10 Agosto 2016
Escritor inglês Stephen Graham fala da securitização do cotidiano e da militarização do espaço urbano físico e virtual.
Da estrutura das lixeiras à iluminação pública, passando pelas guaritas e pelo próprio traçado de ruas, estacionamentos e parques públicos, quase todos os aspectos de uma cidade que sedia um megaevento esportivo - como o Rio de Janeiro durante a Olimpíada - são avaliados e possivelmente alterados com um objetivo: aumentar a segurança.
Esse pequeno mas significativo exemplo da tentativa de prevenir o crime por meio do desenho urbano está presente em escala global, seja para conter ameaças terroristas, fluxo de imigrantes ou até mesmo insurreições internas ou anti-colonialistas.
O Nexo conversou sobre esse assunto com Stephen Graham, professor de uma disciplina chamada “Cidade e Sociedade” do núcleo de Urbanismo Global da Escola de Arquitetura, Planejamento e Paisagismo da Universidade de Newcastle, no Reino Unido.
A entrevista é de João Paulo Charleaux, publicada por Nexo, 07-08-2016.
Graham está lançando no Brasil neste mês de agosto, pela editora Boitempo, o livro “Cidades sitiadas: o novo urbanismo militar”, que chegou a ser indicado ao Prêmio Orwell de literatura política.
O livro trata dos diversos aspectos do “controle social através do espaço físico e da ‘securitização do cotidiano”. O autor chama a atenção para a frequente referência à “guerra como metáfora dominante para descrever a condição constante e irrestrita das sociedades urbanas – em guerra contra as drogas, contra o crime, contra o terror, contra a própria insegurança” e apresenta os espaços urbanos como “locais prosaicos e cotidianos, áreas de circulação e espaços da cidade [que] estão se tornando” palco dessas “guerras” todas.
“Corporações militares privadas colonizam fortemente os contratos de reconstrução tanto no Iraque quanto em Nova Orleans [onde o furacão Katrina deixou 1.464 mortos em agosto de 2005]. A perícia israelense no controle da população é buscada por aqueles que planejam operações de segurança para eventos internacionais no Ocidente. E políticas de ‘atirar para matar’ desenvolvidas para combater homens-bomba em Tel-Aviv e Haifa foram adotadas por forças policiais na Europa e nos Estados Unidos – um processo que resultou diretamente na morte de Jean Charles de Menezes pela polícia antiterrorismo londrina em 22 de julho de 2005”, exemplifica o autor.
Ele afirma ainda que o Rio - assim como Londres na Olimpíada de 2012 e outras cidades que sediaram megaeventos - é local “para testes dos últimos equipamentos militares e de vigilância, que podem, posteriormente, ser propagandeados por companhias militares e de segurança para outras cidades”.
Eis a entrevista.
O que é exatamente esse ‘novo urbanismo militarizado’?
É um conjunto de ideias, doutrinas e estratégias por meio das quais a polícia e as Forças Armadas dos governos e dos Estados tentam condicionar a rápida expansão das cidades e das áreas urbanas ao controle social e político.
Cidades medievais e coloniais cresceram dentro de fortificações militares. Toda a colonização latino-americana, por exemplo, se deu nessa lógica. Foi assim com a nossa primeira capital, Salvador. De onde vem então a ‘novidade’ do urbanismo militarizado?
Esse novo conjunto de ideias, doutrinas e estratégias certamente é construído sobre um longo histórico de fortificações urbanas e de construções voltadas para vigiar e combater militarmente a insurgência. Como você diz, cidades antigas e coloniais foram cuidadosamente planejadas tendo a segurança em mente. Cidades modernas também são frequentemente organizadas por camadas, que facilitam o controle de massas revolucionárias. A reorganização feita por [Georges-Eugène] Haussmann em Paris é um grande exemplo disso. [Ele foi prefeito da área que hoje corresponde a Paris, entre 1853 e 1870, período no qual fez uma profunda reforma urbana na cidade, substituindo as ruas estreitas e sinuosas que facilitavam a construção de barricadas por avenidas largas e retas].
O ‘novo’ urbanismo militarista nasce do aprendizado com essas histórias, mas tem de lidar com um contexto muito diferente: um mundo onde o labirinto do terreno urbano tem se tornado a norma, não a exceção; onde a vida urbana é de uma mobilidade intensa e não pode ser ‘murada’ em relação a um ‘exterior’; onde as cidades podem abrigar 40 milhões, 50 milhões de pessoas; onde a vida urbana é conectada e mediada por um fluxo vasto inimaginável e desconhecido de intercâmbios digitais na velocidade da luz; onde a guerra, a violência e a tentativa de controle social é mediada e organizada usando esse mesmo intercâmbio digital; e onde um número pequeno de super-ricos saudáveis cresce cada vez mais, às custas das massas urbanas.
Esse fenômeno ocorre de maneira diferente nas cidades consolidadas dos países desenvolvidos e nas novas cidades que crescem aceleradamente nos países em desenvolvimento? Há exemplos de cidades grandes na América Latina ou na África que tenham escapado com sucesso desse modelo?
Certamente, não há um modelo único de novo urbanismo militarizado. Diferentes cidades têm diferentes dinâmicas, baseadas em suas localizações e no papel que desempenham na economia global, assim como em seus papéis como centros politicamente simbólicos, sua posição geográfica central ou periférica, seu grau de desigualdade social e política, sua localização dentro de zonas de guerra mais abrangentes, seus recursos, seus conflitos etc.
Em megacidades de crescimento acelerado, os conflitos securitários estão centrados nos esforços das elites dominantes em reimaginar as suas próprias cidades como pontos globais limpos e seguros para consumo internacional de turistas, de investidores e daqueles que participam de megaeventos, enquanto, do outro lado, massas de trabalhadores reivindicam o direito de usufruir da vida urbana - em termos de serviços, educação, emprego - com dignidade e segurança, sem a violência sem limites do Estado, a repressão e os abusos.
Com a Olimpíada, o terrorismo tem sido muito discutido no Brasil. Há certo fascínio em relação às imagens de militares armados em pontos turísticos do Rio. Essa mudança na paisagem é temporária ou pode engendrar um legado mais duradouro dos Jogos?
Existe um aspecto visual e de espetacularização importante na forma como exércitos e forças policiais paramilitares desfilam pelas cidades às vésperas desses eventos. Em Londres [sede da Olimpíada de 2012] aconteceu a mesma coisa. Há uma certa postura de masculinidade. Há um elemento que é a criação de uma marca de segurança para a cidade direcionada ao público global e a seus potenciais investidores. E há também o papel da ‘janela de compras’, uma vez que cidades que investem grandes quantias em operações de segurança para uma Olimpíada são locais para testes dos últimos equipamentos militares e de vigilância, que podem, posteriormente, ser propagandeados por companhias militares e de segurança para outras cidades. O Rio de Janeiro já é uma cidade famosa no resto do mundo por seu centro ‘inteligente’ de controle urbano.
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Como o "novo urbanismo militar" está redesenhando as grandes cidades - Instituto Humanitas Unisinos - IHU