15 Abril 2016
Há dois meses, a Corte Nacional da Espanha parecia prestes a dar continuidade a uma longa ação judicial num dos crimes mais notáveis da guerra civil de El Salvador: os assassinatos em 1989 de seis padres jesuítas, uma funcionária doméstica e sua filha.
A reportagem é de Linda Cooper e James Hodge, publicada por National Catholic Reporter, 13-04-2016. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Uma decisão histórica tomada em 5 de fevereiro deste ano pela magistrada americana Kimberly Swank ordenava a extradição para a Espanha do ex-coronel salvadorenho Inocente Orlando Montano, que vivia ilegalmente nos EUA desde 2002 quando mentiu nos documentos apresentados ao Departamento de Imigração para entrar no país.
A Espanha indiciou ele e outros 16 por conspirar e levar a cabo os assassinatos dos jesuítas. Cinco dos seis padres mortos eram cidadãos espanhóis. Visto que, sob o direito espanhol, um réu não pode ser julgado in absentia, pelo menos um deles precisava estar presente para que o julgamento pudesse começar. Com a ordem de extradição, parecia que esta exigência não seria mais um obstáculo.
A decisão da juíza Swank foi mais uma notícia inesperada para algumas ex-autoridades militares salvadorenhas do alto escalão que, no passado, foram aliados dos EUA. No ano passado, autoridades americanas deportaram dois generais salvadorenhos aposentados que vivam na Flórida e que tiveram envolvimento nos assassinatos de 1980 das quatro missionárias americanas que viviam em El Salvador, entre outros crimes.
Os generais Eugenio Vides Casanova e Jose Guillermo Garcia eram ambos recipiendários do prêmio Legião de Mérito concedido pelos EUA. E, da mesma forma como Montano (ex-vice-ministro da Defesa para a Segurança Pública), Casanova e Garcia formaram-se na Escola das Américas do exército americano, atualmente chamada de Instituto do Hemisfério Ocidental para a Cooperação em Segurança.
O efeito da decisão de Swank foi imediato. Poucas horas depois que sua decisão fora anunciada, a Polícia Nacional Civil em El Salvador começou uma operação nas casas de outros suspeitos e rapidamente fez quatro detenções com base em mandados de prisão da Interpol que haviam sido reemitidos semanas antes mas que não haviam sido levados a efeito até então.
Grupos internacionais de direitos humanos comemoraram o avanço no processo judicial contra os militares salvadorenhos. Só décadas depois é que os detalhes dos crimes cometidos na manhã de 16 de novembro de 1989 foram delineados. Nesse dia, uma unidade antiterrorista treinada pelo exército americano adentrou a Universidade Centro-Americana em Sal Salvador e estourou os miolos dos sacerdotes com armas de alto calibre, matando também a funcionária doméstica e sua filha.
A perspectiva de um julgamento iminente, no entanto, diminuiu consideravelmente nos últimos dois anos.
Em 1º de abril, o advogado de Montano entrou com um pedido de habeas corpus no tribunal distrital federal da Carolina do Norte, numa tentativa de reverter a ordem de extradição e livrá-lo da detenção, em parte devido a um câncer de bexiga e outros problemas de saúde.
O pedido para reverter a extradição provavelmente “não irá ter sucesso”, disse Patty Blum, advogada que representa o Center for Justice and Accountability, grupo que entrou com o processo no caso dos jesuítas junto ao tribunal espanhol em 2008.
Swank já negou os argumentos apresentados na apelação e fez um “trabalho completo de revisar os registros e emitir uma opinião fundamentada, detalhada”, afirmou Blum. A apelação “não trouxe nenhuma questão material que não houvesse sido apresentada antes”.
Esperançosa de que Montano, hoje com 72 anos de idade, será um dia posto em um avião para Madri, Blum estima que serão precisos de 3 a 6 meses para que a apelação seja resolvida.
O pedido de extradição irá mantê-lo em solo americano – o que não acontece com Eugenio Vides Casanova e Jose Guillermo Garcia, que foram deportados no ano passado muito embora havia apelações federais pendentes em seus casos.
O caso de Montano complica-se por causa de seu estado de saúde. A apelação apresentada inclui documentos que dizem que uma cirurgia a bexiga o deixou com uma “bolsa urinária anexada ao seu estômago, o que exige uma assistência cuidadosa para evitar” infecções. Além disso, ele sofre de diabetes e artrite progressiva em ambas as pernas, obrigando-o a usar um andador para se locomover.
A apelação de Montano e sua situação de saúde não são apenas reveses para o tribunal espanhol. A Polícia Nacional Civil de El Salvador não conseguiu prender mais nenhum outro suspeito desde no dia 5 de fevereiro, deixando soltos 12 dos indiciados.
Estes incluem vários membros do alto comando que estiveram juntos na reunião com Montano onde se planejaram os assassinatos dos jesuítas, segundo um relatório da Comissão da Verdade da ONU. Estes ignoraram um pedido feito pelo presidente salvadorenho Salvador Sánchez Cerén de se entregarem.
Nenhum dos quatro militares detidos em fevereiro eram membros do alto comando; eles eram participantes de nível inferior que enfrentaram acusações em 1991, no que é conhecido como um “show trial” (julgamento de exibição), que terminou nas condenações de dois militares. Estes foram soltos logo em seguida quando se aprovou uma lei de anistia no país.
Sánchez Cerén, ex-comandante rebelde de esquerda, quer que a Suprema Corte salvadorenha decida-se tanto no caso da anistia como no da extradição.
Um advogado representante dos quatro detidos está buscando a soltura deles, o que poderia forçar a Suprema Corte do país a tomar decisões em temas que têm polarizado a população salvadorenha.
Enquanto isso, a ala direita do país organizou uma oposição feroz às extradições no caso dos jesuítas, temendo que isso pudesse desmantelar a lei de anistia e, portanto, abrir as portas para futuros processos em torno de outras atrocidades cometidas nos tempos de guerra civil: atrocidades como o massacre de El Mazote, onde o exército abateu quase 1 mil campesinos a sangue frio, muitos dos quais eram mulheres e crianças.
A Aliança Republicana Nacionalista (ou ARENA), partido de direita no poder durante o período em que os sacerdotes foram assassinados, tem pressionado a Suprema Corte no sentido de esta não decidir a favor das extradições, dizendo que isso abriria velhas feridas.
Foi o ARENA que encabeçou a lei de anistia em 1993 – a apenas cindo dias depois de a Comissão da Verdade da ONU anunciar que militares salvadorenhos e seus esquadrões da morte haviam cometido 85% das piores atrocidades da guerra.
Norman Quijano, candidato da ARENA que perdeu por pouco a corrida presidencial de 2013 para Sánchez Cerén, chamou os 17 salvadorenhos indiciados na Espanha de “os nossos heroicos e bravos soldados”.
Generais aposentados denunciaram publicamente também as detenções de 5 de fevereiro e as tentativas pelas autoridades espanholas de colocar os réus em julgamento. Entre eles estava um ex-ministro da Defesa, o general aposentado Jaime Guzmán, formado pela Escola das Américas e aí instrutor nos anos de 1989 e 1990.
Outros quatro ex-membros do alto comando do exército salvadorenho indiciados na Espanha divulgaram uma nota negando o envolvimento e afirmando que estavam sendo “vítimas” de perseguição política e de uma “campanha de difamação” encabeçada pelo representante do Ministério Público para os direitos humanos (ombudsman) de El Salvador David Morales.
Todos os quatros foram formados na Escola das Américas e estiveram presentes na reunião em que se planejou o assassinato dos jesuítas: os generais Rafael Humberto Larios, Juan Rafael Bustillo e Juan Orlando Zepeda, e o coronel Francisco Elena Fuentes.
Não está claro qual o efeito que a pressão política e militar terá sobre a Suprema Corte na decisão de pôr fim à impunidade desfrutada há décadas por criminosos de guerra. A corte do país precisa ainda decidir-se em um caso que contesta a lei de anistia, caso proposto pelo Instituto dos Direitos Humanos da Universidade Centro-Americana.
Mas Morales, o ombudsman dos direitos humanos, não demonstra ter muitas esperanças. Segundo o jornal The Guardian, em 8 de abril deste ano ele teria dito ver poucas possibilidades de que seja feita justiça em El Salvador.
“O processo legal fio manipulado e os juízes mais têm desrespeitado a Constituição, tratados internacionais e o direito nacional”, disse ele.
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Assassinato dos jesuítas de El Salvador. Os reveses do pedido de extradição - Instituto Humanitas Unisinos - IHU