Por: André | 18 Abril 2016
Entre presentes alusivos à coca e bustos de caudilhos indígenas, o presidente boliviano se credencia como líder dos Movimentos Populares.
A reportagem é de Alver Metalli e publicada por Tierras de América, 16-04-2016. A tradução é de André Langer.
A ajuda aos pobres, as políticas sociais, a educação e a saúde foram o núcleo das “cordiais conversas” que aconteceram no Vaticano entre o Papa Francisco e o presidente boliviano Evo Morales. Como informa um comunicado da Santa Sé, “durante as conversas foram tratados alguns temas concernentes à atual conjuntura socioeconômica do país, considerando especialmente as políticas sociais. Também falaram “das relações entre a Igreja e o Estado, recordando a longa tradição cristã da Bolívia e a contribuição decisiva da Igreja para a vida da Nação”.
A síntese confirma que o Pontífice tem conhecimento da preocupação do episcopado boliviano, que dias atrás exortou a classe política de seu país para se interrogar sobre a crescente penetração do narcotráfico e os dramas provocados pelo consumo de droga.
“Mas, Evo Morales tem um problema: ele mesmo”. Assim reagiu uma respeitada fonte diplomática à audiência do presidente boliviano no Vaticano. Porque as características extraordinárias do diálogo com Francisco correm o risco de ficar desvirtuadas pelos excessos do próprio Morales, que, uma vez mais, ficaram evidentes nos presentes que entregou ao Pontífice.
O primeiro, que estava em uma grande caixa decorada com desenhos e cores tipicamente indígenas, era um busto talhado em madeira de Tupac Katari, caudilho indígena aimara (1750-1781) que liderou uma das revoltas mais importantes contra as autoridades coloniais no Alto Peru, a atual Bolívia. Foi torturado e morreu esquartejado. Nada mais apropriado para colocar de manifesto uma identidade e uma história cuja memória pode fecundar o futuro.
O segundo presente veio confirmar o anterior: uma pasta com documentos. “Aqui está uma cartinha que lhe mandam os Movimentos Populares”, disse o presidente Morales, referindo-se ao encontro mundial com os Movimentos que aconteceu no ano passado, oportunidade na qual Bergoglio fez um discurso precisamente na cidade de Santa Cruz de la Sierra, Bolívia.
“Agora a questão da coca”, anunciou então o presidente boliviano, e no exato momento em que disse isso os jornalistas compreenderam que o astuto Morales estava para oferecer um bom pretexto para as manchetes dos jornais. “Coca, um biobanco”, “Coca, dieta citogênica” e “Coca, fator antiobesidade”. O Papa limitou-se a pegar os três livros e respondeu somente com um “obrigado”.
Mas o irresistível Evo, a propósito da bebida tradicional à base de folhas de coca, procurou convencer Francisco: “Eu a tomo e me faz muito bem. Eu a recomendo. Assim aguenta toda a vida”.
Bergoglio, em cuja mesa de trabalho não falta nunca o mate, começou então a devolver as gentilezas com o costumeiro medalhão de São Martinho de Tours, que cede seu manto ao pobre. “Venho de um país cujo padroeiro é Francisco, participei de um sindicato cujo nome era Francisco, e agora há um Papa chamado Francisco”, respondeu a Morales. Em seguida, Francisco ofereceu-lhe dois livros: “Agora lhe dou dois livros, o primeiro sobre o amor e a família (a exortação Amoris laetitia) e outro meu, O nome de Deus é misericórdia, escrito com o famoso vaticanista Andrea Tornielli.
Em julho de 2015, durante a visita do Papa à Bolívia, ficou famosa a foto de Evo Morales entregando a Francisco um crucifixo em forma de foice e martelo. O presente, que o Pontífice levou consigo ao Vaticano, provocou um grande alvoroço, embora se tratasse da reprodução de uma obra do padre jesuíta Luis Espinal, defensor na Bolívia dos operários e mineiros, que foi assassinado por paramilitares do regime de Luis García Meza no dia 22 de março de 1980, dois dias antes de dom Oscar Romero em El Salvador.
Em suma, seria preciso fazer-se uma pergunta que permitisse superar os estereótipos de uma informação concentrada no folclore: por que desde Morales até Correa e Sanders, todos correm para ver o Francisco? “Os líderes convidados ao Vaticano constituem uma ‘terceira via’ em relação aos conservadores e aos progressistas estilo Clinton ou europeu”, observa Alfredo Somoza, jornalista argentino, mas que atualmente vive em Milão, e analista de política exterior.
Somoza considera que estamos assistindo à “novidade absoluta da centralidade de um Papa que se converte em ponto de referência global para uma escola de pensamento político”. Para dizê-lo com todas as palavras: “Os jesuítas sempre foram acusados de tramar nas sombras, mas seu primeiro Pontífice, ao contrário, faz política e diplomacia de rosto descoberto, obtendo resultados exitosos em uma empresa na qual ninguém teria apostado nos tempos da renúncia do Papa Ratzinger: ver o Vaticano no centro da política e da diplomacia internacional e o Papa como ponto de referência de uma grande variedade de líderes que compartilham com ele princípios, palavras de ordem e narrações”.
Essa é a perspectiva com que se deveria observar o diálogo entre Francisco e os líderes mundiais, sem dar tanta importância às trocas de presentes.
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A terceira via de Evo Morales nas mãos do Papa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU