O futuro da Colômbia após a população rejeitar o acordo com as Farc

O presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, após a vitória do não no plebiscito. Foto: Juan Pablo Bello/SIG

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Por: João Flores da Cunha | 04 Outubro 2016

A paz na Colômbia foi adiada. O acordo assinado entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia-FARC para encerrar o conflito no país foi rejeitado pela população em plebiscito realizado no domingo, 02-10-2016. Com 50,21% dos votos, o não ao acordo se impôs ao sim, que teve 49,78%. A diferença foi pouco superior a 50 mil votos, em um universo de quase 13 milhões.

O pleito teve alta abstenção: apenas 37% dos colombianos compareceram às urnas. O voto não é obrigatório no país.

O triunfo do não foi recebido com surpresa na Colômbia: as pesquisas de opinião haviam apontado uma vitória do sim com folga. O resultado significa que o acordo de paz assinado em uma cerimônia no último dia 26-09-2016 em Cartagena não será implementado. O cronograma de desarmamento e desmobilização das Farc previsto no acordo deixa de ter validade.

Não há clareza sobre o que irá ocorrer a partir de agora. Tanto o governo quanto as Farc haviam afirmado, após a conclusão das negociações de Havana, que este acordo era o melhor a que chegariam. O texto rejeitado pelos colombianos é o resultado de quatro anos de diálogo entre o governo do país e a guerrilha. No dia seguinte ao plebiscito, o chefe da equipe do governo responsável pelas negociações deixou seu cargo à disposição.

Em sua declaração após o anúncio da vitória do não, o presidente da Colômbia, Juan Manuel Santos, afirmou: “Não me renderei. Seguirei buscando a paz até o último minuto de meu mandato porque esse é o caminho para deixar um país melhor para os nossos filhos”.

O presidente garantiu que o cessar-fogo “bilateral e definitivo segue vigente e seguirá vigente”. Em referência tanto aos que votaram sim quanto aos que votaram não, Santos afirmou que “todos, sem exceção, querem a paz”. O presidente admitiu que o resultado do plebiscito manifesta “uma nova realidade política”. O resultado constitui uma grande derrota para ele e para sua presidência.

As Farc emitiram um comunicado no qual reiteram o compromisso com a paz. O texto, assinado pelo Secretariado Nacional da organização, diz que as Farc “lamentam profundamente que o poder destrutivo dos que semeiam ódio e rancor tenham influído na opinião da população colombiana”. As Farc também afirmaram “sua disposição de usar somente a palavra como arma de construção em direção ao futuro”. “A paz triunfará” é a frase que encerra o comunicado da organização.

O grande vitorioso do plebiscito na Colômbia foi o ex-presidente Álvaro Uribe (2002-2010), que se opôs ao acordo e fez campanha pelo não. Após o resultado do plebiscito, Uribe repetiu os termos de Santos ao afirmar que “todos queremos a paz; ninguém quer a violência”. Ele fez referência a um “grande pacto nacional” para que essa paz seja alcançada.

O ex-presidente pediu que não haja impunidade. Para os setores políticos alinhados a Uribe, o acordo dava demasiadas concessões às Farc. Seus integrantes teriam penas mais brandas se confessassem seus crimes, e apenas os mais graves acarretariam prisão. As Farc também garantiram nas negociações o direito a no mínimo cinco senadores e cinco deputados por dois ciclos eleitorais, mesmo que seus votos nas urnas não fossem suficientes para tanto.

O resultado do plebiscito coloca a Colômbia em um cenário de indefinição que reverte o clima de otimismo e de expectativa pelo fim do conflito que havia se criado nos últimos meses, após a conclusão das negociações de paz. Essas serão retomadas em Havana a partir desta semana, segundo o presidente Santos.

Independentemente do que ocorrer a partir de agora, o certo é que qualquer resolução se dará na “nova realidade política” a que se referiu Santos: uma em que os colombianos rejeitaram, ainda que por margem estreita, o acordo costurado por quatro anos entre o governo e a guerrilha que desde 1964 luta contra ele.

Embora o cessar-fogo acertado no âmbito das negociações esteja em vigor desde agosto, tecnicamente, o conflito, que já dura mais de 50 anos, continua. Erika Guevara-Rosas, diretora das Américas da organização Anistia Internacional, afirmou que o dia da votação do plebiscito “vai entrar para a história como o dia em que a Colômbia deu as costas para o que poderia ser um fim para um conflito de 50 anos que devastou milhões de vidas”.

Francisco de Roux, fundador do Programa de Desenvolvimento e Paz de Magdalena Medio – região que passou por intenso conflito armado na Colômbia –, afirmou que “o resultado da votação mostra que os acordos devem ser reformados para ser viáveis política e institucionalmente na Colômbia de hoje. E o que importa ao final é a paz, que requer momentos de generosidade heroica, para que possamos superar a barbárie da violência política de uma maneira factível em uma pátria reconciliada”.

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