29 Abril 2016
"Às vésperas da celebração centenária de fundação, sirva-nos de exemplo sobre o assunto, o comportamento de São Marcelino José Bento Champagnat, fundador dos Irmãozinhos de Maria", escreve Antonio Cechin, irmão marista.
Eis o artigo.
A congregação dos Irmãozinhos de Maria (Petits Frères de Marie) segundo o nome de origem dado pelo próprio fundador, popularmente conhecidos pelo nome de Irmãos Maristas, está celebrando durante três anos – 2015, 2016, 2017 – o bicentenário de fundação que se deu no dia 2 de janeiro de 1817. Trata-se de uma família de religiosos destinada à evangelização e à educação da juventude.
Todos sabemos que o maior crime que se possa praticar contra a juventude é o pecado de pedofilia, a ponto do próprio Jesus Cristo ter dito sua Palavra mais terrível contra quem ousar cometê-lo: “Ai de quem escandalizar a um desses pequeninos!... Melhor teria sido que se lhe tivesse amarrado uma mó de moinho ao pescoço e tivesse sido lançado ao fundo do mar!”.
Por outro lado, sabemos que, até por força do prêmio maior de cinema do mundo, concedido há um mês – o Oscar dos Estados Unidos – ao filme Spotlight, em exibição nas salas de cinema do mundo inteiro, a pedofilia continua na ordem do dia, para vergonha máxima da nossa mãe Igreja, ao mesmo tempo santa e pecadora.
Para além de tudo quanto sabemos a respeito das medidas de precaução que foram sendo tomadas oficialmente pelos últimos papas, a pergunta que também podemos fazer-nos é esta: Como é que agiram e se preveniram os santos frente a casos de pedofilia, particularmente os fundadores de ordens e congregações religiosas que se dedicam à juventude?
Às vésperas da celebração centenária de fundação, sirva-nos de exemplo sobre o assunto, o comportamento de São Marcelino José Bento Champagnat, fundador dos Irmãozinhos de Maria.
Os fatos que vamos citar, são narrados no livro biográfico do santo fundador, de autoria do Irmão Jean-Baptiste Furet, um dos primeiros discípulos formados pelo próprio Champagnat, (Vida de são Marcelino José Bento Champagnat, tradução de Ângelo José Camatta, Edições Loyola, São Paulo).
O amor do Padre Champagnat à pureza e o ódio ao vício impuro levaram-no a tomar inúmeras precauções para conservar esta angélica virtude entre os Irmãos.
Compreendendo porém, que a vigilância mais severa e os preceitos mais sábios não bastariam, se não fossem acompanhados pela oração, pedia continuamente a Nosso Senhor, por intercessão de Maria, que concedesse a todos os Irmãos total pureza de alma e de corpo. Queria, e determinou, que no Instituto se fizessem preces especiais e diárias, para obter a santa virtude da pureza, objetivo especial de um dos três votos de todos os religiosos na Igreja: o de castidade. Nesta intenção rezava, muitas vezes, a missa votiva da Santíssima Virgem. Repetia amiúde: “Maria foi admirável em pureza; nós, seus filhos, que temos a glória de trazer seu nome, devemos também amar muito essa bela e sublime virtude, combatendo sem trégua, em nós e nos meninos a nós confiados, aquilo que pode ofendê-la ou destruí-la. Devemos procurar vivê-la com a máxima perfeição”.
O piedoso fundador tinha tão grande aversão ao vício impuro que não podia ouvir falar nele sem ser tomado de pavor. Falta grave contra a pureza lhe fazia verter lágrimas. Mostrava-se terrível e inexorável sempre que havia perigo de contágio, e não tinha compaixão dos corruptores.
Na época em que os Irmãos residiam em Lavalla, havendo poucos noviços, aceitavam-se pensionistas com a finalidade de conseguir alguns recursos para a comunidade. Um postulante, servente no internato, sucumbiu à tentação. O Padre, que no momento trabalhava na construção da casa de l’Hermitage, soube do fato no mesmo dia e ficou abalado. Foi imediatamente para Lavalla. Ali ficou sabendo que o fato já era conhecido de muitos meninos. Resolveu parar o contágio, cortando a raiz.
Infligiu terrível castigo ao culpado. Convocou ao seu quarto todos os Irmãos e noviços. Colocou-os em semicírculo, revestiu-se de sobrepeliz e estola e mandou entrar o delinquente. Logo que apareceu, o Padre lançou-lhe um olhar fulminante: “Desgraçado! Uma vez que não teve receio de crucificar Jesus Cristo no seu coração e de profanar seus membros vivos, também não temerá pisar sobre sua imagem!” Ao mesmo tempo, diante do postulante, atira ao chão um crucifixo e lhe grita com voz terrível: “Monstro! Pise a imagem de seu Deus! O crime que cometer agora pisando o símbolo sagrado da Redenção será menor do que o crime de ontem”.
Apavorado, o moço cai de joelhos em prantos e suplica misericórdia. Reage o Padre: “Homem perverso! O que lhe fez aquele rapaz para você roubar-lhe a inocência? Saia daqui! Não merece misericórdia!” Como o postulante continuasse ajoelhado e pedindo compaixão, o Padre bradou-lhe: “Seu monstro, suma daqui! Você profanou esta casa; não volte mais a pôr os pés aqui!”
O culpado estava tão espantado e confuso que nem sabia o que fazer. Mal achou a porta de saída, embora estivesse escancarada diante dele. O Padre empurrou-o para fora, dizendo-lhe: “Vá embora, desgraçado e nunca mais apareça na minha frente!”
Mal o rapaz tinha saído, ajoelhou-se ante o crucifixo, que ainda jazia por terra, e exclamou: “Perdão, meu Jesus! Por este crime e por todos aqueles que vos causaram a morte na cruz! Por vossas santas chagas preservai-nos de pecado tão enorme, e não permitais que esta casa se manche novamente com o demônio da impureza!”
Em seguida, levantou-se e olhando para os Irmãos, lhes disse: “Meus amigos, peçamos a Deus que nos preserve para sempre de semelhante falta. Roguemos-lhe que afugente satã desta casa.
Ele entrou, mas com o auxílio de Maria, nós o expulsaremos. Tragam-me água benta!”
Precedido de um Irmão, que levava a caldeirinha, e seguido pelos demais, percorreu todos os aposentos, aspergindo-os com água benta em todas as direções, repetindo sempre com expressão melancólica e enternecida: Asperges me hyssopo, et mundabor: lavabis me, et super nivem dealbabor. (“Purifica meu pecado com o hissopo e ficarei puro; lava-me e ficarei mais branco do que a neve”, salmo 50,9)
Terminou a cerimônia, ajoelhando-se e fazendo prece ardente para pedir a pureza. Impossível expressar o impacto que semelhante cena produziu nos Irmãos. Todos choravam e tremiam de emoção e espanto, como se a culpa fosse deles. Isso aconteceu por volta das quatro horas da tarde. Durante o recreio que seguiu o jantar, a impressão continuava tão viva e profunda que ninguém ousava falar. O recreio transcorreu em melancólico silêncio.
Passados alguns anos, outro postulante, de seus vinte e cinco anos, incidiu em idêntica falta. Informaram o Padre Champagnat às dez horas da noite, uma hora após o deitar da comunidade. Não se conformou em deixar o culpado na casa até o dia seguinte.
Mandou-o levantar-se e o despediu incontinente. Como o jovem lhe suplicasse de joelhos a permissão de passar a noite num recanto da casa, ou na estrebaria, alegando ser muito tarde para achar onde se hospedar, respondeu o padre: “De jeito nenhum; enquanto permanecer aqui, tremerei de medo, pois a maldição de Deus pode cair sobre nós”.
Dizendo isso, forçou-o a sair e fechou a porta atrás dele. Momentos depois um Irmão lhe observou que o postulante deixara seu enxoval. “Você vai ajuntar todos os trastes dele e jogá-los no outro lado do ribeirão, para não termos mais nada nem com ele nem com as coisas dele. Que a água nos preserve do contágio até de seus pertences.”
A propósito desses trágicos acontecimentos ligados à pedofilia, por ocasião do exame da heroicidade das virtudes com vistas ao processo de beatificação de Champagnat, reunido o tribunal, o Promotor Geral da Fé, vulgarmente denominado advogado do diabo, sentia que tinha em mãos um prato cheio a fim de barrar o servo de Deus Marcelino José Bento Champagnat no caminho para os altares. Sustentou com a maior ênfase deste mundo a absoluta falta de caridade – por sinal rainha de todas as virtudes segundo o apóstolo Paulo e facilmente desdobrável para a misericórdia, hoje tão ao gosto do papa Francisco com ano jubilar, passagem por porta santa, com obras de misericórdia e tudo o mais.
O papa Bento XV que estava presente ao julgamento, inopinadamente tomou a palavra, interrompendo a loquacidade do Promotor e defendeu com veemência a absoluta retidão de São Marcelino, proclamando alto e bom som que, na qualidade de fundador, era absolutamente necessário que Champagnat marcasse a Congregação Marista, dedicada à infância, para todo o sempre, com um soberano horror para qualquer deslize em relação à pedofilia.
O biógrafo de São Marcelino, o Irmão Jean Baptiste Furet, além do destaque que dá ao santo Fundador dos Irmãozinhos de Maria, cita outros santos que se distinguiram por seu absoluto horror ao pecado.
Santo Inácio de Loyola abominava de tal maneira o pecado, que dizia: “Não me atreveria a pernoitar numa casa, em que soubesse haver um homem culpado de pecado mortal; temeria que o telhado nos esmagasse sob seus escombros”.
Exclamava Santa Madalena de Pazzi, no seu leito de morte: “Deixo esta terra, sem poder decifrar um mistério aterrador: como é que se pode cometer tão facilmente o pecado”.
São João Crisóstomo afirmava preferir ficar possesso do demônio a cometer um só pecado venial.
São Luís, rei de França, preferia sofrer todas as doenças do mundo a cometer um só pecado mortal.
Exclamava Santa Dorotéia: “prefiro que pereça meu corpo e sejam retalhados todos os membros, mas que não se manche minha alma com o mais breve pecado”.
Uma palavra indecorosa, uma leve sombra de pecado, eram suficientes para provocar desmaios em Santo Estanislau Kostka. São Francisco de Assis, São Bento, São Bernardo e muitos outros rolavam sobre a neve ou nos espinheiros quando lhes vinha a simples idéia de cometer algum pecado.
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São Marcelino Champagnat frente a casos de pedofilia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU