07 Outubro 2016
A cada poucos metros há uma estaca de aço enferrujado segurando a cerca de arame farpado. De uma distância, a pessoa quase não consegue distingui-la da paisagem montanhosa, entre os cactos e a grama do deserto. E sob o sol escaldante, é necessário olhar mais de perto para ver todos os pontos onde o arame foi reparado. O brilho do metal novo os entrega.
A reportagem é de Ines Pohl, publicada por Deutsche Welle, 07-10-2016.
Jim Chilton tem 77 anos. Ele leva menos de um minuto para rastejar por baixo da cerca. Com isso, ele passou a fronteira entre o México e os Estados Unidos. Ele pendura o chapéu de caubói em uma das estacas, mas o Colt permanece no coldre do pesado cinto de couro – sempre à mão.
Milhares de pessoas atravessam suas terras a cada ano. Ninguém conhece o número exato. Elas deixam para trás toneladas de lixo plástico. Quando as vacas comem os restos, têm uma morte dolorosa. "Hoje em dia, uma das principais tarefas dos meus vaqueiros é a reparação de cercas", diz Jim.
Cada vez menos dos que atravessam a fronteira são pessoas à procura de trabalho, na esperança de uma vida melhor. Em vez disso, a maioria é traficantes de drogas controlados pelo Cartel de Sinaloa, uma das organizações criminosas mais brutais do mundo.
"Cruzar a fronteira ficou muito perigoso para pessoas comuns em busca de trabalho", diz Jim, enquanto mostra fotos de arbustos com roupas íntimas femininas penduradas. "Esses são os troféus que os criminosos penduram lá depois de terem estuprado sua vítima, às vezes por dias."
Muitos dos que ainda se arriscam, conta Jim, são obrigados a transportar drogas. Seus olhos azuis metálicos se espremem enquanto ele diz isso. "É errado, o que está acontecendo aqui na minha terra, o que está acontecendo aqui na América."
Jim é fazendeiro desde 1987. Emprega quatro vaqueiros em seus 20 mil hectares de terra, o que é bastante chão, mesmo para os padrões americanos. Cerca de 800 hectares pertencem a ele e sua mulher; o resto é arrendado do Estado. No terreno, estão cerca de mil cabeças de gado. Ex-funcionário de um banco, formado em administração, ele ganha grande parte de seu dinheiro vendendo bezerros.
A fazenda fica a 110 quilômetros de Tucson, no Arizona. Quando, há 30 anos, Jim decidiu seguir a tradição familiar, que há cinco gerações trabalhava no campo, não pensou que seria um problema o fato de sua terra ser ao longo de 8 quilômetros da fronteira com o México. Agora, isso determina a sua vida.
"Desde o início havia mexicanos que atravessavam a fronteira para trabalhar nos EUA. Isso nunca nos incomodou", diz Jim. "Quando nos deparávamos com eles, dávamos água e mostrávamos onde havia mais lugares com água no caminho através de nossa terra." Nos meses de verão a temperatura pode chegar a 40 graus Celsius à sombra.
Como sua esposa, Sue, Jim continua repetindo a frase "ninguém deve morrer em nossa terra". Ambos vão regularmente à igreja. Sue, de 74 anos, conduz o coro da igreja católica. Jim continua a instalar pequenas torneiras em seus 20 bebedouros para o gado, para que as pessoas possam encher suas garrafas de água, mesmo que ele não considere mais a situação aceitável.
Ele e seus vizinhos têm lutado por anos por patrulhas de fronteira adequadas. "Muito antes de Donald Trump falar sobre um muro, nós pedíamos um", conta.
Cada vez mais vizinhos seus foram desistindo – eles não acreditam que algo vá mudar. Eles não acreditam que estradas adequadas finalmente sejam construídas ao longo da fronteira ou que haja postos com policiais, para que não dure três ou quatro horas para a polícia chegar quando é chamada, ou quando as câmeras de vigilância mostram longas filas de homens carregando mochilas pesadas e armados com fuzis AK-47, serpenteando seu caminho através do terreno.
Amigos venderam suas fazendas pela metade do valor, felizes por terem encontrado alguém que as comprem. Geralmente é o governo que as compra, porque nenhum comprador privado quer correr o risco.
Enfrentar traficantes pode ter consequências fatais. Duas famílias de que são amigos tiveram essa experiência. Krentz e Larry Link foram baleados depois de informarem sobre os esconderijos de drogas que encontraram. Jim diz que, para estar no lado seguro, ele mesmo deixou seu rancho por um tempo depois que se deparou com um grupo de traficantes de drogas e informou sobre os bens que eles deixaram para trás.
"Nunca tive que usar minhas armas, mas sei por que eu sempre levo pelo menos uma arma comigo", diz. É difícil obter uma visão geral das coisas por aqui. Os muitos cânions oferecem excelentes esconderijos para os contrabandistas com suas mochilas pesadas, de até 30 quilos e cheias de maconha, cocaína ou heroína.
Além disso, Jim explica, o cartel colocou sentinelas em todos os lugares, e eles têm o equipamento mais sofisticado. Eles guardam a área e alertam os contrabandistas. Uma vez, ele conta que se deparou com um desses olheiros, que deixou cair seu radiotransmissor e fugiu. "Valia mais de 2.500 dólares. Eles estão mais bem equipados do que os guardas que fazem a patrulha de fronteira", afirma.
O Cartel de Sinaloa assumiu o controle total da área. "Quando eu estou aqui fora, me sinto como se estivesse em um país ocupado", lamenta Jim, olhando para suas botas de caubói costuradas à mão.
Durante décadas, ele e sua esposa foram democratas convictos. Após a universidade, Jim até trabalhou para o senador democrata Carl Hayden. Neste ano, Donald Trump terá o voto dos Chiltons. "Não concordamos com tudo o que ele diz e faz. Mas ele vai cuidar de nós. A Washington de Hillary Clinton desistiu de nós há muito tempo."
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"Vivemos em um país ocupado" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU