Por: Jonas | 27 Abril 2016
Dom Luiz Cappio é bispo de Barra, estado da Bahia, onde passou boa parte de sua vida, primeiro como frei franciscano e desde 1997 como bispo. Filho de imigrantes italianos, assumiu a defesa do Rio São Francisco e do povo que mora em suas margens, como causa inseparável de seu ministério. Essa luta o levou a ter atitudes proféticas, que não foram compreendidas por todos, como uma peregrinação de um ano na qual, junto com outras três pessoas, percorreu o curso do maior rio unicamente brasileiro em sua totalidade e duas greves de fome, ou jejuns como ele prefere dizer.
Estamos falando de um rio que pouco a pouco está morrendo, consequência do desmatamento das nascentes e do próprio curso de água. Situação que só pode se agravar, caso chegue a se concretizar a famosa Transposição do Rio São Francisco, obra faraônica e bilionária que, após muitos anos, tornou-se um poço sem fundo, onde os recursos públicos foram dilapidados sem resultados concretos.
O bispo franciscano, nesta entrevista, conta o que em sua vida significou a luta assumida décadas atrás e o que a chegada do Papa Francisco, de quem diz que está revivendo os valores propostos pelo santo de Assis, significou como confirmação daquilo que marcou sua vida e que, em sua opinião, aparece reunido na Laudato Si’.
A entrevista é de Luis Miguel Modino, publicada por Religión Digital, 23-04-2016. A tradução é do Cepat.
Eis a entrevista.
Há quantos anos você vive na Bahia?
Eu já estou no sertão da Bahia há quarenta e três anos.
Sempre na beira do Rio São Francisco. O que este rio representa em sua vida?
Quando eu cheguei ao interior da Bahia, o conhecimento que tinha do Rio São Francisco era o que tinha aprendido na escola, mas conforme fui convivendo com o povo, fui percebendo que o rio era muito mais do que os livros ensinam, vi que representava a vida de um povo. É a água que as pessoas bebem, é o peixe do rio que o povo come, é a água do rio que molha a terra onde o povo planta e dá de comer a sua família. Podemos dizer, em uma linguagem simples, que o rio é o pai e a mãe daquele povo e a sobrevivência, a vida do povo, irá depender daquele rio.
Um rio que o senhor conhece em sua totalidade, porque durante um ano fez uma peregrinação a pé da nascente à foz. O que significou essa peregrinação?
Quando percebemos que o rio estava em um processo de morte, como ainda está, nós, um grupo de pessoas, decidimos fazer este caminho da nascente à foz para conversar com a população sobre a importância do rio, detectar os problemas do rio e convidar as pessoas para assumir a defesa de seu rio. Esse caminho se prolongou por um ano, saímos no dia 4 de outubro de 1992, eu ainda não era bispo, era frei franciscano, e terminamos no dia 4 de outubro de 1993. Exatamente um ano, e escolhemos o dia 4 de outubro por ser o dia de São Francisco.
As pessoas tomaram consciência da importância do rio em sua vida?
Perfeitamente. Pudemos ser testemunhas de que houve uma mudança na mentalidade da população ribeirinha. Hoje em dia, qualquer ação em benefício do rio que seja promovida, imediatamente se tem o povo ao lado. Infelizmente, as instâncias de decisão do governo sempre se mantiveram alheias.
Poderíamos dizer que o governo ou as instituições públicas são os grandes inimigos do Rio São Francisco?
Sim, podemos dizer com todas as letras, porque enquanto o rio precisa urgentemente de cuidados, as instituições políticas e econômicas buscam apenas se aproveitar do rio, sem fazer nada em benefício do rio. Acontece aquilo que no jargão simples se diz, que anêmico não pode doar sangue e que se você quer que um enfermo possa prestar serviços, primeiro garanta a sua saúde. No Rio São Francisco, até hoje, não conhecemos nenhum projeto sério que vislumbre a revitalização do rio. Todos os projetos instaurados, e o maior deles é a transposição, apenas utiliza o rio, transforma a água em bem econômico para as grandes iniciativas econômicas.
Um rio que o senhor assumiu como pai, como filho, e o levou a fazer duas greves de fome em defesa do Rio São Francisco.
Gostaria de dizer que assumi a luta do rio pelo fato de ver no rio as condições de vida do povo. Sim, é o rio, mas em função do povo, porque o povo depende desse rio. Quando decidimos pelos dois jejuns, eles tiveram como base o Evangelho de São João, capítulo 10, versículo 10. É o pastor que busca, de todas as formas, dar a vida por seu rebanho. Quando assumimos aquela luta, que foi muito difícil, muito dura, foi em função da vida do povo, pois vemos na vida do rio a fonte de condições para a vida das pessoas.
Sentiu o apoio da Igreja do Brasil, naquele momento?
Houve várias posições, da Igreja oficial sim. A CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil) esteve ao meu lado, através de seus dirigentes. Alguns irmãos bispos sempre estiveram do nosso lado, outros ignoraram e outros eram contrários. Nós respeitamos a posição de cada um.
Muitas pessoas dizem que o senhor é o profeta do São Francisco. Que reação provoca no senhor ouvir isto?
Eu digo que se profeta significa lutar pela vida e a dignidade das pessoas, eu fico muito feliz. Se profetismo significa lutar pelas coisas de Deus e pelas coisas que valem a pena, eu sou feliz.
O senhor não acredita que a Igreja do Brasil, sobretudo a hierarquia, perdeu a dimensão profética que a acompanhou durante várias décadas?
Realmente nós já tivemos, em um passado não muito distante, homens de Igreja que assumiram posições muito importantes na vida do país. Depois, durante um tempo, percebemos a preocupação de uma Igreja muito voltada para si mesmo. E agora, a partir do Papa Francisco, vemos novamente uma Igreja em saída, preocupada com o mundo, com a missão e com os pobres.
O senhor é franciscano. Poderíamos dizer que o Papa Francisco é a reencarnação dos valores de São Francisco, oito séculos depois?
Sem dúvida. Ele está tornando realidade toda aquela riqueza do carisma de São Francisco. Assim como São Francisco na Idade Média restituiu os valores evangélicos, nós podemos dizer que o Papa Francisco está revivendo os valores evangélicos no mundo atual.
O Papa Francisco publicou, no ano passado, a Encíclica Laudato Si’. Sente uma conformidade com aquilo que fez parte de sua luta, em sua vida?
É uma grande questão. Eu sempre digo que esta será a principal obra do Papa Francisco. Pode ser que ele nos surpreenda, que chegue a escrever coisas ainda mais importantes. Mas, mesmo que escreva coisas muito importantes, a Laudato Si’ sempre será o cume.
O que a Igreja do Brasil e de todo o mundo precisa fazer para concretizar a Laudato Si’ na vida da Igreja, das comunidades, do povo?
É necessário tomar consciência e entendimento da unidade da vida. Não existe uma vida material, uma vida ecológica, uma vida econômica, uma vida social, uma vida espiritual. Todas essas dimensões fazem parte de uma mesma vida e necessariamente é preciso ver a vida como um todo. A Laudato Si’ tem esse grande mérito, de olhar a vida e dizer que isto é o Reino de Deus, tudo isto é uma só coisa. Lutar pela vida é lutar por todos os valores que fazem com que a vida realmente tenha valor.
A humanidade, inclusive nós, que nos dizemos cristãos, gosta de dividir a vida em compartimentos estanques, separar as coisas. Essa é a novidade da Laudado Si’. Força-nos a não fazer divisões entre os diferentes assuntos, mas, ao contrário, dar a eles corpo, descobrir que todos esses valores estão unidos e devem ser assumidos de maneira conjunta. É a unidade.
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“Francisco está revivendo os valores evangélicos no mundo atual”. Entrevista com Dom Luiz Cappio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU