07 Junho 2016
É terça-feira. Laura, 16 anos, chegou da escola. Seus pais estão trabalhando. Pulou o almoço e se trancou no quarto. Na internet, ela questiona se vale a pena continuar vivendo, mas ninguém se importa. A cena se repete com frequência, até que ela desiste de viver.
A reportagem é de Luís Eduardo Gomes, publicado por Sul21, 04-06-2016.
Laura é uma personagem fictícia, mas cenas como as citadas acima estão presentes no cotidiano de milhares de pessoas que tiram a própria vida todos os anos. Segundo dados da Secretaria Estadual da Saúde (SES), três pessoas cometem suicídio a cada 24 horas no Rio Grande do Sul. Mais de mil por ano. Entre adolescentes de 15 a 19 anos, a morte autoprovocada aumentou 30% nos últimos e já é a segunda principal causa de óbito. No entanto, 90% dos casos poderiam ser evitados, é o que alerta a coordenadora da Residência Médica do Hospital Psiquiátrico São Pedro (HPSP), Roberta Rossi Grudtener.
O tema foi debatido nesta semana do programa de capacitação “Promoção da vida e prevenção do suicídio”, realizado na última segunda-feira (30) pela SES no Centro Administrativo Fernando Ferrari, e que teve a participação da coordenadora do HPSP.
Roberta salienta que o suicídio não tem uma única causa, mas muitos fatores. Ela afirma que o aumento dos casos tem a ver com o mundo estar mais competitivo, com mudanças no estilo de vida, com o surgimento do cyberbullying – principalmente na adolescência -, mas também está relacionado à falta de prevenção, especialmente de transtornos psicológicos.
Um dos caminhos para a prevenção seria justamente parar de tratar o tema como tabu e buscar a desestigmatização de pessoas sob risco de cometer suicídio.
Sinais de alerta
Em estudo recente sobre casos de suicídio por intoxicação no Estado, percebeu-se que, num período de 10 anos, o pico de incidência de tentativas de suicídios por intoxicação por adolescentes ocorria nas terças-feiras, das 19h às 21h. Não houve nenhum caso registrado no Dia da Criança e o segundo dia com menos ocorrências foi o Natal. Já entre os adultos, a maioria dos casos ocorria no final de semana. Por quê? “A criança e o adolescente tendem a ficar mais sozinhos durante a semana. Familiares estão trabalhando. Ela vai para o colégio, depois fica a tarde inteira sozinha. A noite dá o pico de desespero”, diz Roberta. “Entre os adultos, o pico ocorre no final de semana, porque durante a semana ele está trabalhando, onde pelo menos tem contato com outras pessoas”.
A coordenadora do HPSP alerta que é totalmente possível prevenir que suicídios ocorram, começando pelo simples fato de prestar mais atenção em mudanças comportamentais. “O adolescente tinha uma rotina. Ele muda essa rotina. Por exemplo, fazia uma atividade que gostava, tinha amigos que gostava. Daqui a pouco o pai e a mãe percebem que ele deixou de fazer atividades que gostava, deixou de ver alguns programas de TV, passou a ficar mais isolado no quarto. O olhar dele é diferente. Passou a comentar menos. Pergunta alguma coisa e ele não quer responder. Tem alguma coisa de rebeldia que é normal, mas os pais sabem a diferença entre o adolescente que está rebelde e o adolescente que está indiferente. É uma mudança sutil de comportamento”, diz a médica, salientando também que é preciso ficar atento a mudanças de padrão de alimentação, como deixar de comer ou aumentar muito a quantidade de comida ingerida, e piora nas notas escolares.
Outro sinal importante a ficar atento são frases de alerta, tais como: “A vida não vale mais a pena”, “Por que eu estou vivo?”, “Não queria estar vivo”, “Eu quero morrer”. “Não é normal um adolescente querer morrer”, afirma Roberta. “Quando alguém diz ‘eu não quero mais viver’, ele não está falando de opções em que ele mesmo teria condições de decidir. Não, isso é um sintoma. Noventa por cento dos casos de suicídios são atrelados a transtornos mentais, doenças – especialmente transtornos de humor e depressão – e uso e abuso de substâncias”.
