12 Mai 2016
Fonte: Religión Digital |
Chamam-lhe ciberteólogo, mas o padre Antonio Spadaro é, acima de tudo, um dos intelectuais mais importantes da Igreja e, como tal, diretor da Civiltà Cattolica, uma das revistas mais prestigiadas da Companhia de Jesus. Ainda não tem 50 anos, mas o jesuíta já escreveu mais de vinte livros, fez a primeira entrevista com o Papa Francisco e é considerado um dos conselheiros da corte Bergoglio.
“A Companhia vive uma relação de tensão com o Papa que, a meu ver, é muito positiva”, constata o jesuíta em entrevista concedida a José Manuel Vidal, publicada por Religión Digital, 09-05-2016. A tradução é de Evlyn Louise Zilch.
Eis a entrevista.
Você é um dos conselheiros de Bergoglio?
O Papa Francisco conhece muitas pessoas a quem pede conselhos. Não, eu não me considero um conselheiro do Papa. Absolutamente não. Eu sou apenas uma pessoa que teve contato com ele, como muitos outros. Uma das principais características deste Papa é que ele é muito aberto para dispor-se a escutar as pessoas. De fato, essa é uma das razões pelas quais ele vive em Santa Marta, porque ali pode conhecer muitas pessoas, pastores ou não, que lhe dão informação, lhe contam... É um Papa muito aberto a conselhos e à comunicação.
A Igreja escuta a pulsação do coração do povo porque o Papa se identifica com essa gente.
Absolutamente. Sim, é um papa que ouve profundamente. Suas fontes de informação não são apenas as oficiais: ele é uma pessoa que quer ouvir.
Você, por exemplo, sobre que temas concretos costuma lhe perguntar?
Não, não, eu não tenho nenhuma comunicação regular com ele... Quando eu estive com ele, tem dependido do tempo; a pergunta tem dependido da situação.
Você acaba de publicar um livro sobre o Papa e as crianças: Querido Papa Francisco. Como foi a experiência?
Extraordinária. Porque o papa recebe muitas cartas de tantas crianças... Então eu tive essa idéia: pegar algumas cartas de crianças de todas as partes do mundo e apresentá-las ao Papa para as respondesse.
Apresentei em Santa Marta a seleção de cartas, das crianças de todas as partes do mundo (China, Síria, Argentina, obviamente, Irlanda... também a Espanha), e o mais bonito foi que o Papa respondeu-lhes de uma forma especial.
Com as crianças não encontra barreiras e eles levantam as perguntas que qualquer um de nós levanta. Então, surgem as questões sobre a vida, sobre a morte, sobre o sentido do sofrimento, assim como as perguntas pessoais sobre a vida do Papa... O Papa se divertiu com todas essas perguntas, que são realmente difíceis de responder, mas que, quando são respondidas, a resposta se aplica a todos, porque vem do coração.
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O livro foi publicado também na Espanha.
Sim e em muitas partes do mundo e em muitas línguas.
Qual é a chave, em sua opinião, deste pontificado? A recuperação do espírito do Vaticano II?
Pode-se dizer que o Papa Francisco é o primeiro Papa pós-Vaticano II, porque ele não participou no Concílio. Porém, embora ele não o tenha testemunhado, internalizou profundamente seu espírito. Como ele disse na entrevista que fiz com ele, o seu sonho é andar para frente. Por isso eu não me atreveria a dizer que deseja recuperar algo do passado, porque é um Papa que quer avançar. É um Papa que quer servir o Espírito na Igreja de hoje. A palavra que ele usa mais fortemente é a palavra misericórdia, desde 2013, durante os primeiros meses de seu pontificado, nomeou-a duzentas vezes. E logo chegou o Ano da Misericórdia...
Com isto quero dizer que a principal coisa é a pastoral; que a missão da Igreja para ele é a salvação das almas, acima da doutrina, de todas as questões doutrinárias... Ele vai direto a um Evangelho que consiga mover a história e o coração do homem. Essa é a grande lição do Vaticano II que o Papa Francisco fez sua.
Você deu em Madri uma conferência sobre a Misericordia no Papa Francisco. Quais são as chaves de fundo dessa misericórdia? Você explicou que há misericórdia no tempo, no espaço...
