diminuiu, nós realizamos uma assembleia para definir a organização da ocupação. Fomos dormir às 5h da manhã e às 6h já estávamos acordados para um dia mais conturbado ainda”, diz Kala.
Segundo ela, os integrantes da ocupação tiveram que construir duas pesadas barricadas e cordões humanos com três fileiras para conter o grupo que queria desocupar o prédio. “Chegaram a pular a grade em frente ao prédio. O cara do Mamaefalei também veio aqui e constrangeu várias pessoas”, relata ainda a estudante. Mas a ocupação resistiu e conseguiu definir uma pauta de aulas públicas e outras atividades para os dias seguintes. O objetivo da ocupação é se somar aos demais movimentos da UFRGS e do país”.
Gaele destaca que a maioria dos e das ocupantes é um pessoal muito jovem, com pouca experiência de militância, mas com uma consciência clara dos impactos da PEC. “O nosso curso (Relações Internacionais) tem um conteúdo muito forte sobre o Brasil”. A ocupação é definida por elas como pacífica, ordeira e produtiva. Questionada sobre o aspecto produtivo da ocupação, Kala responde: “O nosso objetivo maior aqui é voltar as estruturas da UFRGS para debater a PEC e dar visibilidade ao fato de que não estamos vivendo uma situação de normalidade. A nossa ideia é promover aulas públicas e mobilizar a faculdade em torno desse debate”.
Por meio de um acordo firmado com a direção da Faculdade, os estudantes ocuparam apenas o saguão e algumas salas do primeiro andar do prédio, criando equipes de limpeza, cozinha e relações institucionais. Os serviços essenciais da Faculdade foram mantidos e os professores seguiram podendo acessar seus gabinetes. Todas as câmeras de vídeo foram mantidas ligadas. Um grupo de 33 professores da FCE divulgou uma nota de apoio aos estudantes. A nota afirma:
“Nós, professores do curso de Ciências Econômicas abaixo assinados, tornamos público nosso reconhecimento quanto à legitimidade das reivindicações do movimento de ocupação dos alunos brasileiros nas escolas secundárias, nas universidades e aqui na nossa Faculdade. Bem sabemos dos riscos para a sociedade e, em especial, para a Universidade Brasileira, e mesmo para a nação, advindos de uma possível aprovação da PEC-55. As ocupações têm se mostrado pacíficas, ordeiras, cuidadosas com o patrimônio público e abertas à negociação para realização de atividades essenciais e atendimento especial para formandos, alunos em processo de defesa de teses e outras. Estamos dispostos a dialogar com os alunos e, inclusive, realizar aulas abertas, de modo a diminuir ao máximo a necessidade de reposição ao final do movimento”.
Kala conta ainda que, na manhã desta quinta-feira, os estudantes fizeram uma panfletagem pelos arredores da Faculdade e no centro da cidade e foram bem recebidos pela população. “Uma das coisas mais importantes que está acontecendo aqui é a percepção, por muitos estudantes, de que o movimento estudantil é uma parte de movimentos sociais como o MST que hoje de manhã esteve aqui nos trazendo alimentos. Há um processo de tomada de consciência de classe generalizado. Para muitos, equivale a dez anos de militância em três dias”. Gaele acrescenta: “Independentemente do futuro da ocupação, esse aqui é um marco inicial e não final. Mesmo após a ocupação, nós manteremos esse processo de realização de aulas públicas e de aproximação com as entidades dos funcionários, professores e movimentos sociais”.
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‘Ocupações dão visibilidade ao fato de que não vivemos uma situação de normalidade no país’ - Instituto Humanitas Unisinos - IHU