A literatura médica salienta que a grande maioria dos casos de suicídio são precedidos por estes sinais de alerta e também por tentativas. Estima-se que, para cada caso de suicídio infantil, ocorram 300 tentativas. “Geralmente, as pessoas, um mês antes de virem a cometer suicídio, verbalizam essas frases de alerta”, explica Roberta.
A médica diz que os especialistas consideram que nove entre dez casos de suicídio poderiam ser evitados e que isso começaria por uma mudança de cultura em que, por exemplo, as frases de alerta passassem a ser tratadas como sintomas. “Jamais diga ‘isso é bobagem’, porque uma pessoa que diz essas frases está apresentando um sintoma”, afirma.
Ela faz ainda uma comparação entre os sintomas de risco de suicídio com o de doenças cardíacas, por exemplo. “Quando a gente pensa em infarto de miocárdio, o que a gente pensa de sintomas? Dor no peito. Suicídio? ‘Eu quero morrer’, ‘A vida não vale mais a pena’, isso aí são sintomas graves. É um sintoma, não é bobagem. De alguma forma essa pessoa está dizendo: ‘Por favor, socorro. Eu estou em intenso sofrimento'”.
Ela salienta que estes casos devem, inclusive, ser tratados como urgência ou até emergência pelas unidades de saúde. Urgência seria ela estar falando sobre isso. Emergência seria: ‘Eu vou me matar’.” Essa pessoa não pode ficar mais nenhum minuto sozinha até ela ser avaliada por uma equipe de saúde, por um médico psiquiatra, até ser vista qual é a melhor coisa a ser feita”, diz a médica. “Se chegar um baleado no posto de saúde, o que acontece? Para tudo e vai se atender o baleado. É a mesma coisa se chegar alguém que foi levar o seu bebezinho para fazer vacina e disser na sala de espera: ‘Ah, a vida não vale mais a pena'”, complementa.
Como prevenir
A médica diz que é importante a procura por atendimento especializado de forma espontânea, mas também é necessário que pessoas próximas, sejam familiares, responsáveis ou amigos, encaminhem pessoas com transtornos mentais para um tratamento. Ela salienta que o governo está capacitando os profissionais da rede básica de saúde para também estarem preparados para acolher estas pessoas, começando por uma escuta preparada.
Além da busca de tratamento médico, Roberta salienta que a prevenção a casos de suicídio começa, muitas vezes, com uma boa conversa. “No momento que se observa no adolescente uma mudança de comportamento, a melhor coisa que o pai, a mãe ou os responsáveis podem fazer é sentar e conversar com esse adolescente. ‘Vamos conversar aqui um pouquinho, cara. Me diz como tu tá se sentindo?’ Se vier esses sinais de alerta, vamos buscar ajuda, então'”.
Mas ela acrescenta que a prevenção também passa por campanhas permanentes. Um exemplo é o Setembro Amarelo, campanha promovida pela Organização Mundial da Saúde (OMS) desde 2006 e replicada no Estado.
No caso de crianças e adolescentes, ela salienta que as escolas tem papel fundamental através da realização de ações de defesa da vida. “Ações que vão promover a paz, promover o respeito das diferenças, promover o que cada criança tem de especial. Isso previne suicídios”, diz a médica.
“No momento que a gente previne bullying, que é um fator de risco, a gente está prevenindo, em última análise, a depressão, a busca por soluções mágicas, que é o uso de substâncias. Através de um ambiente mais saudável podemos promover a vida”.
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Suicídios de jovens crescem 30% e órgãos defendem que sinais sejam tratados como emergência - Instituto Humanitas Unisinos - IHU