Sim. A misericórdia é reconhecer que o Senhor vem ao seu encontro antes de você ir à procura dele. É saber que Deus estará com você mesmo antes que você deseje, de que necessite. Por isso me refiro ao tempo e ao espaço: Deus se antecipa. Está sempre completamente aberto a encontrar-se conosco. Não há impedimento, não há barreiras. O Senhor com os braços abertos sempre tem essa grande mensagem: misericórdia é descobrir o rosto de Deus. É a grande mensagem da evangelização.
Essa mensagem de ternura, de misericórdia, está permeando as pessoas?
Penso que sim. Creio que há muita gente seduzida pela figura do Papa. Sua forma de se mover, de falar, todos os seus gestos de ternura não são somente simbólicos: são reais.
É um Papa que abraça.
Exatamente. É um Papa que abraça, que sorri! Seu abraço se sente porque, quando abraça fisicamente, o faz com força. Ou seja, é Evangelho: saber que o Papa, que visivelmente representa a face da Igreja frente a toda a humanidade, sorri.
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Ele está conduzindo a uma conversão de coração das pessoas e das estruturas?
Absolutamente de acordo. Para este Papa, não basta mudar as estruturas: tem de mudar as almas, que são as que mudam as estruturas depois... Não é um Papa revolucionário, no sentido de que o que está fazendo é simplesmente reivindicar o Evangelho. Ele pensa que, se a Igreja se apega ao coração do Senhor, tudo pode mudar. Isto é o que o Papa realmente quer: não fazer revoluções, mas colocar de maneira radical a Jesus dentro de cada coração. E é assim que vai mudar a igreja.
Mas isso é uma grande revolução.
Porque o Evangelho é uma grande revolução! Descobrir que o Evangelho não é a legitimidade de um status quo, mas é algo que muda o coração e muda a história.
Que resistência está tendo dentro, em sua própria casa: na cúria, em algum lugar na hierarquia...? O povo está visivelmente convencido, e o clero?
Vamos dizer que o Papa não é um papa de atos, mas de processos. Ama o processo. Abrir processos que não tem por que terminá-los ele mesmo necessariamente. Portanto, se um processo é realmente uma partida, não vai contra as resistências: o próprio fato de que há resistência significa que o processo funciona.
Esta resistência é porque qualquer mudança pode ser desestabilizadora... Mas essa abundante misericórdia de Deus, que é o núcleo mais profundo do Evangelho, não se pode desestabilizar! Isso é só porque estão mais atentos à estrutura e à certeza do que à liberdade do coração. Por isso Francisco gera atenção, mas também confusão. Mas esta não deveria existir: é a palavra do Evangelho a que ele demonstra. Sua abertura é esta: a mensagem do Evangelho.
Se olharmos para as raízes cristãs da Europa, estas são o lava-pés. Quando o Papa Francisco lavou os pés dos refugiados na quinta-feira santa, embora eles não fossem cristãos mas muçulmanos, teve um gesto que diz quais são as verdadeiras raízes cristãs da Europa.
Mulheres refugiadas que choravam ao vê-lo realizar um gesto tão autêntico.
Absolutamente real. Este Papa não é simbólico, é verdadeiro.
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Esta compreensão está questionando o estilo de vida da alta hierarquia?
Acho que está colocando em questão a vida de todos nós. Não está somente exigindo uma mudança com a alta hierarquia. Porque é fácil categorizar as pessoas e fazer distinção entre alta e baixa hierarquia, mas o Papa não pode dar crédito a tudo isso: no que ele se concentra é na diferença da qualidade evangélica. Por exemplo, há muitos cardeais que não vivem uma profunda experiência evangélica. Isso depende da pessoa, do coração. Não é um problema de categoria, mas sim de coração.
Mas aqueles que têm essa categoria deveriam dar mais exemplo. E, segundo, demonstrar que seguem os passos do Papa. Porque, pelo menos na Espanha, não se nota o que eles fazem. Se o Papa deixa o palácio, por que os bispos não deixam os seus?
Com certeza sim. O Papa tem insistido muitas vezes em uma expressão que já utilizava frequentemente quando era arcebispo de Buenos Aires e mesmo antes: que os clérigos não podem ser funcionários da Igreja, mas pastores. A verdadeira chave para a leitura do homem da Igreja, daquele que está dentro, seja mais acima ou mais abaixo, é ser realmente pastor. Esse pastor, que disse o Papa, com cheiro de ovelha. A expressão é muito bonita. Poética. Isso significa que, se você se aproximar das pessoas do povo, as pessoas irão se impregnar com esse odor de “ovelha”.
Na verdade, é um modelo de conversão para os padres que estão desconfiados do Papa Francisco porque dá mais importância a ser "pastor" que a ser um padre. Mas se desenvolvessem uma capacidade de juízo positivo, eles iriam ver que a grandeza de Francisco é encontrar as pessoas, longe de questões de estruturas e palácios. O fundamental é que o pastor está perto de seu povo.
Então, o pastor tem que demonstrar-se e também espressar-se nessas questões materiais. Um padre não pode dirigir uma Mercedes.
Sim, é isso. Algo assim sempre seria contraditório. Mas repito que o julgamento não é o exterior: o juízo é o coração. Se uma pessoa está perto ou longe. Não são tanto os hábitos externos, porque uma pessoa pode ter uma externalidade simples, mas um coração profundo.
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A reforma é demasiada lenta para alguns e muito rápida para os outros?
Qualquer processo que seja realmente profundo é lento. E a qualidade da reforma não é avaliada pela sua velocidade, mas por sua força. E para que a tenha, para que haja profundidade, se necessita de tempo.
Em segundo lugar, direi que sua reforma está se impulsionando de forma irreversível. Porque é profunda.
Irreversível neste pontificado?
Sim.
Mas com continuidade no seguinte?
Bem, vamos deixar essa surpresa para Deus. Não podemos adivinhar o futuro... Mas certamente estamos vendo que o Papa Francisco está tendo um impacto não só sobre a Igreja, mas em todo o mundo. Em sondagens internacionais já vimos que o Papa Francisco é o líder mais crível do mundo, em comparação com os grandes líderes políticos e morais da história. O seu grau de aceitação é muito alto.
Isto significa que o Papa não influencia somente a Igreja. Por exemplo, vamos prestar atenção ao que disse seu amigo muçulmano argentino: quando foi eleito o Papa Francisco em 2013, não foi eleito somente o chefe da Igreja Católica, mas um líder moral para o mundo. Neste processo, não se trata de diferir o que é o cristianismo, mas oferecer um cristianismo mais humano.
Um líder com autoridade moral reconhecida não apenas pela base, mas entre os líderes políticos mundiais.
É algo incrível. Porque o Papa Francisco é muito sóbrio, muito simples, mas justamente conquista por essa proximidade das pessoas que estão mais acostumadas com as distâncias cerimoniais. E até mesmo fica contraditório: quanto mais perto ele tem se mostrado, mais tem crescido sua autoridade. Porque as pessoas têm entendido que o significado da verdadeira autoridade está na proximidade.
Estamos passando de uma imagem do Papa imperial a um normalizado. Ele está simplificando o Papado?
Estamos passando de uma imagem constantiniana, imperial, de sinais e símbolos e herdada, a um pontificado que vai se purificando, digamos. Ele está se purificando de todos esses – demasiados – elementos. Aos poucos, ele está simplificando o Papado, levando-o ao imediatismo evangélico.
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Mas isso não agrada a muitas pessoas da Igreja.
Isto não agrada porque se acredita que a perda de sinais imperiais é uma perda de autoridade... Mas estamos vendo que não é assim. Que é completamente o oposto.
Os inimigos principais do Papa estão dentro ou fora?
Supondo que eles existam, evidentemente, mas eu não faço esta distinção. As distinções têm que ser muito mais profundas do que falar sobre dentro ou fora, de amigos ou inimigos. O que tem que ser visto é se temos um estilo equivalente ao dele, ou se o admiramos muito ou não, seja de dentro ou fora da Igreja. A diferença, mais uma vez, não é no interior ou no exterior, mas no esforço do coração.
De todos estes inimigos potenciais ou reais queo Papa tem, pode se esperar que passem a agir? Você acha que poderia acontecer algo com ele?
Não, acho que não. Francamente, o próprio Papa não está preocupado com isso. O Papa sabe que este processo é real e envolve sua pessoa e pode provocar, portanto, sentimentos contrários a ele. Mas, ao mesmo tempo, ele sabe que, como um verdadeiro processo, é um processo silencioso. Não pode incomodar tanto.
O Papa não está preocupado porque não há oposição. Além disso, explicitamente ele a quer. Ele é muito aberto à diferença e à escuta e está confiante porque tudo ele faz com tranquilidade. O que ele quer é envolver a alma das pessoas, suas vidas. A existência de oposição não irá impedir que este processo siga adiante.
Ele assume o risco de que dentro deste processo deve haver oposição.
Exato.
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Entre os processos inacabados do Papado, em geral, está a Rússia. Após a reunião em Cuba com o Patriarca Cirilo, pode-se pensar em uma próxima reunião em Moscou?
Não sei. Não podemos falar em termos de geopolítica. O Papa é uma pessoa muito livre, mas sabe perfeitamente que o mundo é dominado por interesses. Por isso ele quer acabar com os bons e os maus, os russos e os americanos... E construir pontes. É um fato que este Papa falou calmamente tanto com Obama como com Putin. Ele abriu canais de camaradagem com vários líderes mundiais. Ele tem tentado mediar conflitos como os que estão sendo negociados em Cuba e na Colômbia.
Tudo isto significa que o Papa se move muito livremente no palco global. De uma maneira próxima, mas sempre buscando o que é possível, com muito realismo. Quanto à Rússia, então, ele percebeu que ela deve estar incluída neste processo de pacificação do mundo. Como a China. O grande amor que o Papa tem pela China decorre da constatação de que a China tem uma forte influência política, e uma tradição cultural de enorme sabedoria.
É mais certa, então, a possibilidade de uma visita à China?
Parece, mas não sei... O processo é lento. Não será uma questão de um par de dias. Não será de imediato uma visita. Mas ele está aberto para o mais difícil, como quando ele se encontrou com o patriarca russo, Cirilo. Ele foi revolucionário pelo que teve de novidade, mas também pela modalidade. Quem teria imaginado que o Papa e o Patriarca se encontrariam em um aeroporto em Cuba? Todos teriam imaginado uma igreja, um monastério; o Vaticano ou Moscou... E não nessa sala simplíssima de um aeroporto em um lugar de Cuba, que é o Novo Mundo. É tão aberto que o resultado é incrível! Mas depois de tudo isso, compreende-se melhor que tenha sido autorizado a voar em território chinês, que tenham lhe dado esse privilégio.
Ele é um animal político, impressionante pela sua capacidade de desatar nós.
Sim.
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Acabo de estar em Buenos Aires e de ver a imagem do 'Desatanudos'.
Sim, mas no fundo essa imagem de 'desatanudos' é muito forte para o Papa: o Papa não pode resolver todos os problemas do mundo. O Papa quer levá-los um por um. É o do processo. Colocar óleo sobre as feridas, evitar o conflito... Curar. Começando pelos lugares que estão em situação catastrófica, como a Síria.
No dia 8 foi publicada a exortação pós-sinodal "Amoris Laetitia". O que vamos encontrar?
A Exortação Apostólica é a última etapa de um processo sinodal aberto e inspirado pelo primeiro Sínodo Extraordinário. Diante de um questionário lançado ao Povo de Deus, podemos imaginar que esta exortação recolherá o fruto deste processo longo e honesto. Não é simplesmente uma carta apostólica escrita pelo Papa, amadurecida em dois ou três dias. É um fruto lento, amadurecido dentro de um processo sinodal muito recorrido. O Papa deu importância ao processo sinodal. Ele tentou entendê-lo na intensidade de cada palavra.
E quer que esse processo sinodal se torne realidade na Igreja em todos os níveis.
Sim. O processo sinodal deve dar lugar a algo sólido. A Igreja deve viver um processo sinodal. É muito interessante que o Papa Francisco, desde sua primeira exortação, Evangelii Gaudium, sempre citou as conferências episcopais locais em suas encíclicas. Fazendo entrar o local no magistério pontifício. No fundo, o magistério pontifício não é algo solitário, mas é mantido na vida interior de cada Conferência Episcopal, na vida diária do Povo de Deus. Toda a Igreja deve ser participante Deste processo. Este Papa tem ativado a colegialidade.
Você espera que haja decisões concretas? Os jornalistas sempre falam sobre os divorciados que voltam a casar.
Vimos que neste assunto tem se feito um processo e que a palavra-chave do Sínodo foi a integração. Integrar as pessoas na vida ordinária da Igreja.
Para recuperar as pessoas?
Também. Mas, acima de tudo, como já foi aprovada pela maioria, a integração será o ponto de partida. Não tem que imaginar outra palavra: a integração é a chave.
O Papa mantém uma relação muito estreita com os meios de comunicação. Mas dá a sensação de que, às vezes, a grande mídia, grandes corporações de mídia tentar invisibilizá-lo, de ignorar a sua mensagem para permanecer no anedótico.
Isto é interessante. É um risco. O Papa Francisco se destaca por sua humanidade, e este é um valor muito importante. O valor da ternura, que não é um valor superficial; é muito profundo. Assim, o risco é cair simplesmente em acentuar os gestos, os grandes gestos do Papa, que são muito poderosos e que impressionam os jornalistas. Mas a mensagem está atrás: o gesto que mencionei antes, o lava-pés na homilia da missa da manhã de quinta-feira santa, foi muito poderoso precisamente porque a mensagem oculta era ternura. Não foi um gesto simples: foi um gesto profundo, de coração. Muito mais do que um gesto.
Você é especialista na internet e escreveu um livro sobre ciberteologia. Que papel está desempenhando a rede neste momento, no que diz respeito ao Papa?
As redes do Papa que foram abertas bateram todos os recordes de seguidores. É incrível. As pessoas estão muito atentas ao que faz o Papa Francisco. A seus gestos, às suas palavras. As mensagens de seu twitter, por exemplo, são muito retuitadas, e são palavras que ele expressa em sua conta pessoal... Também temos assistido à abertura de outra das contas pessoais do Papa: seu instagram, no qual, extraordinariamente, voltou a bater todos os recordes. Milhões de seguidores em apenas 12 horas! As pessoas “redizem” suas profundas mensagens. Isso é espetacular em Francisco. E penso que isso se deve ao fato de necessitarmos de tuítes como os dele. Que metem o dedo na ferida e tocam o coração.
Temos tantas imagens do Papa, recebemos tantas mensagens suas... Mas são mensagens que passam por nós superando os limites confessionais, e então fluem e nos tocam.
É o tipo de pessoa que mais alcança ao público jovem, que é o que está mais conectado às redes sociais.
Por exemplo, o Papa tira selfies com os jovens, e o faz de uma forma tão natural que surpreende. Estamos acostumados a vê-lo em vídeo-conferências; ver suas vídeo-mensagens. Provavelmente ele não usa o computador. Não acredito que goste. Mas que se deu conta imediamente da importância que ele tem para a prática pastoral. No fundo, é uma pessoa que se adapta muito facilmente às exigências pastorais.
De fato, como você disse, ele reconheceu uma vez ser um ignorante tecnológico.
Sim. Definiu-se como um dinossauro tecnológico. No entanto, soube ver a importância da comunicação, ainda que em seu interior não seja um homem digital.
No final, você sente-se esperançoso com este processo que se iniciou com Francisco.
Sim, acredito que ele está fazendo um trabalho de espírito. Não é somente um Papa com carisma e genialidade, mas que além da pessoa estamos vivendo um momento particular espiritualmente. Vivemos um momento histórico com certo aspecto trágico, mas também neste mundo há esperança. Vemos violência, e às vezes tanta incapacidade de reagir contra essa violência. E precisamos de uma mensagem de harmonia, de espiritualidade. Isto é o que está emergindo do Papa Francisco: o mais essencial para o momento que atravessamos.
Falta-nos no seio da Igreja um pouco mais de estusiasmo para subirmos nesta carruagem de Francisco, que está sendo uma bola de neve comparada ao pós-Concílio? Depois do Concílio, na Espanha que é o que eu conheço, houve uma onda de entusiasmo, desde as bases até o clero.
Acho que precisamos de um idealismo por um lado, no melhor sentido do termo, e, por outro lado, o realismo. O Papa Francisco é um papa realista. Ele não fala em abstrato nem se apaixona por ideais: ele se apaixona por pessoas. Mas parece-me que a Igreja sempre quis grandes esperanças e grandes desejos, mais do que realismo. O projeto de Francisco não é isso: não é nenhuma ideologia impraticável. De dentro da história, escutando-a, quer aprender com ela.
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Fermento na massa: a condução que tem o Papa é daquelas épocas de cristianismo de profundas convicções.
O Papa disse uma vez aos superiores gerais de ordens religiosas que hoje nós temos que enfrentar perguntas que nem mesmo nós compreendemos. No fundo, a realidade vai além da nossa capacidade de compreensão. Isso é realismo: saber que não temos todas as respostas. Nisto o Papa deu várias voltas em seus documentos oficiais: que nunca teremos todas as respostas.
Há uma coisa que sempre me espantou do Papa. Em algumas ocasiões, diante de alguma pergunta, sua resposta foi "não sei". Isto é singular em um papa. Mas esse "não sei" não significa viver na ignorância, mas confiar no Senhor. No livro Querido Papa Francisco, a pergunta de uma criança foi a seguinte: "Se você pudesse fazer um milagre, o que você faria?". O Papa respondeu: "Curaria todas as crianças do mundo que estão doentes, porque não entendeo o significado desse sofrimento".
O problema do mal inocente?
De fato. O Papa não apenas quis dizer que não entende, mas disse que para ele é uma ferida aberta. Lembro-me da pergunta de outra criança, que em sua inocência pergunta: "Você ama Jesus?". Uma pergunta estranha para um papa. E o Papa respondeu: "Eu não sei, mas eu sei que ele me ama". Esta atitude de total honestidade, de não dar respostas automáticas, este é o realismo que precisamos.
Deixa transparecer o que vive, não?
Absolutamente. É uma experiência de fé.
Vamos terminando a entrevista. Você também é diretor da Civiltá Cattolica, revista da Comapnhia de Jesus com muitos anos e com muito pedigree. Supervisiona, acredito que agora também, a Secretaria de Estado. A revista está indo bem? Cresce com a internet?
É a revista mais antiga na Itália e uma das revistas mais antigas do mundo. Foi fundada em 1850. Por isso, viveu a história dos últimos 165 anos de forma direta. Esta é a figura para entender a situação da revista. Aceita o desafio da história neste momento e deste pontificado. A revista foi fundada pelo Papa Pio IX, ligada aos jesuítas. Mas a ideia daquele Papa era que ela estivesse sempre ligada de maneira profunda com o Papado.
Para nós a atualidade é um grande desafio: explicar como o Papa Francisco está realizando sua missão no seio da Igreja.
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Vocês são uma espécie de abastecimento de idéias da Igreja, que a partir da revista abrem reflexões e propostas relacionadas com este processo do Papa?
Nestes momentos esta é uma das nossas tarefas fundamentais: mediar, comunicar e aprofundar-se em tudo o que está acontecendo dentro da Igreja, e o impacto de Francisco, obviamente. De seu pontificado na Igreja e no mundo. Isto, como pode ser facilmente compreendido, é uma tarefa enorme, que exige uma grande quantidade de energia. Portanto, a revista está tendo um grande sucesso de leitores e até mesmo de assinantes. Mas, ao mesmo tempo, ela nos exige enormes energias, para lidar com essa tarefa.
Influência também?
Esperamos que sim, porque se fizemos esta tarefa cultural, é porque queremos influenciar a cultura e a sociedade. Mas eu tenho que dizer que estamos conseguindo, até porque muitos de nossos artigos são traduzidos e chegam a muitas partes do mundo.
Para fazer este trabalho, você tem procurado teólogos argentinos que conhecem muito bem a maneira de ser e de pensar do Papa?
Exatamente. Porque hoje pensar uma revista cultural é impossível se reduzirmos o vínculo a uma única nação. De fato, por isso no meu escritório eu tenho um catálogo de todos os jesuítas do mundo. Somente os jesuítas podem escrever na revista. É uma norma papal desde 1950 e que permanece até hoje.
Com o catálogo de todos os jesuítas do mundo nas mãos, peço artigos a quem me parece oportuno segundo suas competências.
Reduziu-se o nível intelectual da Companhia, como dizem alguns?
Eu acho que a Companhia de Jesus está intimamente ligada às fronteiras. Algo muito característico do Papa Francisco, mas também de Paulo VI, que dizia que tínhamos que estar nas encruzilhadas culturais. Os jesuítas sentem o desafio das fronteiras. E esta é uma característica da Companhia que queremos que siga viva. Que façamos bem ou mal nas fronteiras, isso depende das circunstâncias. Mas a atenção cultural, o discernimento do que está acontecendo no mundo, a Companhia vive realmente.
Ou seja, vocês procuram casar o cultural com o social.
Sim, esta sempre foi uma constante na Companhia. Tentar compreender as dinâmicas sociais internas. Por isso muitos jesuítas trabalham diretamente nas áreas sociais, enquanto outros o fazem na educação e na cultura: nas universidades ou escrevendo livros e artigos. Como corpo apostólico, a Companhia de Jesus está muito atenta para entender o que está acontecendo no mundo.
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Foi conveniente à Companhia ter o primeiro Papa jesuíta da história, ou isso tem seus prós e contras?
Supreendeu a todos nós que ele tenha sido eleito. Eu mesmo fiquei traumatizado, naquele dia 13 de março de 2013, quando se anunciou a eleição de Bergoglio. Fiquei comovido, porque nunca na história havia acontecido algo assim: não sabíamos o que iria significar ter um Papa jesuíta. Nunca nós havíamos imaginado ser uma ordem que desse à Igreja um Pontífice.Iisto é um grande desafio para a Companhia, evidentemente.
Somente é um desafio?
A palavra, para mim, carrega um valor profundo. Um desafio nos impulsiona a pensar de uma forma diferente da que costumamos pensar habitualmente. Para tanto, o fato de que haja um Papa jesuíta que além de tudo explicita a espiritualidade inaciana – o discernimento em todos os seus gestos –, no fundo está convertendo todo o seu ministério em um discernimento. Nas vésperas da Congregação Geral para a eleição de um novo Superior Geral, isto para nós é um desafio. Em minha opinião, muito positivo.
Dizem que nessa congregação geral vocês irão focar na Ásia.
Certamente, a Ásia é um grande pulmão da Igreja, tanto do presente como do futuro. Vimos quando o Papa visitou países como Sri Lanka e Filipinas. Estamos vendo os movimentos da China e a explosão de vocações em países como Vietnã, por exemplo. É certo que a Ásia é um continente que contém o germe do futuro.
Poderá vir da Ásia o próximo geral?
De fato, o Padre Arrupe e o atual geral, o Padre Nicolás, já vêm da Ásia, porque ainda que ambos sejam espanhóis, passaram grande parte de suas vidas no Japão. O Padre Kolvenbach era holandês, mas viveu no Líbano, no Oriente Médio. Nós jesuítas sempre fomos especialmente atraídos pelo Oriente. Para nós, a figura de Mateo Ricci é uma figura chave neste sentido.
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E São Francisco Xavier.
Com certeza.
Pode-se dizer que a Companhia está prestes a morrer pelo Papa?
Pode-se dizer que a Companhia vive uma relação singular com o Papa, porque percebe claramente que este Papa vem da Companhia, mas também tem muito clara a grande obediência que a Companhia deve ao Papa. É uma relação de tensão que em minha opinião é muito positiva.
Terminamos por onde começamos: pela misericórdia. O Papa Francisco entrará para a História por ela?
Isto é algo interessante porque, obviamente, não foi o primeiro Papa que falou da misericórdia e, de fato, está em plena continuidade com seus antecessores: João XXIII e João Paulo II, que escreveu uma encíclica sobre a misericórdia.
Mas Francisco é provavelmente o Papa que a está encarnando. Está encarnando a misericórdia no tempo atual, para mudar inclusive a forma da Igreja. Está levando a misericórdia a suas consequências mais radicais, sem colocar-lhe limites nem barreiras. Neste sentido, está levando o sentido da misericórdia à sua máxima radicalidade, ao extremo da misericórdia de Deus.
Precisávamos disso, não?
Penso que sim. A Igreja mãe, a maternidade da Igreja, uma Igreja que abraça a humanidade ferida. Isto é o que o Papa chama de hospital de campo. A Igreja está a serviço da humanidade ferida. Esta é a grande imagem.
Passar de ser alfândega a hospital de campo.
Exatamente. Estas são as duas grandes imagens. A Igreja como alfândega que filtra o acesso ou a igreja hospital de campo que acolhe a todas as pessoas feridas.
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“O Papa acredita que a igreja precisa saber que não temos todas as respostas”. Entrevista com Antonio Spadaro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU