29 Outubro 2016
Cerca de 200 indígenas de vários povos, vindos de diferentes regiões do Amazonas, ocuparam na manhã de ontem, 26/10, a sede do Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) de Manaus. A reação contra o desmonte da saúde acontece em outros municípios, onde organizações indígenas têm manifestado repúdio à Portaria 1907/16 e 2141/16.
A reportagem é de J. Rosha, publicada por Conselho Indigenista Missionário – CIMI, 27-10-2016.
Trabalhadores da saúde e lideranças indígenas destacam que os danos às comunidades não vão demorar a aparecer. “Eu sou enfermeira, trabalhadora da saúde indígena, e não tenho garantia de salário no mês que vem. O ministro da saúde não repassou duas parcelas do convênio com a organização que presta atendimento aos indígenas”, diz a enfermeira Elionaia de Figueiredo Soares.
“Nós já estamos sendo prejudicados”, diz Ronaldo Barros Maraguá, presidente do Conselho Distrital de Saúde Indígena (Condisi) do Dsei de Manaus. Primeiro, os pacientes que precisam de consulta, que já tinham consulta agendada em Manaus, não estão podendo se deslocar. “Se uma pessoa se acidentar e precisar de remoção, não será possível, visto que a Coordenadora está sem autonomia. Antes da Portaria, a coordenadora tinha autonomia total de fazer as remoções ou solicitar passagens”, explica Ronaldo Barros acrescentando que “os coordenadores tem que pedir autorização do ministro através dos seus secretários executivos para poder dar autorização para esse tipo de atividades. Isso causa um dano enorme”.
No interior do Amazonas o atendimento às comunidades indígenas tem sido um grande desafio. Em muitas localidades o acesso só é feito por avião ou deslizadores. Na época da cheia dos rios, de janeiro até julho, fica relativamente mais fácil o tráfego em pequenas embarcações. Porém, na época da vazante, indígenas e trabalhadores da saúde padecem para se deslocar das comunidades para as sedes municipais e de lá para a capital, Manaus.
É assim, por exemplo, nas comunidades do Careiro da Várzea, município próximo a Manaus. Quem mora em aldeias de municípios mais distantes, como Itamaraty, Eirunepé, Juruá e Atalaia do Norte terá ainda mais dificuldade de receber atendimento.
Desde a última segunda-feira, 24, mais de 100 indígenas ocuparam a sede do Dsei de Atalaia do Norte, município que fica, em linha reta, a 1.130 quilômetros de Manaus. As lideranças estão se movimentando para que os moradores das aldeias mais distantes também participem da ocupação. O Dsei de Atalaia do Vale do Javari, sediado em Atalaia do Norte, atende uma população de aproximadamente cinco mil indígenas, de cinco povos distintos.
A região já esteve no centro das tensões em razão da precariedade do atendimento à saúde. Ali, desde o início da década de 1980, um grande número de indígenas morreu em decorrência da contaminação por hepatite tipo “B” e outras doenças endêmicas, como a malária. Grande parte dos óbitos aconteceu durante a remoção dos pacientes. As longas distâncias, as dificuldades de transporte e o longo tempo de viagem ainda causam muita dor às famílias indígenas.
Antes das medidas tomadas pelo Ministério da Saúde as dificuldades já eram enormes. Com o desmonte da saúde indígena, as expectativas são ainda piores. A União dos Povos do Vale do Javari (Univaja) destaca a gravidade da situação e alerta para os riscos que correm as pessoas portadoras de hepatites virais em tratamento.
Na região do rio Purus, no sul do Amazonas, lideranças indígenas de vários povos se articulam para ocupar a sede do Dsei da cidade de Lábrea.
De Manicoré, representantes dos povos Tenharim, Tora, Apurinã, Mura, Munduruku e Pirahã divulgaram carta repudiando a Portaria 1907/16 destacando que “(...) essa portaria acaba com autonomia administrativa e financeira dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI), proposta desde a II Conferência Nacional de Saúde indígena realizada no ano de 1993, e duramente conquistada por meio da Lei 9.836 aprovada no congresso nacional em 1999, da política nacional de saúde dos povos indígenas aprovada no Conselho Nacional de Saúde, em 2002, e finalmente pela criação da SESAI em outubro de 2010”.
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Amazonas: o levante que ajudou a pressionar o Ministério da Saúde a revogar portarias contra a autonomia da Sesai - Instituto Humanitas Unisinos - IHU