29 Agosto 2016
"A Europa ainda existe?" Quando escolheu o tema para o encontro anual dos seus ex-estudantes, Bento XVI fez isso fazendo essa pergunta. Uma hesitação que "impressionou" o padre Stephan Horn, coordenador do Schülerkreis e ex-assistente universitário de Joseph Ratzinger.
A reportagem é de Andrea Gagliarducci, publicada no sítio da agência ACI Stampa, 25-08-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Em uma conversa com a ACI Stampa, o padre Horn apresentou o tema e ressaltou que a reflexão de Bento XVI gira toda em torno de um conceito: é a fé que pode salvar a filosofia, a ética, e criar uma nova sociedade.
Por que o Schülerkreis deste ano se concentrou na Europa?
Como sempre, falamos entre nós sobre as ideias que poderíamos propor ao Papa Bento. Surgiu o assunto da Europa, e logo se viu que a nossa grande maioria estava interessada nesse tema. E mais: existe uma certa preocupação sobre a questão europeia, uma certa ansiedade... Sente-se que é um grande desafio.
É um tema pelo qual o Schülerkreis está muito afeiçoado...
Sim, pensamos muito nesses temas. No ano passado, em Berlim, com a fundação a nós ligada, organizamos um simpósio sobre o pensamento político do Papa Bento, e, no próximo ano, estamos pensando outro simpósio em Munique, para falar sobre como os cristãos podem ajudar a Europa a se renovar.
Como Bento XVI acolheu a ideia do tema?
Como de costume, apresentamos três possibilidades. Ele escolheu o tema da Europa, mas com uma certa hesitação, devo dizer. Quando escolheu, ele fez a pergunta: "A Europa ainda está viva? Ainda existe uma Europa? A Europa existe realmente?". E depois acrescentou: "Se escolhermos esse tema, devemos fazer uma análise profunda. Caso contrário, não conseguiremos falar em profundidade dos desafios da Europa".
Essa hesitação de Bento XVI é interessante, já que o papa emérito dedicou à Europa páginas extraordinárias, com grandes reflexões sobre a crise da Europa, mas também com uma visão que parecia quase esperançosa. O que Bento XVI pensa hoje sobre a Europa?
Nós discutimos a respeito em profundidade, mas fiquei impressionado com o comentário do papa: eu não esperava isso. Porém, essa ansiedade é compartilhada até mesmo pelo professor Joseph H. H. Weiler, que será um dos dois palestrantes do Ratzinger Schülerkreis deste ano.
Qual é o grande desafio da Igreja na Europa de acordo com o pensamento de Bento XVI?
Ele nunca fez teologia política, porque, para o papa emérito, a política é uma coisa ética. Ele quer separar a religião da política. No cristianismo, há uma certa distância entre Igreja e Estado. Bento XVI, ao contrário, considera que a política, as decisões dos governos devem ter um fundamento ético. Esse é o grande desafio da Igreja, da fé: dar um fundamento ético aos políticos. Bento XVI pensa que o mundo laico também pode aceitar as conclusões da fé, porque a fé traz consigo a verdade e, portanto, ajuda a conhecer a verdade ética. Por isso, Bento XVI pensa que, de alguma forma, a fé pode salvar a política dando esse fundamento.
A fé como semente da sociedade, como fonte de um pensamento de grande fôlego...
Sim, porque Bento XVI não acredita que os filósofos devam ser crentes para aceitar temas e pensamentos da fé. Mas a fé dá o que pensar. Assim, com a fé, também se salva a filosofia, porque o pensamento filosófico se restringiu muito às coisas concretas, práticas, e não aos grandes desafios.
De que grandes desafios vocês irão falar no Schülerkreis?
Primeiro, faremos uma análise daquilo que falta à Europa e depois discutiremos também sobre essa ideia de que a fé pode salvar a filosofia. Uma ideia oposta às tendências que visam a eliminar a fé do pensamento.
O que vocês esperam dos dois palestrantes, o professor Weiler e o bispo emérito Egon Kapellari?
Esperamos do professor Weiler a análise: como jurista, ele sabe qual é a situação, de que modo a ética e a fé são tocadas pela política europeia. Além disso, ele pode ver de fora a fé cristã, sendo judeu. Mas, ao mesmo tempo, ele vem da mesma tradição da Bíblia e aceita muito bem os valores cristãos, como o perdão como instrumento nas relações entre os Estados. Quanto ao bispo Kapellari, ele irá nos falar dos diversos âmbitos com os quais a Igreja é chamada a colaborar com as instituições e ele também pensará, talvez, no desafio da integração da imigração de pessoas de religião islâmica.
Depois do Schülerkreis, como cada um de vocês vai desenvolver o tema da crise da Europa nas suas posições, na academia ou na sociedade?
Estamos ampliando o nosso ponto de vista. Por exemplo, há o arcebispo Bartholomew Adokonou, da África, que faz parte do Schülerkreis, e que considera o desafio europeu como crucial. Ele não poderá estar presente, mas gostaria de estar. Ele enfatiza com força o problema de que a política europeia não tem respeito pelas religiões. Quer-se impor um mundo secularizado, não religioso. E esse nível de relação intercultural – diz ele, com o Papa Bento – não leva a um verdadeiro diálogo, porque põe a religião de lado. Porém, as religiões que o mundo secularizado quer destruir tem um valor. Mas desenvolvemos várias outras dimensões: um dos nossos membros, Burns, é um jurista que vem dos Estados Unidos, onde há uma separação ainda maior entre Igreja e Estado.
E, depois, há o ponto de vista alemão...
Sim, onde há uma conexão muito estreita entre Estado e Igreja, como dizia Bento XVI. A Igreja deve se libertar um pouco desse vínculo. Temos muitas grandes instituições, como a Cáritas, mas aqueles que trabalham nessas instituições são cristãos sem realmente levar uma vida cristã. Devemos pensar em uma vida na fé, mais do que nas estruturas. Talvez seja necessário abandonar as instituições que não trazem realmente algo de cristão.
É a "desmundanização" de que Bento XVI falava...
Exatamente. São esses os sentimentos que trazemos conosco e realmente queremos ajudar a difundir as ideias do Papa Bento.
A fé pode criar uma Europa mais unida?
A fé pode ajudar a revitalizar os valores que ajudam a Europa a ser a Europa. O cristianismo é a alma da Europa, e, quando falta a alma, falta tudo.
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A pergunta de Bento XVI: "A Europa ainda existe?" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU