11 Novembro 2016
"Putin ganhou um aliado, e a Europa o perdeu, especialmente na defesa dos nossos valores compartilhados." Essa é a preocupada análise das eleições presidenciais dos Estados Unidos feita por Moisés Naim, cientista político do Carnegie Endowment for International Peace e autor do livro "O fim do poder".
A reportagem é de Paolo Mastrolilli, publicada no jornal La Stampa, 10-11-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Por que Trump venceu?
Eu não acho que foi um voto dos pobres contra os ricos. A maioria de Trump não foi definida pela pobreza, mas pela cor da pele. Brancos da classe média, motivados por questões de identidade e de raça, e milhões de pessoas desconfortáveis com a ideia de uma mulher presidente. Hillary, além disso, deixou o seu flanco muito vulnerável, com erros incríveis, como o dos e-mails.
Trump agora é presidente: o que você espera?
Ele deverá fazer um curso intensivo para se preparar sobre questões nas quais nunca pensou e vai descobrir que o poder que ele acreditar ter como presidente é muito limitado, pelo Congresso e pelas leis. Haverá restrições imensas para realizar algumas promessas. Por exemplo, deportar 12 milhões de ilegais requer uma logística enorme, novas leis e uma força armada que entre nas casas para buscá-los. A guerra comercial frontal com a China será difícil. Os mercados caíram assustadoramente e poderiam criar um ambiente econômico frágil. Quando ele calcular o custo de realização das suas promessas, ele vai descobrir que não há dinheiro, a menos que se explodam os déficits. No cenário internacional, ele não terá a flexibilidade que acredita, e ordenar que os mexicanos paguem o muro não será fácil. Isso não significa que não haja iniciativas simbólicas que ele é obrigado a iniciar. Ele vai começar a construção do muro com grande ênfase, mas duvido que vai se tornar uma muralha da China. Ele pode cancelar o Obamacare, mas deverá prestar atenção para não prejudicar os seus eleitores que se beneficiam dele. Depois, deverá nomear 7.000 funcionários públicos, mas muitos republicanos disseram que não querem trabalhar para ele.
Vão mudar as relações com a Rússia?
Putin ganhou um aliado, e a Europa o perdeu. As sanções acabaram, e Moscou poderia aproveitar a situação para iniciativas agressivas contra os países bálticos. Se ele fizer isso durante a transição, quem vai responder?
Por que os mercados entraram em colapso?
Ganhou uma pessoa com uma lista de propostas que podem tornar precária a economia mundial. Nos EUA, as coisas não estão tão más assim, o desemprego está abaixo de 5%, e o crescimento contínuo. Ele pode transformar negativamente a herança de Obama.
O que ele vai fazer contra o Isis e o terrorismo?
Ele vai descobrir pessoas patrióticas, inteligentes, informadas, que estão fazendo aquilo que é preciso. O Isis está em retirada, está perdendo Mosul e logo vai perder Raqqa também. Nem tudo é um desastre.
A vitória de Trump foi a rejeição de Obama?
O racismo teve mais importância do que a economia para determinar o resultado.
O que vai acontecer agora com o Partido Democrata?
Mesmo que Hillary tivesse vencido, haveria uma guerra civil entre a sua ala moderada e a progressista de Sanders. Alguns já dizem que Bernie teria derrotado Trump. O confronto irá ocorrer, e Elizabeth Warren irá emergir como nova liderança.
Os hispânicos vão tentar fazer uma revanche em 2020?
A demografia é um destino. Os hispânicos vão continuar crescendo, mas é um erro pensar que eles se comportam na política como um grupo homogêneo. Um agricultor mexicano californiano tem interesses diferentes de um comerciante colombiano de Miami.
Por que a mídia e as pesquisas erraram?
A tecnologia das pesquisas, que ficou com os telefonemas em casa para determinar as intenções de voto em uma base geográfica, não funciona. Além disso, há novas redes sociais que não entendemos.
Essa onda populista varrerá também a União Europeia?
Espero que a União Europeia não nos decepcione. Trump vai contra os valores que inspiraram o projeto europeu: é isolacionista, protecionista, crê nos muros e nas fronteiras. Se os EUA desaparecem como defensores desses princípios, resta apenas a Europa, porque na Rússia, China, Ásia ou África ninguém os abraça.
A eleição de Trump é uma reação ao "fim do poder"?
As pessoas não digerem a ausência de líderes fortes: querem os "terríveis simplificadores", e Trump vende certezas. Hoje é fácil tomar o poder de forma incomum, é difícil usá-lo, e mais fácil ainda perdê-lo. Vimos isso com o Brexit, Podemos, o Movimento 5 Stelle, Syriza, Chávez. Protagonistas não tradicionais jogam fora das regras e obtêm o poder. Depois, usam-no, descobrem que é mais difícil do que acreditavam e perdem-no. Isso já aconteceu nos EUA com o Tea Party, e o mesmo se aplica agora a Trump. Veremos se ele será capaz. Se, como presidente, ele se comportar como candidato, haverá enormes problemas no mundo e nos EUA.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
"A Europa ficou sozinha para defender os valores comuns." Entrevista com Moisés Naim - Instituto Humanitas Unisinos - IHU