A dor olímpica dos megaeventos

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23 Outubro 2011

"Neste momento, a cidade de Londres - que no próximo ano sediará as últimas Olimpíadas antes do Rio - está experimentando sua própria dor olímpica, porque ainda não consegue definir qual será o futuro do principal estádio dos jogos, no East Side, após o evento. Há apenas duas semanas, o acordo para a concessão do estádio a um clube de futebol local fracassou. Consequentemente, as autoridades enfrentam a perspectiva de entregá-lo ao Estado", escreve David Owen, ex-editor de esportes do Financial Times e colunista dos sites Insidethegames.biz e insideworldfootball.biz, em artigo publicado no jornal O Estado de S. Paulo, 23--10-2011.

Segundo ele, "o desejo do mundo olímpico de usar ambientes espetaculares para a realização das competições nas proximidades da Vila Olímpica não coincide com o de habitantes que não entendem por que seu parque deve ser utilizado assim, uma vez que a Inglaterra é rica em locais mundialmente famosos para o hipismo".

Eis o artigo.

A imagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva agitando orgulhosamente a bandeira do Brasil em Copenhague, ao lado de Pelé e Carlos Nuzman, é famosa. O Rio de Janeiro acabava de conseguir o direito de sediar os Jogos Olímpicos, o maior e mais espetacular evento esportivo do mundo. Era o ano de 2009; os Estados Unidos, do presidente Barack Obama, foram um dos países derrotados e, para o Brasil, tudo parecia possível.

Os tempos mudaram muito. Dois anos mais tarde, tudo que se ouve falar na Europa sobre os preparativos do Brasil para sediar, primeiramente, a Copa do Mundo de 2014 da Fifa, e depois os Jogos Olímpicos de 2016, divide-se em duas principais categorias: 1) talvez o País não consiga se preparar a tempo; e 2) acusações de corrupção.

Parte disso deve ser atribuída ao sensacionalismo. Mas mesmo uma publicação séria como o Brazil Confidential, serviço online de pesquisa e análise do jornal inglês Financial Times, considerou oportuno divulgar, no início deste ano, um artigo detalhado sobre 2014, intitulado Cartão Amarelo para a Copa do Mundo do Brasil. "Os preparativos para o campeonato estão atrasados", dizia o artigo. "Os gastos são excessivos para poucas realizações."

Já é o bastante para as pessoas se perguntarem se tudo isso vale a pena. Será que a pressão para sediar megaeventos dos esportes globais produz mais sofrimento que benefícios?

Por outro lado, neste momento, a cidade de Londres - que no próximo ano sediará as últimas Olimpíadas antes do Rio - está experimentando sua própria dor olímpica, porque ainda não consegue definir qual será o futuro do principal estádio dos jogos, no East Side, após o evento. Há apenas duas semanas, o acordo para a concessão do estádio a um clube de futebol local fracassou. Consequentemente, as autoridades enfrentam a perspectiva de entregá-lo ao Estado.

Em geral, a campanha da capital britânica para os Jogos Olímpicos transcorreu sem muitos problemas desde que, em 2005, Londres obteve do Comitê Olímpico Internacional (COI) o direito de sediar os Jogos de 2012.

Isso porque os organizadores trataram imediatamente de levantar as verbas necessárias - com a identificação e assinatura dos contratos com as empresas patrocinadoras -, antecipando-se à crise financeira e econômica que ainda compromete o sucesso da Europa. Na realidade, a recessão contribuiu para manter baixos os custos da construção do Parque Olímpico. Aparentemente, um dos principais efeitos positivos secundários do fato de sediar os Jogos é a melhoria da reputação das construtoras britânicas.

Os organizadores de Londres também conseguiram se desincumbir razoavelmente bem de algumas operações possivelmente complexas, como a venda de ingressos. Indubitavelmente, alguns se irritaram com o custo e a escassez de ingressos. Mas esse foi um reflexo da enorme demanda, que deve ter agradado imensamente ao COI, considerando a publicidade negativa dos lugares vazios nas Olimpíadas de Atenas, em 2004, e de Pequim, em 2008.

Também parece razoável atribuir em parte a façanha inesperada dos atletas britânicos que conseguiram 47 medalhas nos Jogos de Pequim à perspectiva da futura realização em casa dos Jogos Olímpicos. Será interessante ver se, na Olimpíada de Londres, em 2012, os atletas do Brasil também se sentirão motivados e melhorarão seu desempenho.

A situação econômica é tão diferente na Grã-Bretanha e no Brasil que a experiência de um dos países nem sempre será relevante para o outro. Entretanto, na minha opinião, os megaeventos funcionam melhor quando os países que os sediam conseguem estabelecer um equilíbrio entre as exigências dos organismos desportivos internacionais, a curto prazo, e as necessidades da cidade ou do país sede a longo prazo.

Londres precisava desesperadamente de um novo complexo para esportes aquáticos de dimensões olímpicas. Graças a Londres 2012, terá o tal, ainda que a um custo consideravelmente elevado. O East Side também está recebendo substanciais melhorias em matéria de transportes, o que, ainda que teoricamente, poderia acontecer mesmo sem a Olimpíada, embora talvez não em sua totalidade.

Por outro lado, a escolha do histórico Greenwich Park como local para as competições equestres trouxe problemas para os organizadores. O desejo do mundo olímpico de usar ambientes espetaculares para a realização das competições nas proximidades da Vila Olímpica não coincide com o de habitantes que não entendem por que seu parque deve ser utilizado assim, uma vez que a Inglaterra é rica em locais mundialmente famosos para o hipismo.

E, evidentemente, se a Olimpíada exige um estádio para 80 mil espectadores, Londres - assim como quase todas as outras cidades do mundo - não tem absolutamente esse tipo de exigência.

Portanto, o quadro não é perfeito e muitas coisas podem dar errado, mas o que Londres 2012 pretende mostrar é que, com disciplina e um planejamento meticuloso, os benefícios da realização de megaeventos ainda poderão superar o sofrimento. Entretanto, nada disso é inevitável, e os cidadãos que se queixarão do tumulto e de outros inconvenientes, como o aumento dos impostos, se irritarão se o evento que o país sedia degenerar numa autopromoção para os políticos com pouco ou nenhum benefício permanente para as pessoas comuns.

Mas é preciso levar em conta algo fundamental: sediar uma Copa ou os Jogos Olímpicos - ou, no caso do Brasil, ambos - garante que as atenções se voltem totalmente para o anfitrião durante algumas semanas. Será uma excelente oportunidade para exibir tudo que o país tem para oferecer, nessa vitrine planetária. Segundo Michael Payne, ex-diretor de marketing do COI: "A música, a moda, o estilo brasileiros dominarão o cenário mundial em 2014-16. E nada poderá impedir que isso aconteça".

Se ele estiver certo, a publicidade negativa dos últimos meses, embora pudesse ter sido evitada, provavelmente terá valido a pena.