11 Abril 2016
Na Bolsa dos modelos políticos, a democracia liberal se encontra em baixa. O mundo está menos democrático do que era há dez ou vinte anos. Nas próprias democracias, a maré também está em refluxo: certos países estão ficando menos livres. Com a mudança de ventos, um velho tropismo ronda, cá e lá, no Sul e no Norte. Em apenas um quarto de século, o rumo da História parece ter mudado.
O comentário é de Alain Frachon, publicado por Le Monde e reproduzido por Portal Uol, 09-04-2016.
Há 25 anos, celebrávamos a queda do Muro de Berlim. Nelson Mandela saía da prisão, e o chileno Augusto Pinochet começava a passar o bastão. Em Moscou, Mikhail Gorbachev começava a abertura, dando a liberdade aos satélites da URSS. Em Washington, velho combatente da Guerra Fria, o presidente George H.W. Bush saudava "mudanças de proporções bíblicas". Bill Clinton, jovem de 43 anos, "baby boomer" epicurista, iria sucedê-lo.
"Tínhamos a impressão de que era o fim de uma era de repressão e de autocracia", conta, nostálgico, um dos mais promissores jovens historiadores britânicos, Peter Frankopan, pesquisador da universidade de Oxford.
"Em toda parte do mundo, ditaduras eram derrubadas", escreveu ele para o "Financial Times".
Tudo estava ligado, o modelo democrático como horizonte político inevitável e o crescimento econômico como bônus. Tudo era conduzido pela revolução tecnológica e pela abertura das fronteiras.
Os assessores econômicos de Clinton pensavam até mesmo terem encontrado a fórmula vencedora para abolir os ciclos na economia: agora só haveria "altos".
Na imprensa, todos acreditavam que havia motivos para comemorar. Atravessaram muitas guerras e desventuras bélicas, desde os Bálcãs até os atentados de 2001, passando pelo Afeganistão e pelo Iraque, sem por isso duvidar, como escreve Frankopan, que "a democracia liberal iria triunfar, se impor como o sistema político ideal por excelência".
A história caminhava em um sentido único, arriscava um ensaísta.
Mas é preciso abandonar as ilusões. Eleições livres, separação dos poderes, independência da imprensa e da Justiça, liberdades públicas, aquilo que compõe a complicada mecânica de uma democracia liberal, tudo isso está em queda. A atratividade do modelo está sendo contestada, relata a Freedom House, ONG que monitora as evoluções da prática democrática em 195 países.
"2015 foi marcado pela queda da liberdade em geral pelo décimo ano seguido", ela observa em seu último relatório, publicado no final de janeiro.
Somente 43 países avançaram; em 105 outros, as liberdades recuaram. É o caso das economias emergentes, onde o modelo autocrático tem dominado e avançado. É o caso também no mundo ocidental, onde o modelo liberal tem regredido.
A "tentação autoritária", apontada recentemente por Jean-Claude Guillebaud na revista "L'Obs", usando uma expressão do cientista político Yves Sintomer, não poupa nem os Estados Unidos, nem a Europa.
Ela mostra sua cara feia de górgona através dos traços de Donald Trump do outro lado do Atlântico. Ela aflora entre os demagogos ultranacionalistas anti-europeus, no poder ou aspirando a ele. Ambos cultivam aquilo que um freudiano hoje chamaria de "mal-estar na globalização".
Trump exalta os méritos da tortura, estigmatiza as minorias, despreza os sindicatos e promove a organização de uma operação policial monstruosa para expulsar do país 11 milhões de trabalhadores ilegais.
Na Europa, Viktor Orban em Budapeste, Jaroslaw Kaczynski, líder do partido situacionista Direito e Justiça, em Varsóvia, instauram uma forma de "democracia parcial" de mecânica bastante simples. Há eleições e elas certamente são livres, mas, passada a eleição, o vencedor leva tudo: controle sobre a Justiça, função pública a seu serviço, rádio e televisão públicas a seu dispor.
O que é rejeitado é o complicado mecanismo dos poderes e dos contra-poderes, essa maneira de fazer diversas verdades coexistirem para parir esse milagre eminentemente democrático que é o acordo.
A Turquia de Recep Tayyip Erdogan está indo por esse caminho, mas o produto mais bem acabado continua sendo a versão moscovita. Naturalmente, Vladimir Putin é o ídolo dos partidos de oposição da extrema direita europeia, sobretudo da Frente Nacional, e Trump venera o presidente russo.
Valiosa conquista
Em um questionamento mais específico, por que essa deslegitimização do modelo liberal no mundo ocidental?
Ela tem assumido a forma de uma oposição geral das elites, com comentaristas e ensaístas anglo-saxões dando preferência a um caminho: o da economia. Associado e confundido com a globalização econômica, o modelo não cumpriu suas promessas.
Fluxos migratórios descontrolados, crescimento anêmico, destruição de empregos e de status, crise de 2008, ascensão social entravada etc. O modelo político democrático liberal pressupõe classes médias dinâmicas, e não traumatizadas pela globalização.
Talvez algo de mais profundo esteja em andamento. Tal como é encarnado pela centro-esquerda —a social-democracia— o modelo é o resultado de um aprofundamento constante das liberdades individuais.
Ele é o estágio mais avançado de um movimento de emancipação libertária, que culminou nos protestos dos anos 1960, de Berkeley a Londres, passando por Paris e Berlim, estaria chegando ao final de um ciclo, por falta de uma ambição coletiva.
Talvez. No entanto, seria irresponsável ceder à ilusão autocrática ou permanecer sem reação diante dessa erosão contínua do modelo democrático liberal. Essa antiga, lenta e valiosa conquista está menos garantida do que nunca.
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A nostalgia da democracia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU